1 de abril de 2023

I Mistério: Imaculada Conceição e nascimento da Virgem Maria - 2ª Parte

Na Inglaterra e na Normandia, no século XI, aconteceu uma festa da conceição de Maria e nessa festa foi celebrado o facto milagroso de que Ana era estéril e deu à luz. Sto. Anselmo tinha dito que foi preservada do pecado. Em 1439, no Concílio de Basileia, este mistério foi considerado uma verdade da fé e Pio IX proclamou o dogma em 1854.

Origem do pecado e pecado original

Deus criou o homem à sua imagem e semelhança; com o pecado perdemos a semelhança com Deus, mas mantivemos ainda a sua imagem. Já não somos como Deus nos criou; o pecado dos nossos pais alastrou-se no espaço e no tempo, alterando profundamente a natureza humana. O homem construiu o seu próprio inferno, tipificado nas cidades de Sodoma e Gomorra. O dilúvio – destruir tudo e começar de novo – com a família de Noé, foi o primeiro plano para salvar a espécie humana. Mas a descendência de Noé depressa voltou ao pecado dos seus antepassados.

Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos é que ficaram embotados. (Jeremias 31, 29) Sem conhecer as leis da hereditariedade de Mendel, os hebreus tinham consciência de que certos males passavam de pais para filhos. De facto, o pecado de Adão e Eva corrompeu-os, não só a nível existencial como pessoas, mas também a nível genético, pelo que as consequências seriam sofridas por toda a espécie humana.

Quando Adão pecou, o pecado transmitiu-se a toda a raça humana e trouxe, como consequência, a morte a todos; e todos foram contados como pecadores. Romanos 5, 12

O pecado original causou uma mutação genética nos nossos genes e transformou-se num cancro, numa doença hereditária determinística, ou seja, é impossível que quem tenha nascido de homem e mulher não a tenha. O mal transformou-se assim numa segunda natureza que está já presente desde o momento da nossa conceção.

Os pais não ensinam as crianças a mentir nem a roubar, no entanto, passados uns anos de boa e excelente educação, tanto no exemplo como nas palavras, os pais apanham os seus queridos meninos a roubar uns tostões das suas carteiras ou a mentir descaradamente. O mal não necessita ser aprendido, estamos naturalmente inclinados para o mal. O próprio Cristo reconheceu esta natureza caída do ser humano quando disse:

Não há nada exterior ao homem que ao entrar nele o torne impuro; antes o que sai dele é que o torna impuro. (…) O que sai do homem é que o torna impuro. Porque do seu íntimo, do seu coração, vêm os maus pensamentos, imoralidades sexuais, roubos, homicídios, adultérios, cobiça, maldades, engano, indecências, inveja, calúnia, orgulho e coisas insensatas. Todas essas coisas más procedem do íntimo da pessoa; são elas que tornam o homem impuro. Marcos 7:15, 20-23

Usurpação do critério do bem e do mal
A pseudo-emancipação do homem, o querer ser como Deus, o ter usurpado a Deus a prerrogativa do bem e do mal, foi a origem do pecado ou pecado original que foi passando de geração em geração, pois modificou o ADN da espécie humana. O mal instalou-se dentro da espécie humana de tal forma que, como dizia Jesus em Mateus 15, 11, “Não é aquilo que entra pela boca que torna o homem impuro; o que sai da boca é que torna o homem impuro”. Não é, portanto, a má educação que leva o homem a ser mau; a maldade já está no seu interior.

Enquanto o critério do bem e do mal estava no centro do jardim do Éden, e pertencia exclusivamente a Deus, a terra era o Reino de Deus; havia paz, união, consenso, pois todos se submetiam a um critério único. Quando o Homem, querendo ser como Deus, se colocou no centro, roubando a prerrogativa do bem e do mal, instalou-se a divisão, a guerra, a subjetividade, a arbitrariedade, o relativismo, a divisão, a discórdia. Todos os indivíduos querem o centro. Não pode haver dois centros, se eu tenho o critério do bem e do mal, tu não o tens ou eu não to reconheço.

Ninguém faz o mal pensando que está a fazer o mal; ao matar 5 milhões de judeus, Hitler pensava que estava a fazer um favor à humanidade; os bombistas suicidas que se matam e que matam pessoas inocentes, dizem que estão a sacrificar-se por um bem maior; os extremistas muçulmanos matam em nome de Deus….

Somos maçãs com bicho
Os pais que se esmeram na educação dos seus filhos ficam admirados quando estes começam a mentir, a roubar e a fazer outras travessuras que eles nunca lhes ensinaram. O mal está dentro de nós e não precisa de ser aprendido. Como diria o psicólogo Jung, o mal pertence ao inconsciente coletivo da humanidade. Cada ato malvado que um indivíduo leva a cabo, instala-se nesse coeficiente coletivo, de tal forma que os indivíduos que nascem depois, nascem com a capacidade de voltar a realizá-lo sem precisarem de nenhuma aprendizagem.

Muita gente ao ver uma maçã com um buraquinho pensa que o buraquinho foi feito pelo bicho, ao entrar na maçã, mas o que acontece é o contrário: foi feito pelo bicho ao sair da maçã. O bicho nasceu de um ovo que um inseto depositou na maçã durante a floração. Todos nós somos maçãs com bicho: o mal está dentro de nós e só precisa de uma determinada circunstância para se revelar.

Não é, portanto, como diz o provérbio “A situação faz o ladrão”. Todos, tarde ou cedo, são confrontados com situações em que podem roubar; à partida, todos somos capazes de roubar. Roubar ou não roubar vai depender do grau de educação, em valores humanos, que temos no momento da tentação. Só esse grau de educação em valores humanos pode contrariar a tendência inata em todos.

De Eva a Avé
Duas são as razões pelas quais Deus veio até nós em forma humana: a primeira para nos dizer, de uma forma definitiva, como é Deus, a segunda para nos dizer como é o ser humano e como deve ser. Cristo é de facto a medida do ser humano, o padrão de referência da humanidade, aquele em relação ao qual todos os indivíduos devem medir-se, pois Ele é a norma, Ele é o modelo, o paradigma. Cristo é o homem que Deus criou em Adão, antes de este ter desobedecido. De facto, Jesus mostra, pelas palavras e pelas obras, que se mantém, toda a sua vida, obediente a Deus.

Como Cristo é o segundo Adão, Maria é a segunda Eva. Avé é, de facto, Eva ao contrário. Cristo, o filho de Deus altíssimo, não podia ter como mãe Eva, depois do pecado; por isso, no momento da sua conceição, no momento em que meia célula de Joaquim se uniu à meia célula de Ana, sua esposa, Deus atuou, evitando que os genes que, desde o pecado de Adão e Eva tinham passado de geração em geração, passassem também para Maria. Maria foi concebida sem pecado original, por ter sido destinada a ser a mãe do filho de Deus. Não faz sentido que Deus encarnasse na natureza humana que Adão e Eva modificaram com o pecado. Por isso, Maria que ia a ser a mãe do Senhor foi preservada desta herança negativa, comum a todos os mortais.

Na Etiópia, não existe a figura negativa da madrasta. Muitas vezes, uma é a mãe biológica e outra é a mãe que cria e educa. Chama-se a “Ingera enat” ou seja, mãe do pão. Quando estudava teologia, tinha um colega que à sua tia biológica chamava mãe e à sua mãe biológica chamava tia. O meu colega tinha sido rejeitado pela sua mãe biológica e acolhido pela irmã desta que o criou. Era tanto o amor que tinham um pelo outro que, estando ela já doente, em fase terminal de cancro, não faleceu enquanto não viu o seu filho (biologicamente sobrinho) ordenado sacerdote.

Eva é a mãe biológica de todos os viventes; Maria é a nossa mãe de pão, desse pão eucarístico que é o seu filho nascido numa cidade chamada Belém, que literalmente significa casa de pão e que ela depositou numa manjedoura, recipiente onde se come, para que nós nos alimentássemos dele.

Eva é a nossa progenitora, mas abandonou-nos à nossa sorte; Maria é aquela que provê às nossas necessidades quando em Caná diz “Não têm vinho” João 2, 2.

Eva é a que nos ensinou a fazer o mal; Ave ou Maria é a que nos educa e ensina a fazer o bem ao apontar para o seu filho e dizer “fazei o que ele vos disser” João 2, 5.

Natividade de Maria
Não podemos reconhecer as bênçãos que nos trouxe Jesus, sem reconhecer ao mesmo tempo quão imensamente Deus honrou e enriqueceu Maria, ao escolhê-la para Mãe de Deus. (João Calvino," Comm. Sur l‟Harm. Evang.",20)

Nove meses depois da Imaculada Conceição da Virgem Maria, a Igreja celebra a natividade de Nossa Senhora, no dia 8 de setembro. Num contexto bíblico de tantos nascimentos nas mesmas circunstâncias, desde Isaac, Samuel, Sansão etc., segundo reza a tradição, Maria nasceu de pais de avançada idade e estéreis, de nome Joaquim e Ana. Como resposta à sua perseverança e constância na oração, estes pais foram agraciados por Deus com o dom de terem uma menina.

Há quem os coloque residentes em Nazaré, porém a tradição mais fidedigna coloca-os em Jerusalém, ao lado da piscina de Betesda, onde os peregrinos se purificavam antes de entrar no templo e onde hoje se ergue a Basílica de Santa Ana, muito perto de uma das entradas principais do Templo e da atual Porta dos Leões na muralha da cidade velha, no quarteirão muçulmano da cidade de Jerusalém.

A menina recebeu o nome de Miriam que significa vidente, senhora soberana. Era muito provavelmente um nome egípcio pois, como sabemos, Miriam era o nome da irmã de Moisés. Há quem pense que deriva do nome sânscrito Maryá e que literalmente significa pureza, virtude, virgindade; a tradução latina é Maria. Tal como Samuel, foi também ela oferecida ao Templo de Jerusalém aos três anos, tendo lá permanecido até aos doze anos, data em que foi dada em casamento a José.

Como sabemos, os evangelhos canónicos nada nos dizem sobre o nascimento de Maria. A base da tradição, porém, é bastante antiga, pois provém de um escrito apócrifo do século II, o Protoevangelho de Tiago, escrito por volta do ano 150.

Conclusão
Eva é a nossa progenitora, porque foi ela que nos deu à luz; Maria é a nossa mãe, pois é ela que provê as nossas necessidades como nas bodas de Caná, e é ela que nos educa quando nessas mesmas bodas nos diz, “fazei tudo o que Ele vos disser”. Por fim, é ela que roga por nós em todos os momentos da nossa vida e na hora da nossa morte. Ámen.

Pe. Jorge Amaro, IMC













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