Solidário apesar da dor
Não há nada que te faça mais presente contigo mesmo, mais autoconsciente, que a dor. É de facto uma das melhoras formas de chamar-te a ti mesmo à atenção, provocar dor, nem que seja morder o lábio ou cravar uma unha num dedo.
Jesus padecia no corpo pelo cansaço do caminho da cruz, pela falta de alimento e de sono, pela sensação de asfixia provocada por estar pregado a uma cruz, pela perda de muito sangue desde a flagelação e também pela coroa de espinhos espetada na sua cabeça e pelos cravos que lhe trespassavam os pulsos e os tornozelos.
Jesus padecia no seu coração o facto de ter sido entregue aos sumos sacerdotes e aos romanos por um dos seus, que comia, dormia e o acompanhava a todo lado, sofria porque o resto dos discípulos o tinham abandonado, sofria porque o povo ingrato, os mesmos que tinham sido beneficiados com os seus milagres e que antes o tinham aclamado como Hosana filho de David, haviam gritado “crucifica-O”, exercendo pressão sobre Pilatos que lhes fizera a vontade.
Sofria na alma porque Seu Pai Deus que durante a sua vida esteve tão perto Dele e a quem recorria com frequência, com quem comunicava antes dos momentos mais importantes e dos milagres, esse Pai omnipresente na sua vida estava agora distante ou Jesus assim o sentia ao dizer, “Meu Deus, meu Deus porque me abandonaste?” (Mateus 27, 46, Marcos 15, 34).
Apesar de estar a padecer uma dor tripla – no corpo, no coração e na alma – Jesus ainda pensava mais nos outros que n’Ele mesmo. A dor absorve-nos, faz com que nos centremos em nós mesmos e facilmente nos esqueçamos dos outros. Pensemos nas vezes que tivemos uma dor forte, como uma dor de dentes: parece que tudo e todos desaparecem à nossa volta, só nós existimos, só nós contamos.
Jesus, apesar do seu sofrimento pessoal, conseguia ser empático com a sua pobre mãe que, como a viúva de Naim, ia ficar sozinha no mundo. E mesmo na cruz sem muito poder fazer, confiou-a ao seu discípulo amado. Aquele que já nos tinha dado tudo, que se tinha dado a si mesmo, dava-nos agora a sua querida mãe em herança. Herdamos de Jesus tantas coisas, até a sua própria mãe.
Antes de Jesus eramos apenas criaturas feitas à imagem e semelhança de Deus; com Jesus, fomos adotados por Deus como filhos adotivos e, como Jesus confiou a sua mãe ao discípulo amado, na medida em que também nós somos discípulos de Jesus, somos adotados por Maria sua mãe como filhos.
Filho único de sua mãe que era viúva
Ao contemplarmos Maria aos pés da cruz do seu filho não podemos deixar de recordar o episódio da viúva de Naim que ia sepultar o seu único filho, sendo ela já viúva e ficando assim sozinha no mundo. Também este sofrimento lhe estava destinado e profetizado por Simeão.
“Em guerra, caça e amor por um prazer cem dores”, “Quem se obriga a amar obriga-se a padecer”. Não há amor sem sofrimento e o amor de Maria ao projeto de Deus e ao Filho unigénito de Deus também seu filho lhe trouxe mais dor que prazeres, mais sofrimento que alegria. E este derradeiro sofrimento era o pior de todos...
“Eu não vou enterrar o meu filho, o meu filho é que me vai enterrar a mim” dizia um pai que sequestrou uma sala de operações de um hospital e obrigou o médico a operar o seu filho por não ter dinheiro para a operação. Não deve haver dor psíquica maior que a de ver um filho padecer e morrer, enquanto a mãe nada pode fazer...
Pela ordem natural das coisas, primeiro morrem os pais, depois os filhos. Por isso, ver morrer um filho vai contra a ordem natural das coisas e inutilizar a vida dos pais, que se vão deste mundo sem poder deixar a ninguém a sua herança, seja genética, seja material.
Maria, nossa mãe do Céu
No Céu, no Céu, no Céu, /Um dia a irei ver!
Virgem pura, tua ternura /É de alívio ao meu penar; /Noite e dia, de Maria, /A beleza hei de cantar!
Antes das aparições de Fátima, a pequena Lúcia que não perdia o terço em família ou na Igreja, tinha como cântico mariano preferido o que acima citamos. “No céu um dia a irei ver” referindo-se a Maria; mal ela sabia que ia vê-la ainda na Terra, pois para a ver no céu ia ter de esperar quase cem anos.
Com minha mãe estarei /na santa glória um dia/Junto à virgem Maria /no céu triunfarei.
No céu, no céu, com minha mãe estarei /No céu, no céu, com minha mãe estarei
Este outro cântico demonstra também o carinho que o povo português tem por Maria. Os cânticos anteriores e posteriores às aparições de Fátima demonstram quanto o povo português ama a sua Mãe do Céu.
À segunda parte da oração do Ave Maria falta-lhe este detalhe, a afirmação de que ela é nossa mãe. Deveria ser assim: Santa Maria mãe de Deus e mãe nossa, rogai por nós, teus filhos pecadores, agora e na hora da nossa morte Amém.
Como Abraão para o povo de Sodoma, Moisés para o povo de Deus, Maria era já nossa intercessora. Agora com muito mais razão, ela intercede por nós porque, ao interceder por nós, está a interceder pelos seus filhos. Como Abraão é o nosso pai na Fé, Maria é a nossa Mãe na fé; foi a sua fé, o seu “fiat” que nos trouxe a todos a salvação.
Maria, o rosto feminino de Deus
Umas mulheres judias perguntaram um dia a uma outra mulher judia, professora universitária, sobre qual era na sua opinião a judia mais famosa. E não gostaram de ouvir dos lábios desta professora judia de raça e religião que, quer queiramos quer não, Maria é certamente a judia mais famosa do mundo e eu diria da humanidade inteira, por ser a mãe do verbo incarnado, do Filho unigénito de Deus.
Dentro da nossa visão de Deus que sempre será um pouco antropomórfica, se Jesus representa o rosto masculino de Deus, Maria representa o rosto feminino de Deus. O nosso amor por Maria faz-nos recordar os tempos de antanho, quando a humanidade, ainda num estado primitivo de evolução, entendia que Deus era mãe.
Para fazer jus a esses tempos, o Papa João Paulo I disse que Deus, mais que Pai, era Mãe. Na pintura de Rembrandt sobre o filho pródigo, vemos de facto que o pai do filho pródigo tem uma mão feminina, a que está sobre o coração do seu filho, e outra masculina.
Eva, a nossa progenitora, Maria, a nossa mãe
Eva não foi a nossa mãe, mas sim a nossa progenitora: só nos deu à luz, mas não nos educou. A mãe que educa, cria e alimenta é chamada na Etiópia “Injera enat”, ou seja, a “mãe do pão” que, muitas vezes, não coincide com a que deu à luz.
Tive como colega de noviciado e estudante de teologia um jovem que à tia chamava mãe e à mãe chamava tia. Àquela que o tinha dado à luz, ele chamava tia e àquela que o tinha educado como mãe e que era biologicamente a sua tia, chamava mãe. Eram duas irmãs: uma teve o meu colega de uma forma acidental, mas mais tarde encontrou o homem da sua vida; este não aceitava o filho dela, pelo que a sua irmã, que não pensava em casar-se, ficou com ele para que ela ficasse livre e pudesse iniciar uma vida nova com o seu noivo.
O meu colega não tinha para com a sua progenitora a quem chamava tia nenhum sentimento filial e, no entanto, tinha sido ela que o tinha dado à luz; sentimento filial tinha só por aquela que o tinha criado com muito amor, educado e guiado na vida, dedicando-se a ele exclusivamente, pois nunca quisera casar. E, no entanto, a nível biológico, era só a sua tia.
No ser humano, a biologia pouco conta. Chamamos-lhe Madre Teresa de Calcutá e suponho que ninguém se atreveria a negar-lhe o título de madre. No entanto, como todos sabemos, ela nunca foi biologicamente mãe, embora se tenha comportado como tal para muitas crianças órfãs e até adultos, que viram nela a mãe que nunca tiveram.
A devoção do povo cristão, ao menos dos católicos e ortodoxos, a Maria parte da proximidade que temos com a nossa mãe na Terra. Ela está mais perto de nós que o nosso pai e, muitas vezes, fazemos dela intermediária entre nós e ele, pois temos mais confiança com a nossa mãe que com o nosso pai.
Ela está sempre ao nosso lado e acompanha-nos mais que o nosso pai. Esta experiência faz com que o povo cristão tenha por Maria uma especial devoção e projete nela a mesma experiência, o mesmo tipo de relacionamento que teve ou tem com a sua mãe.
Maria é nossa mãe porque, como toda a mãe, está atenta às necessidades dos seus filhos, como esteve nas bodas de Caná e está ainda hoje ao visitar-nos em Guadalupe, Lourdes e Fátima. Maria é a nossa mãe porque ela nos educa com o evangelho do seu filho quando nos diz “fazei tudo o que ele vos disser”. Eva foi a nossa progenitora, Ave Maria é a nossa mãe do Céu que acompanha a nossa vida na Terra até nos unirmos a ela no Céu.
A imagem que ilustra este texto representa São Bernardo, um grande amante da devoção mariana, recebendo o leite maternal da Virgem Maria. Uma imagem que choca as nossas mentalidades de hoje em dia, mas que estava muito de acordo com a piedade medieval mariana que exaltava os seios da nossa mãe celeste como os exalta aquela mulher do evangelho de São Lucas.
De São Bernardo é também conhecida a oração mariana chamada “Memorare” que exalta a Maria como mãe e, como tal, intercessora por nós no Céu:
Lembrai-vos, ó puríssima Virgem Maria,
que nunca se ouviu dizer que algum
daqueles que tenha recorrido à Vossa proteção,
implorado a Vossa assistência e reclamado o Vosso socorro,
fosse por Vós desamparado.
Animado eu, pois, de igual confiança,
a Vós, Virgem entre todas, singular,
como a Mãe recorro, de Vós me valho,
e, gemendo sob o peso dos meus pecados,
me prostro aos Vossos pés.
Não desprezeis as minhas súplicas,
ó Mãe do Filho de Deus humanado,
mas dignai-Vos de as ouvir propícia
e de me alcançar o que vos rogo. Ámen
Conclusão: Eva é a nossa progenitora, Ave Maria é a nossa Mãe, pois é ela que nos educa, dando à luz a Palavra Deus em forma humana, a referência de humanidade, Jesus de Nazaré.
Pe. Jorge Amaro, IMC
Linda meditação muito grata Sr Padre jorge Amaro pela sua partilha connosco que tanto nos ajuda Deus o Abençoe reze por nos Amem
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