1 de maio de 2022

Theotokos ou Mater Dei?

Um entusiasmado prosélito protestante entra num autocarro e diz, “esta é a carta e este é o envelope que a continha, ficamos com a carta e atiramos com o envelope para o lixo. Cristo é a carta, Maria é o envelope. “A tua mãe também é um envelope que atiras para o lixo?”, alguém perguntou, e não obteve resposta…

Até ao século V, a reflexão da Igreja situava-se à volta da identidade de Cristo. Mas ainda antes do Concílio de Calcedónia, em 451, no qual se define a Cristo como verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, a reflexão da Igreja já estava a voltar-se para a sua mãe. De facto, já no ano 431 o Concílio de Éfeso tinha chamado a Maria “teotokos”.

“Ave, o Theotokos! Ave, o Mater Dei! Ave, Ave Maria! Ave, Ave, Maria!”, reza um cântico de Fátima, traduzindo o termo grego “Teotokos” pelo latino “Mater Dei”, mas não é assim. “Teotokos” significa portadora de Deus que não é a mesma coisa que mãe de Deus.

História da reprodução humana
Até ao princípio do século XX, desconhecia-se que o ser humano era o resultado da fusão numa célula de duas meias células – o espermatozoide do homem e o óvulo da mulher – algum tempo depois do ato conjugal.

Na longa evolução desde o aparecimento do homo sapiens, há 5 milhões de anos, até aos nossos dias, houve um tempo em que se desconhecia a génese de um novo ser humano. Na sua reduzida inteligência, o homem primitivo, não aplicava o princípio de causa/efeito que associava o ato sexual ao nascimento de uma criança nove meses depois.

Durante este tempo, apesar de o homem ter mais força física, quem governava o mundo era a mulher, pois era dela e só dela que vinha o futuro da espécie humana; era ela e só ela que assegurava a sobrevivência do ser humano. As sociedades eram matriarcais; em todas as línguas ainda hoje o nome Terra, Natureza são palavras femininas; Deus era conceptualizado como mulher como uma grande mãe.

Com a descoberta do papel do homem na reprodução, passámos abruptamente de um matriarcado para o patriarcalismo. Afinal a mulher não tinha arte nem parte na reprodução; pelo contrário, era o homem que colocava o novo ser nela e ela era só o terreno fértil onde este crescia. Deixou-se de pensar em Deus como mãe, mas sim como pai, e o homem relegou para segundo plano a mulher até aos dias de hoje.

A definição de Maria como “Teotokos” ou portadora de Deus está em concordância com o que se pensava no tempo do Concílio de Éfeso acerca do papel da mulher no ato da reprodução humana. A mulher é só o terreno fértil onde a semente cresce; é o homem que implanta esta semente que é o espermatozoide que, em si mesmo, era entendido como homúnculo, ou seja, um ser humano em tamanho reduzido, mas já completo em si mesmo. Se esta crença estivesse ainda em vigor, Maria seria, como todas as mulheres, uma “barriga de aluguer”.

Santa Maria, Mãe de Deus…
Mas, quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob o domínio da Lei… Gálatas 4, 4    

S. Paulo não diz nascido por intermédio de uma mulher, mas sim nascido de mulher. Mãe é aquela que acolhe uma criança no seu seio e contribuiu geneticamente para a sua formação; Maria é mãe nestes dois sentidos.

Lendo a encarnação de Cristo à luz do que hoje sabemos sobre a génese do ser humano, podemos afirmar então que o espermatozoide vem por via do Espírito Santo, pelo que Cristo era verdadeiramente Deus, e que o óvulo era de Maria, pelo que Cristo era verdadeiramente homem. Ora se Maria é mãe de Jesus e Jesus é Deus, Maria é mãe de Deus; um silogismo perfeito e incontornável.

Não é mãe de Deus no sentido de ser ela a origem de Deus, ou de ser mais velha que Deus e origem da divindade de Jesus. É mãe de Deus porque acolheu a Deus no seu seio, e porque contribuiu com material genético para a forma humana que Deus tomou em Jesus de Nazaré.

Voltando ao envelope
Maria não é só “Teotokos”, portadora de Deus; é como a nossa mãe, que nos acolheu e transportou por nove meses, mas contribuiu também com metade do material genético que nos forma. Maria não é, portanto, só envelope que conteve a Deus mas é mesmo mãe de Deus.

“Quem os meus filhos beija, minha boca adoça”. Uma mãe fica contente quando tratam bem os seus filhos e triste quando os tratam mal; o mesmo se pode dizer de um filho com respeito à sua mãe. Como podem os protestantes amar o filho e desrespeitar a mãe ou ignorá-la?

Mas usando ainda a metáfora do envelope, os amantes que guardam as cartas de amor guardam-nas com os respetivos envelopes. Cristo é uma carta de amor de Deus para a humanidade. Maria é esse envelope florido e colorido que contém essa carta; quem é mãe, sempre é mãe.

Por outro lado, no remetente os envelopes contêm a direção de quem envia a carta. Precisamos dela para responder, como precisamos da mediação de Maria pois, como foi mediadora da graça primigénia que foi Jesus Cristo, é mediadora de todas as graças.

Conclusão: Maria não é só Teotokos porque acolheu a Jesus no seu seio; é também Mãe porque contribuiu com o seu próprio material genético. Neste sentido, Jesus, é carne da sua carne, sangue do seu sangue. Se, para entendernos, a divindade de Jesus procede de Deus, a sua humanidade vem de Maria.

Pe. Jorge Amaro, IMC


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