15 de junho de 2013

Fé & Razão

Se a Razão é a capacidade de ver, compreender e aceitar a verdade material evidente, que é fisicamente observável e que muitas vezes pode ser expressa ou quantificada matematicamente, a fé é a capacidade para ver, compreender e aceitar verdades não materiais, mas não menos evidentes, para além do fisicamente observável, não matematicamente expressável ou quantificável.

A fé e a razão não são dois conceitos opostos e irreconciliáveis, como o sim e o não, o branco e o preto, a mentira e a verdade. Anthony Kenny define a razão como a média entre o cepticismo e a credulidade, ou seja, o equilíbrio ideal entre a crença inadequada e a dúvida inadequada.

Tal como a fé, que para ser humana deve fugir da irracionalidade e ser razoável; a razão deve fugir da pretensão de ser "pau para toda a colher", ou seja, de ser a única via para o conhecimento. Parafraseando Pascal, a fé tem razões que a razão não conhece. Se a fé, sem a razão, é cega, a razão, sem a fé, não é menos cega; as duas são importantes para o conhecimento.

Historicamente ao longo do tempo a razão constitui-se e institui-se em ciência, que é o processo de determinar o comportamento da matéria ou do universo usando a observação, a experimentação e a razão. Historicamente a fé constitui-se e institui-se em religião, que é um sistema organizado de crenças, ideias ou respostas sobre a causa, natureza e finalidade do universo que não são nem podem ser objecto de ciência.

O ateísmo também é uma crença e menos científica
A Religião contém, em si, a fé de que Deus eterno criou a matéria (o universo) — uma crença sobrenatural, não baseada na observação directa, que antecedeu o Big Bang. O Ateísmo contém, em si, a fé de que a matéria (o universo) é eterno e não criado; uma crença sobrenatural que, da mesma forma, não pode ser baseada na observação directa pois o observador, o homem, não existia nessa altura.

A ciência não consegue provar como errada a crença de que Deus antecedeu o Big Bang e está na origem do Universo. Ao contrário a crença ateia, de que o universo sempre existiu e se criou a si mesmo, viola a lei de Einstein da conservação de Matéria/Energia (EMC2), a primeira lei da termodinâmica, segundo a qual a matéria pode ser convertida em energia e vice-versa, mas nem a matéria nem a energia podem criar-se a si mesmas. A crença ateia de que o universo é eterno e sempre existirá viola a segunda lei da termodinâmica, a chamada lei da degradação, segundo a qual a transformação de matéria em energia não é possível sem a deterioração ou desgaste irreversível da primeira; pelo que podemos concluir, cientificamente, que o universo acabará quando tiver gasto toda a sua energia.

Deixando de parte o facto de que um dia não precisaremos de fé pois veremos a Deus face a face; ainda neste mundo, o conhecimento científico pode aumentar e ficar a um passo de provar de uma forma irrefutável a existência de Deus. Ao passo que a fé ateia, num universo não criado e eterno, permanecerá sempre uma crença pois nunca teremos conhecimento científico da origem de um universo eterno não criado, já que nenhuma pessoa existia ou poderia estar presente para observar o início de um universo sem começo.

A fé a e a razão no dia-a-dia
Nem só de religião vive a fé nem só de ciência vive a razão. Fé e razão fazem parte e precisamos delas no nosso dia-a-dia. Praticamente todos os actos contêm um pouco de razão e um pouco de fé. Na nossa vida, a razão analisa, a fé decide; sem a razão decidiríamos prematuramente e faríamos mais erros do que os que já fazemos; sem a fé nunca chegaríamos a decidir, a arriscar uma solução aos nossos problemas, pois sempre pensaríamos que algo pode ter escapado à nossa análise e cairíamos num imobilismo.

Quando aceito um cheque por um serviço prestado acredito que tem cobertura, seria indelicado e poderia perder um amigo se o recusasse. Quando subo a um avião, acredito que os polícias fizeram um bom trabalho no sentido de evitar que alguém colocasse uma bomba na bagagem e acredito que os pilotos estejam bem preparados e intencionados. Quando me sento para comer, num restaurante, confio que a comida esteja em boas condições e não exijo que seja analisada em laboratório antes de a consumir; é a falta de fé e o medo ao envenenamento que faz como que na Etiópia a cozinheira sempre prove a comida à frente dos convidados.

Quando me uno a uma mulher em casamento, acredito que vai dar certo, que será para toda a vida. Quando solicito um empréstimo bancário por mais que o banco analise a minha situação financeira, se eventualmente me concede o crédito pedido é porque tem fé que um dia o devolverei com juros. O cartão de crédito é, ao fim e ao cabo, um cartão de fé, e funciona na base desta; fala-se da fé nos mercados como se fala na fé em Deus. Em suma, a fé não é só a moeda de troca entre nós e Deus mas, é também, a moeda de troca entre nós próprios e os outros.

Como o Homem não é objecto da ciência, na vida do dia-a-dia não há certezas só há probabilidades. Tal como a razão, a fé é essencial nas relações humanas para o entendimento entre as pessoas. É com base na confiança, que as pessoas têm umas pelas outras, que as promessas e os compromissos são feitos e aceites.
Pe. Jorge Amaro, IMC

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