"Tendo entrado no cenáculo, subiram ao quarto de cima, onde costumavam permanecer. Eram eles: Pedro e João, Tiago, André, Filipe, Tomé, Bartolomeu, Mateus, Tiago, filho de Alfeu, Simão, o Zelador, e Judas, irmão de Tiago. Todos eles perseveravam unanimemente na oração, juntamente com as mulheres, entre elas Maria, mãe de Jesus, e os irmãos dele." Atos dos Apóstolos 1, 13-14
Igreja ou Reino de Deus?
“Jesus anunciou a vinda do Reino de Deus, mas o que veio foi a Igreja.” - Alfred Loisy (1857-1940)
Há uma descontinuidade entre Jesus de Nazaré e a Igreja; de facto, enquanto a palavra “Ekklesía” só aparece duas vezes, e apenas no evangelho de S. Mateus 16,18; 18,1, em dois textos muito discutíveis, a expressão Reino de Deus ou Reino dos Céus, como prefere Mateus, aparece 127 vezes.
Existe, portanto, um flagrante contraste com a palavra IGREJA, que aparece 112 vezes e quase só nos Atos dos Apóstolos e nas Cartas, a palavra REINO, aparece 162 vezes e, destas, só 35 vezes aparece no livro dos Atos e nas Cartas; as restantes 127 vezes aparecem nos evangelhos. Fica assim demonstrada a importância que o Reino de Deus tinha para Jesus e a pouca importância que este mesmo Reino tinha para a Igreja nascente fundada por Cristo.
A Igreja, como corpo místico de Cristo, não pode ter outro objetivo senão continuar a obra de Cristo. Portanto, o objetivo da sua existência não é implantar-se em todos os cantos desta terra, mas sim levar a Boa Nova do Reino a todos os cantos da Terra.
O objetivo principal não é produzir cristãos, aumentar o número dos seus membros, mas sim juntar-se a todos os homens de boa vontade, de outras religiões, ateus ou agnósticos e, com eles, ajudar na construção de um mundo melhor, de uma sociedade mais justa e mais fraterna, onde reina a justiça, a paz e a harmonia e o amor entre os povos. Se este tivesse sido o objetivo da Igreja desde o início, tal como foi do seu fundador, não teria havido fundamentalismos como a Inquisição, nem guerras santas como a movida pelas cruzadas.
Igreja, fermento do Reino de Deus
A Igreja é a forma que Cristo teve de estar aqui e agora, em todos os “aquis” e “agoras” da história da humanidade. Cristo só podia ter uma única vida humana, mas a sua Palavra era eterna para todos os tempos e todas as culturas; Ele mesmo não foi Caminho, Verdade e Vida para os homens do seu tempo, mas para toda a raça humana; para isso, tinha de deixar alguém que continuasse a sua obra.
Não faz nenhum sentido que o verbo eterno de Deus se tenha encarnado, o filho unigénito de Deus tenha adquirido natureza humana, o criador se tenha feito criatura só para salvar os que viveram durante a sua vida terrena.
É certo que a palavra Igreja, como dissemos, só aparece duas ou mesmo uma única vez em todos os evangelhos, o facto de Jesus ter escolhido, desde o princípio, colaboradores seus com a obra do Reino demonstra que Jesus quis deixar uma estrutura que continuasse a sua obra. Já em vida, Jesus enviou os seus discípulos a cidades e vilas onde Ele próprio pensava ir, (Lucas 10, 1) e depois os enviou ao mundo inteiro (Marcos 16, 15-18).
Prova de que estes seus discípulos seriam na terra os seus representantes é o facto de os ter equipado com os mesmo poderes e faculdades que Ele possuía, (Mateus 21, 21; João 14.12). Neste último texto de João, Jesus diz também a razão pela qual passa aos seus discípulos todos os poderes e faculdades: “porque eu vou para o Pai”.
Apesar de ir-se, garantiu aos seus discípulos também que estaria com eles até ao fim dos tempos (Mateus 28, 20) e o facto de ter dito a Paulo não “porque persegues os meus discípulos?”, mas sim “por que me persegues?” (Atos dos Apóstolos 9, 4). Por último, na sua oração sacerdotal, Jesus reza pelos seus discípulos, mas também por aqueles que iriam acreditar no seu testemunho (João 17, 20).
A Igreja não existe para si mesma nem deve pregar-se a si mesma, pois o seu Mestre e fundador não se pregou a si mesmo: a Igreja existe para a Missão, ou seja, para continuar a obra do seu fundador e o objetivo da Missão que é o Reino. Igreja é o que somos, é a nossa identidade, o Reino é a nossa missão, o que fazemos. A Igreja é o fermento que vai levedar o mundo até se transformar todo ele em reino de Deus.
Maria e o Reino de Deus
Mostrou a força do seu braço e dispersou os soberbos no pensamento dos seus corações; derrubou os poderosos dos tronos, e exaltou os humildes; aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu sem nada. Lucas 1, 51-53
A quase totalidade das imagens que se fazem de Maria, tanto estátuas como pinturas, mostram uma mulher comedida nas palavras e nas ações, humilde e até submissa, serena pacífica e triste… não refletem esta faceta de Maria, a Maria do Magnificat ou, ao menos, da parte do Magnificat que citei.
Sempre que leio, recito ou medito esta parte do Magnificat, a imagem de Maria que vem à mente é aquela da mulher de tronco nu com a bandeira da república na mão, em posto de comando, à frente do povo na Revolução Francesa. Esta imagem sim faz jus ao conteúdo da oração do Magnificat.
Não parece verosímil que a mulher que representam as imagens de Maria possa ter dito que Deus vai derrubar os poderosos dos seus tronos, que vai dar aos pobres e tirar aos ricos. Mas quem disse isso parece ser verdadeiramente mãe daquele que fez precisamente isso: Jesus de Nazaré. “De tal palo tal astilla” diz um provérbio castelhano, “Filho de peixe sabe nadar” diz o seu correspondente em português. Maria parece anunciar nestas frases o reino que estava para vir com o seu filho; um reino de Justiça e de Paz.
Ecclesiae Mater
“Mãe da Igreja, isto é, de todo o Povo de Deus, tanto dos fiéis como dos pastores, que lhe chamam Mãe amorosíssima” e estabeleceu que “com este título suavíssimo seja a Mãe de Deus doravante honrada e invocada por todo o povo cristão”. Paulo VI 21 de novembro 1964 ao encerrar o Concílio Vaticano II
Maria é mãe da Igreja porque é mãe de todos e cada um dos discípulos do seu filho (João 19, 25-27). Como cada um dos discípulos do seu filho é “ipso facto” membro da Igreja também, logo Maria é mãe da Igreja.
Maria é mãe da Igreja porque é mãe do seu fundador, porque, como discípula do seu filho, seguiu os seus passos juntamente com outras mulheres, e não abandonou a companhia dos seus discípulos depois da morte, ressurreição e ascensão aos Céus do seu filho.
Cristo é a cabeça do seu corpo místico que é a Igreja; ora o nascimento da Cabeça é, também, o nascimento do Corpo, o que indica que Maria é, ao mesmo tempo, mãe de Cristo, Filho de Deus, e mãe dos membros do seu corpo místico, isto é, da Igreja. A maternidade divina de Maria não terminou com o nascimento de Jesus; ela está durante toda a sua vida na Terra, e agora no Céu, intimamente unida à obra redentora do seu filho
Maria é mãe da Igreja porque, tal como assistiu ao nascimento do Seu filho também assistiu ao nascimento da Igreja, pois ela, como outras discípulas de Jesus, estava junto dos discípulos do seu filho no dia de Pentecostes em que o Espírito Santo desceu sobre eles em forma de línguas de fogo.
Mais que mãe da Igreja ela é “Mater ed Magistral” (“Mãe e Mestra”, título da encíclica de João XXIII) porque ela era já mestra nas coisas do Espírito Santo, ela já tinha concebido por obra e graça da terceira pessoa da Santíssima Trindade, por isso ela mais que ninguém podia instruir os apóstolos sobre como preparar-se para O receber. Mais que mãe, ela foi catequista, pois preparou os apóstolos para receberam o Crisma. Podemos dizer que ela foi a Madrinha do Crisma de cada um dos discípulos do seu filho.
Conclusão: Maria é mãe da Igreja porque é mãe daquele que a fundou, e por vontade do filho expressa do alto da cruz, mãe de cada um dos seus discípulos, membros da Igreja, que juntos formam o corpo místico de Cristo. Se Maria é mãe de Cristo, cabeça do corpo místico que é a Igreja, também é mãe do corpo.
Pe. Jorge Amaro, IMC
@Aminha gratidão e amizade para o Rev.. Padre Jorge Amaro pela sua partilha connosco dos seus lindos textos de Catequese que muito nos tem ajudadoa esclarecer a nossa Fe a nossa meditação Que Deus o Abençoe em toda a sua vida Gratidão
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