16 de novembro de 2014

Autoestima

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Depois, Deus disse: «Façamos o ser humano à nossa imagem, à nossa semelhança, para que domine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos e sobre todos os répteis que rastejam pela terra. Génesis, 1 26

Importância da autoestima
Tudo me leva a crer que a forma como me vejo é mais importante do que a forma como me vêm os outros. Anwar el-Sadat

O ser humano é sempre sujeito e nunca objeto. No entanto, no autoconhecimento, uma mesma pessoa é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto; sujeito porque quer conhecer, objeto porque ele mesmo é o objeto e objetivo desse conhecimento. Depois de nos fazermos conscientes de nós mesmos, de nos conhecermos e sabermos quem somos, a terceira questão que se coloca é se nos aceitamos tal como somos ou não.  

A autoconsciência e o autoconhecimento são mais atos da nossa inteligência que da nossa vontade. Possuir-se e aceitar-se é um ato da vontade. Se conhecer-se é como olhar-se ao espelho, a autoestima é gostar do que se vê e aceitar-se como se é. Uma coisa é o que sou objetivamente, ou seja, como os outros me veem, outra coisa é a imagem que tenho de mim mesmo, que é sempre subjetiva, ou seja, como eu me vejo e me valorizo.

A forma positiva ou negativa como uma pessoa se vê afeta necessariamente a forma como atua. A baixa autoestima pode levar a problemas comportamentais. Por exemplo, quando dez dos espiões que tinham sido enviados para explorar a terra de Canaã, se viram como gafanhotos em comparação com a alta estatura dos habitantes de Canaã, manifestaram a sua baixa autoestima, a partir da qual e pela qual concluíram que eram incapazes de tomar posse da terra. (Números. 13: 31-33).

Génese da autoestima
A autoestima é o resultado de todas as experiências e relações interpessoais que a pessoa teve na sua vida. Cada uma das pessoas que encontramos no decurso da nossa vida, sobretudo nos primeiros anos da nossa existência, teve um efeito positivo ou negativo sobre a forma como nos vemos e avaliamos.

A criança não se conhece a si mesma pelo que pensa que é, mas pelo que os outros lhe dizem que é. Se lhe dizem que é má, ela pensa que é má; se lhe dizem que é boa, ela pensa que é boa; se a amam incondicionalmente, ela chegará a amar-se a si mesma incondicionalmente, se a desprezam ela vai desprezar-se também a si mesma.

Como se desenvolve a baixa autoestima
As crianças que foram abusadas e violentadas física, sexual ou verbalmente, que foram usadas como objeto ou manipuladas de qualquer forma, nunca ou quase nunca receberam carinho, ouviram constantemente mensagens negativas acerca delas mesmas, foram ridicularizadas ou ignoradas, criticadas e nunca louvadas pelos seus acertos e sucessos e foram desfavoravelmente comparadas com outras, estas crianças vão padecer no futuro de uma fraca autoestima da qual não será fácil libertarem-se.

Como se desenvolve a autoestima
Ao contrário, terão autoestima as crianças educadas positivamente, as crianças que frequentemente ouvirem palavras de louvor, como “confio em ti”, “sei que estás a esforçar-te” perante o fracasso que foi precedido de esforço, “fizeste o melhor que podias”, “estou impressionado contigo”, “obrigado por seres honesto”, és o maior, estou orgulhoso de ti.”

Não perca uma oportunidade para dar os parabéns. Vemos muitas das coisas que os nossos filhos fazem bem sem mostrar reconhecimento. Reforçar sempre os comportamentos desejados, dar os parabéns quando as crianças fazem a escolha adequada em qualquer situação, não a deixar passar despercebida, recompensar o feito com um sorriso e um abraço. Evite o vício de dar os parabéns negativamente: “até que enfim que fizeste isso bem…” Mais que um elogio, esta frase é uma humilhação. Evite rebaixar e comparar as crianças com outras crianças.

Onde não fundamentar a autoestima
Parafraseando o evangelho, há pessoas que alicerçam a sua autoestima em areias movediças, em realidades mutáveis. Consequentemente, um dia podem sentir-se bem consigo mesmas e logo a seguir deprimidas.

Aparência física – Não é uma boa razão para gostar de si mesmo porque envelhecemos. Ao contrário da beleza interior, não é uma boa base para crescer, porque o que é hoje motivo de orgulho, será amanhã motivo de vergonha. Além disso, e como ficou provado no episódio da escolha do rei David, Deus olha para o interior da pessoa e não para a aparência externa (1 Samuel 16:7).

Desempenho – Se, por outro lado, a nossa autoestima assentar no nosso desempenho, ficará ligada aos nossos sucessos e fracassos – subirá quando formos bem-sucedidos, descerá quando fracassarmos. Além disso, os outros podem ser mais bem-sucedidos que nós; devemos por isso sentir-nos menos dignos? Em relação aos meus desempenhos no passado, Deus já me perdoou em Cristo (Col 2,13); quanto ao presente, Ele ama-me incondicionalmente (Rom. 5:8); quanto ao futuro, de tudo sou capaz naquele que me dá força. Fil. 4 13

Riqueza – Os bens materiais são um outro alicerce instável para basear a nossa autoestima. Hoje possuímos, amanhã podemos não possuir; os tesouros da terra estão sujeitos à traça, à ferrugem e aos ladrões. Os do céu estão ao resguardo destas vicissitudes da vida. Por outro lado, como diz Jesus, mesmo que um homem viva na abundância, a sua vida não depende dos seus bens. Lc 12, 15.

O feedback dos outros – Este é outro alicerce instável que nos faz dependentes dos outros, de adaptarmos o nosso comportamento ao que é popular; somos atores, não somos nós próprios e não podemos estar contentes quando não somos nós mesmos. Buscamos a fama, ficamos dependentes dela. Como exemplo, temos a experiência de Cristo: Domingo de Ramos é muito próximo de Sexta-feira Santa.

Onde devemos fundamentar a nossa autoestima
Ninguém pode fazer-te sentir inferior sem o teu consentimento. Eleanor Roosevelt

A autoestima é a perceção avaliativa de nós próprios – um conjunto de crenças, perceções, pensamentos, avaliações, sentimentos e tendências de conduta em relação a nós próprios que configuram e determinam a nossa forma de ser, estar e atuar no mundo e com os outros.

A verdadeira autoestima está enraizada no nosso relacionamento com Deus... (João 1,12). O verdadeiro amor é incondicional. Deus ama-nos incondicionalmente, os nossos pais amam-nos incondicionalmente e nós devemos amar-nos a nós mesmos incondicionalmente.

Sem complexos de inferioridade ou de superioridade, a verdadeira autoestima é uma visão realista, sensata e honesta de nós mesmos, das nossas virtudes e dos nossos defeitos, dos nossos talentos e das nossas limitações, dos nossos valores e das nossas crenças. Devemos retirar o devido valor tanto dos erros do passado, entendendo-os como lições, como dos sucessos.

Baixa autoestima – a pessoa desconhece ou desvaloriza os seus talentos e sobrevaloriza as suas limitações; é insegura.
Autoestima normal – a pessoa possui um autoconhecimento objetivo, sensato e saudavelmente autocrítico dos seus talentos e limitações.
Alta autoestima – a pessoa desconhece ou desvaloriza as suas limitações, sobre valoriza os seus talentos; é fanfarrona.

Indícios de falta de autoestima
A autocrítica exagerada cria na pessoa um estado habitual e constante de insatisfação consigo mesma. É perfeccionista, sente-se mal quando não é tão perfeita quanto exige a si própria. O fracasso pode afetá-la profundamente. Possui um complexo de culpa neurótico e escrupuloso; autocondena-se por comportamentos que não são objetivamente maus; exagera a magnitude dos seus erros, nunca chega a perdoar-se completamente. Tem uma forte tendência depressiva e pessimista; vê tudo negro na sua vida, no seu futuro; possui uma inapetência generalizada; não tem gosto pela vida.

Não reconhece os seus talentos, é cronicamente indecisa e não por falta de informação, mas por um medo exagerado de se enganar. Não resolve os seus problemas, mas, por um desejo exagerado de contentar os outros, não se atreve a dizer não, por medo de desagradar; é facilmente influenciável pelos outros.

É hipersensível à crítica que os outros lhe façam, ficando ressentida; mas ela mesma é hipercrítica com os outros. É irascível, zanga-se por tudo e por nada, gosta de culpar os outros, gaba-se, faz de palhaça, é agressiva, queixa-se só para chamar a atenção.

Indícios de autoestima normal
Acredita em certos valores e princípios, está disposta a defendê-los, mesmo quando se depara com oposição. Possui suficiente autoconfiança para modificar determinados valores se novas experiências indicarem que estava errada. É capaz de agir como considerar melhor, confiando no seu próprio discernimento, sem se sentir culpada quando os outros não são da mesma opinião. Confia na sua capacidade para resolver os próprios problemas sem se deixar acobardar pelos fracassos ou dificuldades. Está disposta a pedir ajuda aos outros quando precisa.

Não perde tempo preocupando-se excessivamente com o que fez ou com o que lhe aconteceu no passado, nem com o que lhe possa acontecer no futuro. Aprende com o passado e projeta-se no futuro, mas vive intensamente o presente, instalada no aqui e agora.

Como pessoa, sente-se igual aos outros, nem inferior nem superior; reconhece diferenças em estatuto, prestígio profissional e posição económica, sem sentir inveja. Dá como certo que é interessante e valiosa para os outros, pelo menos para aqueles com quem se associa de forma amigável.

Não se deixa manipular pelos outros, mas está disposta a colaborar com eles se lhe parecer necessário e conveniente. É sensível aos sentimentos e necessidades dos outros; respeita as normas sensatas de convivência e entende que não tem o direito nem deseja crescer ou divertir-se à custa dos outros.

Conclusão – Ama a Deus sobre todas as pessoas, ama todas as pessoas como te amas a ti mesmo, e ama-te a ti mesmo como Deus te ama.
Pe. Jorge Amaro, IMC


1 de novembro de 2014

Bullying

Sem comentários:
O ano passado, mesmo aqui na escola de Palmeira (Braga), um jovem suicidou-se porque não aguentava mais o gozo sistemático e persistente ao qual os seus colegas o tinham submetido. Porque o silêncio é parte do problema, quero no princípio deste novo ano lectivo, com estas linhas, ser parte da solução. Como visito com regularidade as escolas, para falar da Missão, quero contribuir para que estas cumpram melhor a sua função de formar não só intelectualmente mas também humanamente as pessoas, que amanhã vão tomar as rédeas do nosso mundo.

O bullying nas galinhas e nos porcos
Durante os meus anos de especialização, em Teologia Moral ou Ética, tinha uma admiração especial pelo trabalho de Konrad Lorenz, fundador da Etologia, o estudo comparativo do comportamento humano e animal. Sem pretender atentar contra a dignidade humana, Lorenz, concluiu que muitos dos nossos comportamentos são também exibidos por animais sobretudo os mais próximos de nós na evolução.

Os 5 milhões de anos que nos separam do primata mais próximo, para bem ou para mal, não foram suficientes para transformar ou acabar com a animalidade, que é parte integrante do nosso ser. Apesar de sermos auto conscientes, exercermos, mais ou menos, controlo sobre nós próprios, sentimentos e pensamentos, o que temos em comum com os outros seres vivos, o nosso instinto animal, é de longe o que mais motiva e determina o nosso comportamento do dia-a-dia.

No tempo em que cuidava de galinhas poedeiras, frangos de aviário e porcos observei que sempre que algum destes animais, por qualquer razão, ficava ferido os outros iam morder ou picar na ferida até o matarem. Sabendo disto, a miúdo procurávamos dentro do curral algum frango ou porco que tivesse uma ferida aberta e sangrante para o poder retirar a tempo e coloca-lo noutro local até a ferida sarar, antes que os outros o matassem.

“Al perro flaco todo son pulgas” diz um proverbio espanhol. Bullying é o que as hienas fazem perseguindo um cavalo ferido magro, que mal se tem em pé e está prestes a morrer. Bullying é o abutre a perseguir um bebé, que se arrasta com fome e sem energia no campo de refugiados do Darfur no Sudão para o lugar onde há alimento. Refiro-me a uma fotografia que deu a volta ao mundo e que causou a morte, por suicido, ao fotógrafo que por ela ganhou um prémio mas não ajudou a criança nem sabia se tinha sido ou não comida pelo abutre.

O bullying entre os humanos é, a meu modo de ver, decalcado deste comportamento animal. Os que o praticam buscam os colegas mais frágeis, mais tímidos e mais vulneráveis, não se metem com os fortes, com os que se podem valer por si mesmos. Se Konrad Lorenz fosse vivo talvez validasse as minhas observações e concluísse que afinal o bullying é um comportamento animal e portanto irracional.

Este tipo de comportamento não existe só nas escolas. Bullying foi o que fizeram os fariseus ao trazer a Jesus uma mulher apanhada em adultério para ser apedrejada. Bullying é o que os soldados fizeram a Jesus ajoelhando-se em troça diante dele coroado de espinhos dizendo, “Salve o rei dos judeus”; bullying é um povo cruel, sedento de sangue, sem dó nem piedade, ante um Jesus coberto de sangue gritar crucifica-o! Bullying foram todos os linchamentos da história da humanidade, quando o povo enraivecido se transforma na besta mais irracional e no animal mais monstruoso. O ser humano pode chegar a ser mais irracional que o animal, de facto, como notava Lorenz é o único animal que mata dentro da sua própria espécie.

Psicologia do agressor
A maioria dos bullies são fisicamente mais fortes e mais altos que as outras crianças, procuram especificamente os mais fracos, os mais tímidos e os menos equipados para se defender. Ignorados e abusados em casa, na escola desquitam-se ou buscam o respeito e o amor que não têm em casa.

Quem não é amado incondicionalmente em casa busca na rua ou na escola esse amor de formas inadequadas, metendo-se com os outros para dar nas vistas, ganhar popularidade e amizade, e tudo o que ganham é um falso amor baseado no medo.

Quando chegam à idade adulta são anti-sociais e mais propensos a cometer crimes, a bater nas esposas e nos filhos produzindo assim uma nova geração de bullies.

Psicologia da vítima
Geralmente as vítimas são mais sensíveis, cautelosas e calmas do que outras crianças; socialmente pouco competentes, nunca iniciam uma conversa e isolam-se da convivência com os colegas. Como têm uma visão negativa da violência, fogem dos confrontos e conflitos e irradiam ansiedade, medo e vulnerabilidade, que são farejadas pelos agressores, da mesma maneira que um cão fareja o nosso medo e ansiedade antes de nos atacar.

O seu temor e fraqueza física, tom de voz baixo e submisso, são parte de uma linguagem corporal que os denuncia e atraindo sobre si mesmos os bullies. Frequentemente estas crianças são rejeitadas, não só pelos bullies mas também pelos outros colegas; acabam por desenvolver uma atitude negativa em relação à escola e quando começam a ser agredidos ficam ainda mais ansiosos e amedrontados, o que aumenta a sua vulnerabilidade e a possibilidade de serem mais vitimizados, entrando assim num círculo vicioso e espiral de stress que leva a muitos ao suicídio.

Tão ladrão é o que vai à vinha como o que fica à porta
Frequentemente a vítima está tão fragilizada que, por medo ou por vergonha, nem denuncia nem busca ajuda, sofre sozinha… por isso quem sabe do caso ou contempla um episódio de bullying e nada faz tem uma responsabilidade acrescida; o silêncio e a passividade faz dele um cúmplice.

Portanto o contrário de bullying, não é não bullying mas sim, ser bom samaritano, ajudar e denunciar. Se não és parte da solução então és parte do problema; o teu silêncio faz de ti um cúmplice e homicida no caso da vítima se suicidar, como fez aquele jovem da escola de Palmeira.

O silêncio da maior parte do povo alemão, ante o genocídio de 5 milhões de judeus, fez deles cúmplices. Os mafiosos contam com o silêncio dos que até por simples casualidade são testemunhas dos seus actos. Sem silêncio não haveria mafia. Sem silêncio não haveria bullying. O nosso silêncio é por tanto culpável, e parte do problema pois, sempre leva à impunidade dos agressores e à fatalidade das vítimas.
Pe. Jorge Amaro, IMC