No evangelho de São João, ao fim do capítulo anterior, Jesus disse a Natanael “verás coisas maiores do que esta” (João 1, 50). As bodas das quais nos fala o capítulo seguinte deram-se em Caná da Galileia, precisamente a cidade de Natanael. O último vinho que nas bodas normais é o pior, nestas bodas que são também um símbolo das bodas nas quais Deus Pai casa o seu filho com a humanidade (Lucas 14, 15-24), o último vinho é o melhor.
Natanael foi declarado por Jesus como “Um verdadeiro israelita no qual não há falsidade” (João 1, 47). Portanto podemos concluir que, neste texto, Natanael representa o povo judeu no seu melhor. Para este povo, que também é comparado à Vinha do Senhor (Salmo 79), o melhor estava para vir; pelo que o último vinho é o próprio Jesus, o vinho novo para o qual é preciso ter odres novos, ou seja, mentes novas e abertas para poder conter a potência de um vinho cheio de espírito.
Havia seis potes de água de pedra; e ao comando de Jesus a água neles transformou-se em vinho. De acordo com os judeus, sete é o número que é completo e perfeito; e seis é o número que é inacabado e imperfeito. Pelo que, os seis potes de água em pedra representam todas as imperfeições da lei judaica. Jesus veio acabar com as imperfeições da lei e colocar no seu lugar o novo vinho do evangelho da sua graça. Jesus transformou a imperfeição da lei na perfeição da graça.
A quantidade de vinho é astronómica: 680 litros de vinho. Em nenhuma boda neste planeta se poderia beber tal quantidade; o que João quer dizer é que a graça que veio em Jesus e por Jesus é tamanha que chega para todos em todo o mundo para todos os tempos e ainda sobra, pois é ilimitada como o próprio Deus. “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (João 10, 10).
Para esta boda estavam convidados a mãe de Jesus e os seus irmãos. Jesus provavelmente convidou os seus discípulos também. Nesta boda, Jesus deixa de ser o filho de Maria para ser o Senhor, o mestre dos seus discípulos. É uma boda de despedida em que Jesus se embrenha na sua vida pública e corta o cordão umbilical que o une à família. Mais tarde, como sabemos, estes dois grupos, os irmãos do Senhor e os seus discípulos, não vão dar-se bem até a questão ser dirimida no Concílio de Jerusalém, presidido não por Pedro mas por Tiago, o menor e irmão do Senhor.
“Eles já não têm vinho”
Maria, a mãe do Senhor, depois que visitou a sua prima Isabel, continua a visitar o seu povo, em Fátima, Guadalupe e Lourdes e em tantos outros sítios, porque ela é um bom samaritano (Lucas 10, 25-37). Ela é uma boa observadora, tal como Deus Pai, das necessidades dos outros (Êxodo 3, 7) e, tal como Deus Pai, compadece-se do pobre e do aflito.
O Senhor dos exércitos fará neste monte para todos os povos um banquete de manjares substanciosos, de vinhos bons, de carnes gordas e tenras, de vinhos escolhidos e depurados. Isaías, 25, 6
Naquele tempo, como em todos os tempos, faltar vinho numa boda era um autêntico desastre. O vinho tem lugar numa boda, tal como a carne. Uma boa comida sem vinho não apetece. Seria uma desonra para os noivos e um mau presságio que o vinho acabasse sem que os convivas se sentissem saciados. Maria anteviu tudo isto e dirigiu-se ao seu filho para que ele resolvesse a situação. É ele o salvador, não ela; é ele que pode fazer alguma coisa, remediar a situação, salvar a reputação dos noivos, não ela.
Maria que é a medianeira da Graça principal que é a vinda de Deus ao mundo, pois por ela veio e nela incarnou, provou, neste episódio das bodas de Caná, ser a medianeira de todas as graças pequenas ou grandes. Tudo o que Maria pede ao seu filho este concede. Maria é a nossa intercessora no Céu, ela observa o que nos falta e reporta ao seu filho.
A Vinha do Senhor que representa a casa de Israel (Salmo 79) já deu o que tinha a dar, já não produz fruto. Deus que manda sucessivos profetas à procura do fruto da uva não o encontra e, finalmente, manda o seu filho e os vinhateiros têm a ousadia de o matar fora da vinha. (Marcos 12, 1-12). O vinho na Bíblia significa geralmente alegria. Eis alguns dos muitos textos que testemunham isto mesmo:
Regressarão entre gritos de alegria às alturas de Sião, acorrendo aos bens do Senhor: ao trigo, ao vinho e ao óleo, ao gado menor e ao maior. Sua alma se assemelha a jardim bem regado, e sua fraqueza cessará. Jeremias 31, 12
Fazeis brotar a relva para o gado, e plantas úteis ao homem, para que da terra possa extrair o pão e o vinho que alegra o coração do homem, o óleo que lhe faz brilhar o rosto e o pão que lhe sustenta as forças. Salmos 103, 14-15
E as árvores disseram à videira: “Vem tu, reina sobre nós!”. Mas a videira respondeu: Poderia eu renunciar ao meu vinho que faz a alegria de Deus e dos homens, para colocar-me acima das outras árvores? Juízes 9, 12-13
Faz-se festa para se divertir; o vinho alegra a vida… Eclesiastes 10, 19
Afastaram-se a alegria e o regozijo dos vergéis da terra de Moab; fiz com que secasse o vinho nos lagares; já não se amassam as uvas entre gritos de alegria… Jeremias 48, 33
Já não beberei mais do fruto da vinha até ao dia em que o beberei de novo convosco no Reino de meu Pai. Mateus, 26, 29
Maria é a humilde filha de Sião, a virgem que deu à luz o vinho novo, Deus connosco, é a esperança de Israel, um rebento novo de uma vinha seca que já não produz vinho. Dela jorrará um vinho que é a salvação e sanação da humanidade. Nela e por ela, a vinha volta a produzir e há alegria já não só para Israel, mas para o mundo inteiro.
“Mulher, isso compete-nos a nós?”
Maria é uma mãe que corta o cordão umbilical com o seu filho e, em vez de o reter para si, o lança para a vida ainda antes de este, hesitante, pensar que já tenha chegado a sua hora. Faz recordar as andorinhas que lançam os seus filhos para fora do ninho pois chegou a altura de voarem para poderem emigrar para terras mais quentes quando o inverno vier.
As andorinhas não levantam voo do chão; por isso, o primeiro voo fora do ninho, se correr mal, pode também ser o último. Maria corre esse risco com Jesus, de o lançar demasiado cedo. Mas também ela era assistida pelo Espírito Santo, pelo que atuou com audácia e determinação.
A inicial relutância de Jesus em fazer o milagre é pedagógica, como acontece no caso da mulher sírio- fenícia. O que quer dizer é que mesmo que Jesus não queira ou que não esteja nos seus planos ajudar-nos, se fizermos o pedido por intermédio da sua Mãe Santíssima, ele não vai recusá-lo pois agora não é só um pedido nosso é também um pedido dela. Ela, por nós, coloca todo o seu peso, todo o seu valor, toda a sua importância e poder de influência nesse pedido, por isso Jesus não pode recusá-lo.
A desculpa de Jesus de que a falta de vinho não nos diz respeito a nós, é de facto a desculpa de todo o mau samaritano. Maria faz seu o problema dos outros, é empática. Muitas pessoas veem as necessidades dos outros e tal como os sacerdotes na parábola do bom samaritano, passam ao largo, pois pensam que o problema não é seu. Hoje sou eu que tenho uma necessidade, amanhã podes ser tu; por isso, o que queres que os outros te façam, faz tu aos outros: esta é a regra de ouro positiva de Jesus. (Mateus 7, 12)
“A minha hora ainda não chegou”
Jesus vê a sua vida como uma missão: não tem mãos a medir, o tempo é curto, não tem passatempos nem mata o tempo. É neste sentido que devemos entender esta frase, a sua missão ainda não começou, ainda está no tempo da preparação para ela. Lucas descreve a vida de Jesus numa peregrinação para Jerusalém; e, nesta peregrinação, todos os lugares e eventos apontam para a hora final da sua morte e redenção da humanidade.
Jesus parece ter sempre uma agenda cheia e tudo está devidamente organizado, controlado e calculado:
Vamos às aldeias vizinhas, para que eu pregue também lá, pois, para isso é que vim”. Ele retirou-se dali, pregando em todas as sinagogas e por toda a Galileia, e expulsando os demónios. Marcos 1, 38-39
Disse-lhes ele: “Ide dizer a essa raposa: eis que expulso demónios e faço curas hoje e amanhã; e ao terceiro dia terminarei a minha vida. É necessário, todavia, que eu caminhe hoje, amanhã e depois de amanhã, porque não é admissível que um profeta morra fora de Jerusalém. Lucas 13, 32-33
“Fazei o que ele vos disser”
A resposta de Jesus ao apelo da sua mãe, foi duplamente negativa; a primeira sacudindo a água do capote, dizendo que o problema não era nem seu nem dela e a segunda dizendo que, mesmo que pudesse e quisesse fazer alguma coisa, ainda não tinha chegado a sua hora.
Grande é a fé de Maria como a da mulher sírio-fenícia do evangelho (Mateus 15, 21-28) que não se desencoraja pelas negativas de Jesus e continua a acreditar que ele pode curar a sua filha e vai curá-la. Maria também faz ouvidos surdos às palavras negativas de Jesus e está tão certa de que ele vai fazer alguma coisa para solucionar o problema, remediar a situação, que imediatamente diz ela aos serventes que se coloquem à disposição do seu filho, para fazerem de imediato o que ele lhes ordenar.
É como se Maria nos dissesse, a cada coisa que lhe pedimos, “considera-o já feito o que acabas de me pedir”, ainda antes de referir a matéria ao Seu filho, porque sabe que um bom filho nunca recusa o pedido de uma mãe. Por outro lado, a nossa querida mãe do Céu não incomoda o seu filho por qualquer coisa, mas apenas quando se trata de um problema grave; e aquele problema das bodas de Caná era grave.
Podemos interpretar à letra este evangelho – faltar vinho numa boda – ou interpretá-lo metaforicamente, ou seja, a humanidade sem o vinho novo que é Jesus não tem alegria de viver, vive deprimida e sem sentido; e a depressão como sabemos, pode levar ao suicídio.
Fazer a vontade de Jesus é de facto a atitude do verdadeiro discípulo; mais que isso, é a condição “sine qua non” para sermos ou não sermos discípulos de Jesus: Mateus 23, 3 – Lucas 11, 28 – Mateus 6, 1 – João 13, 17 – Mateus 7, 23 - João 3, 21 – Mateus 7, 21-24 – Mateus 28, 18-20 – Lucas 11, 28.
Jesus tinha como alimento fazer a vontade do Pai (João 4, 34) o verdadeiro discípulo de Jesus não pode ter outro alimento senão ouvir a Palavra, digeri-la (Jeremias 15, 16) e fazer dela vida, ou seja, encarnando-a em todos e cada um dos seus atos, a ponto de poder ser outro Cristo na terra e assim continuar a sua obra de salvação.
Conclusão: Como embaixadora, Maria, informa o seu Filho das necessidades dos homens - “Não têm vinho…”; e informa os homens do que precisam de fazer para que essas necessidades sejam satisfeitas – “Fazei tudo o que ele vos disser…”
Pe. Jorge amaro, IMC
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