15 de maio de 2022

Maria, a nova Arca da Aliança

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Muitos dos títulos que se aplicam a Maria nas ladainhas que rezamos depois do Rosário podem ter origem na imaginação e na devoção do povo de Deus. Maria como Arca da Aliança tem as suas raízes na Bíblia. Assim a apresenta o evangelista S. Lucas.

Origem e função da Arca da Aliança
Como regra geral, o judaísmo rejeita manifestações públicas de espiritualidade, preferindo concentrar-se nas ações e crenças. Na verdade, a história do judaísmo começa com Abraão que, de acordo com fontes antigas, destruiu os ídolos que eram o método convencional da observância religiosa na época.

A adoração de imagens ou esculturas é severamente condenada em toda a Torá; o maior pecado que os israelitas, coletivamente, cometeram foi a construção do bezerro de ouro (Êxodo 32), destinado a servir como um intermediário material entre eles e Deus.

Mas na história do povo judeu, houve uma exceção a esta regra. Um objeto feito pelo homem foi considerado intrinsecamente sagrado – a Arca da Aliança.

Construída durante a travessia do deserto, foi utilizada até à destruição do primeiro templo. A Arca era o símbolo mais importante da fé judaica e serviu como manifestação material e concreta de Deus na Terra. As lendas associadas a esse objeto – e as penas severas atribuídas a quem abusasse dele – confirmam a centralidade da Arca para a fé judaica daquele período.

A construção da Arca é ordenada por Deus a Moisés, enquanto os judeus ainda estavam acampados no Sinai (Êxodo 25). A Arca era uma caixa de dois côvados e meio de comprimento, um côvado e meio de largura e um côvado e meio de altura. Feita de madeira de acácia revestida por lâminas de ouro puro, por dentro e por fora.

Na parte inferior da caixa, quatro argolas de ouro foram anexadas, através das quais as duas varas, também feitas de acácia e revestidas a ouro, eram colocadas. A família de Kehath, da tribo de Levi, levaria a Arca em ombros, usando dois varões.

A caixa estava coberta pelo kapporet, de ouro puro, de dois côvados e meio por um e meio. Fixados ao kapporet estavam dois querubins esculpidos, também em ouro puro. Os dois querubins estavam frente a frente, e as suas asas, que envolviam os seus corpos, tocavam-se.

A lenda diz que a Arca caminhava à frente do povo, queimando escorpiões, cobras e espinhos com jatos de fogo que surgiam dela, preparando assim o caminho para o povo de Deus. Também acompanhava os soldados para a guerra; de facto, foi uma vez tomada pelos Filisteus numa batalha.

Do ponto de vista espiritual, a Arca era a manifestação da presença física de Deus na Terra (a Shekhinah). Quando Deus falava com Moisés na Tenda do Encontro no deserto, fazia-o entre os dois querubins (Números. 7, 89). Depois de a Arca ser transferida para o espaço mais sagrado e privado do Tabernáculo, e mais tarde no templo, passou a ficar acessível apenas uma vez por ano e apenas por uma pessoa. No Yom Kippur, o sumo-sacerdote (Kohen Gadol) podia entrar nesse espaço para pedir perdão para si e para toda a nação de Israel (Levítico 16:2).

Maria é a nova Arca
A Virgem Maria é a Arca da Nova Aliança pois, "O Espírito Santo desceu sobre ela, e a força do Altíssimo envolveu-a com a sua sombra. Por isso o santo que nasceu dela foi chamado Filho de Deus." Lucas 1,35.

A descrição de que Maria foi coberta com a sombra e o poder de Deus é a mesma e única descrição encontrada na passagem sobre a Arca que lemos no Êxodo: Então a nuvem cobriu a tenda de reunião e a glória do Senhor encheu o tabernáculo. (Êxodo 40,34). Era no tabernáculo que se encontrava a Arca.

A Arca viajou para a região montanhosa de Judá para descansar na casa de Obede-edom (2 Samuel 6:1-11). Maria viajou para a região montanhosa de Judá para a casa de Isabel (Lucas 01:39).

David perguntou: “como é que a Arca do Senhor vem ter comigo?” (2 Samuel 6, 9). Isabel pergunta, “por que me foi concedido a mim, que a mãe do meu Senhor venha a mim?” (Lucas 1:43).

Vestido com uma estola sacerdotal, o rei David aproximou-se da Arca e dançou e pulou de alegria (2 Samuel 6:14). João Batista, filho de um sacerdote, pulou de alegria no ventre de Isabel aquando da aproximação de Maria, a nova Arca (Lucas 1:43).

A Arca permaneceu na casa de Obede-edom durante 3 meses (2 Samuel 06:11). Maria permaneceu na casa de sua prima Isabel por 3 meses (Lucas 1:56).

A casa de Obede-edom foi abençoada pela presença da a Arca (2 Samuel 6:11). A palavra abençoada é usada 3 vezes em Lucas 1:39-45 sobre Maria na casa de Isabel.

A Arca voltou ao seu santuário e eventualmente terminou em Jerusalém, onde a presença e a glória de Deus foram reveladas no templo recém-construído 2 Samuel 06:12; 1 Reis 8:9-11. Maria retornou a casa depois de visitar Isabel e eventualmente veio a Jerusalém, onde apresentou o filho a Deus, no templo (Lucas 01:56; 02:21-22).

O conteúdo da Arca
Prova final de que de facto Maria é a Arca da Nova e eterna Aliança é-nos dada pelo conteúdo da Arca. Que continha então a Arca da Antiga Aliança e que conteve Maria, a Arca da Nova e eterna Aliança?

Lei antiga e lei nova – Maria é a Arca da Nova Aliança, pois assim como a Arca guardava as tábuas da lei (Hebreus 9,4), Maria guardou Cristo, a nova lei. A antiga Arca continha as tábuas da lei, os dez mandamentos; Cristo é a nova lei, a lei do amor que resume os mandamentos e vai mais além destes, pois nos convida a amar sem medida enquanto, os mandamentos só nos diziam o que não fazer.

Jesus também é apresentado no evangelho de Mateus, especialmente no Sermão da Montanha (o novo Sinai) como o novo Moisés e aquele que diz: Ouvistes o que foi dito ao aos antigos ... mas eu digo-vos... (Mateus 5:21-22).

O Maná é o verdadeiro pão descido dos céus – Maria é a Arca da Nova Aliança, pois assim como a Arca guardou o Maná, o pão descido do céu (Hebreus 9,4), Maria guardou Jesus em seu ventre, o verdadeiro Pão que dá a vida eterna, pois os que comeram o maná, morreram.

O Maná é o pão que os judeus comiam para logo voltarem a ter fome. O verdadeiro pão é aquele que, uma vez comido, faz com que nunca mais se tenha fome; é o verdadeiro pão descido dos céus que é Cristo. Este pão foi semeado no seio de Maria, como diz um cântico de Fátima:

 “O Trigo que Deus semeou no seio de Maria, tornou-se para nós o pão que nos dá vida e salvação eterna…. Maria é a terra onde germina essa semente a 100%. Ela é também o forno que o cozinhou por nove meses e o apresentou.

Os Pastores Moisés e Aarão e o Bom Pastor – Maria é a Arca da Nova Aliança, pois assim como a Arca continha o cajado de Aarão e de Moisés com o qual apascentaram o povo de Israel (Hebreus 9,4), Maria conteve no seu seio o novo e derradeiro Moisés, aquele que é o Bom Pastor, aquele que dá a vida pelas suas ovelhas.

Se a antiga Arca continha o cajado de Moisés com o qual guiava o seu povo e operava prodígios, a nova Arca contém o Bom Pastor, o que dá a vida pelas ovelhas e nos diz que só devemos reconhecer uma autoridade, um Pai, um Mestre, um Senhor que é Deus.

Conclusão: Se Arca da Aliança que apenas continha sinais da glória de Deus, foi venerada, duplamente venerada deve ser Maria, Nova Arca da Aliança, por ter contido o próprio Deus.

Pe. Jorge Amaro, IMC



 

1 de maio de 2022

Theotokos ou Mater Dei?

1 comentário:

Um entusiasmado prosélito protestante entra num autocarro e diz, “esta é a carta e este é o envelope que a continha, ficamos com a carta e atiramos com o envelope para o lixo. Cristo é a carta, Maria é o envelope. “A tua mãe também é um envelope que atiras para o lixo?”, alguém perguntou, e não obteve resposta…

Até ao século V, a reflexão da Igreja situava-se à volta da identidade de Cristo. Mas ainda antes do Concílio de Calcedónia, em 451, no qual se define a Cristo como verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, a reflexão da Igreja já estava a voltar-se para a sua mãe. De facto, já no ano 431 o Concílio de Éfeso tinha chamado a Maria “teotokos”.

“Ave, o Theotokos! Ave, o Mater Dei! Ave, Ave Maria! Ave, Ave, Maria!”, reza um cântico de Fátima, traduzindo o termo grego “Teotokos” pelo latino “Mater Dei”, mas não é assim. “Teotokos” significa portadora de Deus que não é a mesma coisa que mãe de Deus.

História da reprodução humana
Até ao princípio do século XX, desconhecia-se que o ser humano era o resultado da fusão numa célula de duas meias células – o espermatozoide do homem e o óvulo da mulher – algum tempo depois do ato conjugal.

Na longa evolução desde o aparecimento do homo sapiens, há 5 milhões de anos, até aos nossos dias, houve um tempo em que se desconhecia a génese de um novo ser humano. Na sua reduzida inteligência, o homem primitivo, não aplicava o princípio de causa/efeito que associava o ato sexual ao nascimento de uma criança nove meses depois.

Durante este tempo, apesar de o homem ter mais força física, quem governava o mundo era a mulher, pois era dela e só dela que vinha o futuro da espécie humana; era ela e só ela que assegurava a sobrevivência do ser humano. As sociedades eram matriarcais; em todas as línguas ainda hoje o nome Terra, Natureza são palavras femininas; Deus era conceptualizado como mulher como uma grande mãe.

Com a descoberta do papel do homem na reprodução, passámos abruptamente de um matriarcado para o patriarcalismo. Afinal a mulher não tinha arte nem parte na reprodução; pelo contrário, era o homem que colocava o novo ser nela e ela era só o terreno fértil onde este crescia. Deixou-se de pensar em Deus como mãe, mas sim como pai, e o homem relegou para segundo plano a mulher até aos dias de hoje.

A definição de Maria como “Teotokos” ou portadora de Deus está em concordância com o que se pensava no tempo do Concílio de Éfeso acerca do papel da mulher no ato da reprodução humana. A mulher é só o terreno fértil onde a semente cresce; é o homem que implanta esta semente que é o espermatozoide que, em si mesmo, era entendido como homúnculo, ou seja, um ser humano em tamanho reduzido, mas já completo em si mesmo. Se esta crença estivesse ainda em vigor, Maria seria, como todas as mulheres, uma “barriga de aluguer”.

Santa Maria, Mãe de Deus…
Mas, quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob o domínio da Lei… Gálatas 4, 4    

S. Paulo não diz nascido por intermédio de uma mulher, mas sim nascido de mulher. Mãe é aquela que acolhe uma criança no seu seio e contribuiu geneticamente para a sua formação; Maria é mãe nestes dois sentidos.

Lendo a encarnação de Cristo à luz do que hoje sabemos sobre a génese do ser humano, podemos afirmar então que o espermatozoide vem por via do Espírito Santo, pelo que Cristo era verdadeiramente Deus, e que o óvulo era de Maria, pelo que Cristo era verdadeiramente homem. Ora se Maria é mãe de Jesus e Jesus é Deus, Maria é mãe de Deus; um silogismo perfeito e incontornável.

Não é mãe de Deus no sentido de ser ela a origem de Deus, ou de ser mais velha que Deus e origem da divindade de Jesus. É mãe de Deus porque acolheu a Deus no seu seio, e porque contribuiu com material genético para a forma humana que Deus tomou em Jesus de Nazaré.

Voltando ao envelope
Maria não é só “Teotokos”, portadora de Deus; é como a nossa mãe, que nos acolheu e transportou por nove meses, mas contribuiu também com metade do material genético que nos forma. Maria não é, portanto, só envelope que conteve a Deus mas é mesmo mãe de Deus.

“Quem os meus filhos beija, minha boca adoça”. Uma mãe fica contente quando tratam bem os seus filhos e triste quando os tratam mal; o mesmo se pode dizer de um filho com respeito à sua mãe. Como podem os protestantes amar o filho e desrespeitar a mãe ou ignorá-la?

Mas usando ainda a metáfora do envelope, os amantes que guardam as cartas de amor guardam-nas com os respetivos envelopes. Cristo é uma carta de amor de Deus para a humanidade. Maria é esse envelope florido e colorido que contém essa carta; quem é mãe, sempre é mãe.

Por outro lado, no remetente os envelopes contêm a direção de quem envia a carta. Precisamos dela para responder, como precisamos da mediação de Maria pois, como foi mediadora da graça primigénia que foi Jesus Cristo, é mediadora de todas as graças.

Conclusão: Maria não é só Teotokos porque acolheu a Jesus no seu seio; é também Mãe porque contribuiu com o seu próprio material genético. Neste sentido, Jesus, é carne da sua carne, sangue do seu sangue. Se, para entendernos, a divindade de Jesus procede de Deus, a sua humanidade vem de Maria.

Pe. Jorge Amaro, IMC