Já houve culturas e civilizações sem ciência e tecnologia, mas nunca houve uma sem sentimento religioso, sem religião. Porque a autoconsciência, que ocorre na vida humana por volta dos 6 ou 7 anos, é contemporânea da certeza de que um dia morreremos.
Por causa do cogito ergo sum, penso logo existo, sei que um dia deixarei de existir. As três perguntas que todo o ser humano se faz – de onde venho, para onde vou e que sentido tem a vida – afloram à nossa consciência no dia em que nos tornamos autoconscientes. A religião é a resposta a essas três perguntas.
Biografia de Ludwig Feuerbach (1804-1872)
Nascido em Rechenberg em 1804, Ludwig Andreas Feuerbach foi um filósofo alemão conhecido pelo estudo da teologia humanista. Foi aluno do filósofo Hegel, mas abandonou os estudos hegelianos para, em 1828, iniciar estudos em ciências naturais.
A sua obra mais importante chama-se a “Essência do cristianismo” na qual discute a verdadeira essência ou antropologia da religião e conclui que toda a religião é uma forma de alienação na qual as pessoas projetam o seu conceito de “ideal humano” num ser superior. Feuerbach faz a transição do idealismo alemão para o materialismo histórico de Karl Marx e para o materialismo cientificista da segunda parte do século XIX.
A religião como projeção do Homem
Homo homini Deus est - O cristianismo fixou para si mesmo a meta de satisfazer os desejos inatingíveis do homem mas, por essa mesma razão, ignorou os seus desejos atingíveis. Prometendo ao homem a vida eterna, privou-o da vida temporal, ensinando-o a confiar na ajuda de Deus, retirou-lhe a confiança nos seus próprios poderes; ao dar-lhe a fé numa vida melhor no Céu, destruiu-lhe a fé numa vida melhor na Terra e o esforço para alcançar essa mesma vida. O cristianismo deu ao homem o que a sua imaginação deseja mas, por essa mesma razão, não lhe deu o que ele realmente deseja.
Para Feuerbach, a teologia é pura antropologia, pois não foi Deus que criou o Homem à sua imagem e semelhança mas, ao contrário, foi o Homem que criou a Deus à sua imagem e semelhança. Tudo o que se diz de Deus pertence ao homem, as imagens de Deus e tudo o que dele sabemos é antropomórfica. O Homem projeta, fora de si mesmo, num ser abstrato a que chama Deus, todas as suas aspirações, desejos e ideais. “Deus nada mais é do que o espírito humano projetado para o infinito.”
“O meu primeiro pensamento foi Deus, o meu segundo pensamento foi a razão, o meu terceiro e último pensamento foi o homem”. Este brilhante filósofo começou a sua carreira como estudante de teologia, abandonando-a mais tarde para se tornar discípulo de Hegel. Feuerbach foi o primeiro grande ateu dos tempos modernos. Uma autêntica labareda de fogo, é o que o seu nome significa. Na verdade, julgo que todos os que vieram depois dele pouco ou nada disseram de verdadeiramente novo, apenas repetiram as suas ideias basilares por outras palavras.
Por esta razão, Feuerbach é o grande inspirador e é o precursor de Karl Marx, no sentido em que é o primeiro a proclamar e lutar pela emancipação do homem da tutela da religião que o enfraquece e priva do seu próprio poder. Para Feuerbach “A moralidade que não visa a felicidade é uma palavra desprovida de significado.” E avisa-nos de que “sempre que a moralidade se baseia na teologia, sempre que o correto se torna dependente da autoridade divina, as coisas mais imorais, injustas e infames podem ser justificadas e impostas.”
Por brilhante que possa parecer, a crítica que Feuerbach faz à fé e à religião, não passa de um sofisma. A projeção do Homem fora de si nada diz sobre a existência ou não existência de Deus: este pode existir com projeção ou sem ela.
A projeção humana, precisamente porque é humana, tem mais a ver com a natureza humana que com a natureza de Deus. Assim sendo, a projeção humana pode explicar por que motivo o pensamento de Deus sempre existiu na mente de todos os homens em todos os tempos; mas não tem nada a dizer sobre a hipotética existência de Deus. Pelo contrário, a persistência do próprio pensamento de Deus na nossa mente é mais uma prova da existência de Deus que uma prova da sua não existência.
Se uma pessoa tem sede ou desejo de beber água é porque deve haver água; é mais lógico pensar que a água cria o desejo que pensar que o desejo cria a água; até porque, cronologicamente na história do Universo, quando ainda estava longe a aparição do Homem, já havia água; portanto, a água preexiste ao desejo de a beber. Tenho para mim que se não existisse a água também não existiria a sede.
Voltando à sequência dos pensamentos de Feuerbach de Deus ao Homem, infelizmente, Feuerbach não parou no terceiro pensamento, Deus – razão – homem. Depois de ter rebaixado e degradado Deus à categoria de pura conjetura humana, não parou aí e continuou com o seu quarto pensamento que foi o sensível, com o quinto que foi a natureza e com o sexto que foi a matéria, chegando estupidamente a afirmar “o homem é o que come”.
Ou seja, quando se degrada Deus, acaba por degradar-se em consequência a criatura por Ele criada à sua imagem e semelhança. De acordo com o livro de Génesis, Deus tirou-nos da matéria (argila) e constituiu-nos como pessoas à sua própria imagem e semelhança. Se negamos a existência de Deus como pessoa, também negamos a nossa existência como pessoas, pois a Ele a devemos.
Se nós não somos uma pessoa, então voltamos ao que éramos antes de Deus nos ter criado, ou seja, matéria. Em conclusão, o que Feuerbach faz com o ser humano é uma involução darwinista...
Conclusão – Feuerbach argumenta que o Homem criou Deus à sua imagem, projetando nele as suas aspirações e ideais, e não o contrário. No entanto o desejo humano por algo transcendente pode ser uma prova da existência de Deus. Não existe sede sem agua nem agua sem sede.
Pe. Jorge Amaro, IMC
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