Por outro lado, a parte não pode conter o todo, é ilógico que a criatura com a sua razão possa compreender totalmente o seu Criador. A fé não pode ser completamente racional, sendo, por isso, um obséquio de nós próprios a Deus: é confiar e render-se incondicionalmente ao outro.
Juntamente com a Grécia e Roma, o cristianismo é um dos vértices do triângulo onde assenta a cultura e civilização da Europa e do mundo ocidental para onde Europa se alargou. A Igreja foi mãe e mestra da cultura ocidental e, precisamente por isso, no processo de emancipação foi e continua a ser agredida por todas as instâncias da cultura e vida social.
Se há uma religião que está sempre sob o severo escrutínio da razão e da crítica social é o cristianismo. A meu ver, o Islão não tem passado nem passou ainda por este crisol purificador, por isso contém muitas inconsistências e deficiências do ponto de vista da razão.
Génese histórica e literária do Alcorão
O Alcorão foi escrito no antigo dialeto árabe e os muçulmanos acreditam que se trata de uma compilação de revelações feitas por Alá ao Profeta Maomé (Mohammad) ao longo de vinte e três anos. As revelações foram feitas em árabe e, segundo as crenças muçulmanas, através do Arcanjo Gabriel (Yibrail).
A Bíblia é um grupo de livros, cada um com o seu autor inspirado por Deus. No entanto, é o autor que escreve, pelo que devemos retirar desses escritos o seu caráter e personalidade individuais, usos, costumes e crenças da época se quisermos chegar à “ipssismima Dei verbum” ou seja, à Palavra de Deus. Por isso, a ideia de que o Arcanjo Gabriel ditou o Corão ao profeta soa a conto de fadas e não é plausível nem humanamente credível.
“Libris ex libris fijnt fiunt”, do nada só Deus cria. É de supor que Maomé teria extraído as suas ideias após uma leitura direta das revelações anteriores, judias, cristãs e outras. Nas suas viagens, o profeta conheceu judeus e cristãos e estava familiarizado com a Bíblia, tanto com o Velho Testamento como com o Novo Testamento.
Do Corão, pode deduzir-se que Maomé era um cristão nestoriano (oriental), que viveu unido em matrimónio cristão com a sua única esposa Khadija. Maomé foi um dos líderes numa luta de poder em Meca entre cristãos que queriam erradicar o politeísmo e introduzir o cristianismo, e os governantes da cidade que veneravam os deuses tradicionais do Kaaba.
A estratégia de Maomé era unir todo o povo da Bíblia cristã, isto é, tanto os cristãos judeus como os cristãos orientais, contra os politeístas idólatras. Em 615, quando a luta religiosa em Meca entre cristãos e politeístas se tornou mais intensa, partes do grupo de Maomé fugiram para os seus irmãos na fé na cidade cristã de Axum, no norte da Etiópia.
Em 622, o grupo de monoteístas de Maomé mudou-se para Yatrib (Medina). Aqui começou a unir cristãos judeus e cristãos orientais, como nestorianos monofisistas, contra os politeístas de Meca. Em 630, as tropas de Maomé conquistaram finalmente Meca e tomaram o templo Kaaba, convertendo-o num santuário monoteísta.
O que o profeta pretendia era, portanto, uma síntese do judaísmo e cristianismo adaptado à realidade árabe. Provavelmente, nunca pensou numa nova religião, pelo que se voltasse à Terra hoje não se reconheceria na religião muçulmana atual. O mesmo aconteceria com Lutero e a sua Reforma, que nunca pretendeu criar um cisma na Igreja – se voltasse à Terra hoje, provavelmente não se reconheceria como protestante. De facto morreu como católico.
Jesus e Maria no Alcorão
Com um capítulo inteiro (sutra) dedicado só a ela, a Virgem Maria é a única mulher referida pelo seu próprio nome no livro do Alcorão. Todas as outras são mencionadas em relação a um varão; por exemplo, não há referências a Sara, mas sim à mulher de Abraão. Sobre a virgindade de Maria, o Alcorão afirma claramente que está em pecado aquele que não acredita nela ou a põe em causa.
Segundo as duas tradições, tanto a cristã como a muçulmana, ambos, Maria e o profeta Maomé, recebem a visita do Arcanjo Gabriel que a ambos sopra a Palavra. Esta Palavra em Mohammed tornou-se num livro – o Alcorão – em Maria, tornou-se num homem – Jesus de Nazaré. Pelo que, dizem alguns estudiosos do Islão, Jesus ou o profeta Isa, como é chamado no Islão, é o Alcorão em forma de homem e o Alcorão é Jesus em forma de livro.
Muitos muçulmanos podem convenientemente querer esquecer que, quando Maomé voltou para Meca, deu ordens para que todas as estátuas de ídolos fossem destruídas, mas ele mesmo correu para abraçar e proteger com o próprio corpo a estátua da Virgem Maria com o seu filho Jesus ao colo.
O Islão atual, para marcar as diferenças com o cristianismo, ignora estes factos, mas o certo é que até para a fé muçulmana é o profeta Isa, Jesus, o filho da Virgem Maria, que há de voltar no último dia para julgar os vivos e os mortos.
O cristianismo e o Islão não são irreconciliáveis e Maria podia ser a base comum sobre a qual se estabeleceria a paz e o entendimento, não só entre o cristianismo e o Islão, mas também com o judaísmo.
A virgindade de Maria no Alcorão
Face a estes factos, vejamos a primeira contradição e inconsistência na religião muçulmana – se para a fé Muçulmana, como para nós, Maria a mãe de Jesus é Virgem, quem é o pai de Jesus? É óbvio que não pode ser José, o carpinteiro, pois se é ele Maria não pode ter permanecido virgem.
E se José não é o pai de Jesus e Maria permanece virgem depois de conceber, então a conceção não pode ter sido natural e o pai não pode ter sido humano. Se não é obra humana, só pode ser obra de Deus, e se é obra de Deus então Deus tem um filho e não é como o Judaísmo e o islão o concebe, um Deus solitário, mas sim como o concebe o cristianismo e como nos foi revelado por Jesus Cristo, um Deus amor, expressado e vivido em família ou comunidade, a Santíssima Trindade.
Conclusão: Maria, a mulher judia mais popular de todos os tempos, respeitada e amada pelos muçulmanos como mãe do profeta Isa, venerada e amada pelos cristãos como a mãe do filho de Deus, pode um dia trazer a paz, a harmonia e o entendimento entres as três religiões abraâmicas. Sendo Fátima, o nome da filha preferida de Maomé, este poderia ser o quarto segredo escondido no nome da localidade portuguesa onde a Nossa Senhora apareceu
Pe. Jorge Amaro, IMC
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