15 de janeiro de 2022

Deus só abençoa, a Natureza pode amaldiçoar

Tomo hoje por testemunhas contra vós o céu e a terra; ponho diante de vós a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolhe a vida para viveres, tu e a tua descendência. Deuteronómio 30,19

Autonomia da criação
Influenciados por um sentimento religioso ancestral, quando uma calamidade se abate sobre nós ou sobre os outros, podemos não o afirmar por palavras, mas sempre temos o pressentimento de que foi castigo de Deus, e chegamos a dizer: “Que mal fiz eu a Deus?” “Porque me acontece isto a mim?” Ao que eu respondo às vezes sarcasticamente “E porque não a ti?” A todos nós pode acontecer tudo.

Foi esta ideia que os amigos de Job tentaram inculcar-lhe, “Se toda esta tragédia te sucedeu, perderes a riqueza, a saúde e os teus filhos, é porque fizeste alguma coisa contra Deus que agora te castiga.” Job confessa a sua inocência e, indiretamente, afirma que ninguém está livre de tragédias, desastres, mesmo não tendo infringido nenhuma lei, nem de Deus nem da Natureza.

A criação é autónoma. Deus criou-a e deu-lhe independência e autonomia, como no la deu a nós. Deus que cria a Natureza com as suas leis, não vai ser Ele o primeiro a infringi-las ao intervir caprichosamente contra estas mesmas leis. É certo que já não entendemos a Natureza à maneira da Física de Newton, funcionando mecanicamente como um relógio suíço.

Mesmo entendendo a realidade como hoje a entende a Física Quântica, onde as leis da Natureza não se verificam sempre em todo o momento e em todo o espaço da mesma forma, mas sim segundo uma probabilidade estatística, mesmo entendendo uma Natureza onde há lugar para o acaso, a incerteza e a indeterminação, nada acontece que Deus não saiba e tenha previsto. A criação tem um elevado grau de autonomia, mas não está fora dos desígnios de Deus nem Deus fora dela, pois é imanente, ou seja, está presente no coração de cada coisa que ele criou.

Os castigos de Deus são antropomorfismos humanos
A Bíblia no Antigo Testamento, está cheia de episódios onde Deus aparece como vingativo e castigador: o dilúvio (Génesis 6:9–8:22), a Torre de Babel (Génesis 11:1–9), Sodoma e Gomorra (Génesis 18:20–21, 19:23–28), as dez pragas do Egito, (Êxodo, capítulos 7–12), entre outros.

A verdade é que Deus não castiga ninguém, Deus não sabe castigar, não sabe amaldiçoar, só sabe abençoar, só quer o nosso bem. A imagem que devemos ter de Deus é a que nos transmite Jesus de Nazaré. A do Antigo Testamento é um antropomorfismo, ou seja, uma forma de imaginar a Deus de maneira humana. Uma projeção humana sobre a identidade de Deus. Como eu sou castigador e vingativo, projeto sobre Deus a imagem que eu tenho de mim mesmo.

Os meus planos não são os vossos planos, os vossos caminhos não são os meus caminhos - Oráculo do Senhor. Tanto quanto os céus estão acima da terra, assim os meus caminhos são mais altos que os vossos, e os meus planos, mais altos que os vossos planos. Isaías 55, 8-9

O mal que nos acontece, seja em forma de acidente, calamidade ou doença, nunca é da responsabilidade de Deus nem querido por Ele. Deus que faz chover sobre justos e injustos, (Mateus 5, 45) ama-nos incondicionalmente e não ama os bons mais do que ama os maus, os justos mais que os injustos.

A Natureza castiga
Os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos é que ficaram embotados. Ezequiel 18, 2

O facto de Deus não castigar, não significa que não haja castigos. Toda a boa ação tem um prémio e toda a má ação tem um castigo. Os prémios são dados por Deus em forma de graças concedidas; os castigos são aplicados pela Natureza.

Deus perdoa sempre, os homens perdoam às vezes, a Natureza não perdoa nem esquece. O que fazemos contra a Natureza, seja a nossa natureza humana, individual e social ou a natureza física, será pago por nós ou por alguém.

“What goes around comes around”, como se diz em inglês; tanto o mal como o bem que fazemos têm um efeito boomerang. Como diz o nosso povo “o mal fica com quem o pratica” ou ainda “cá se fazem cá se pagam”.

Tomemos por exemplo o consumo de álcool; o nosso fígado tem capacidade para sintetizar uma certa percentagem de álcool, tudo o que for para além dessa percentagem danifica o fígado e as consequências são sempre nefastas, como sabemos. O pecado é o e-mail, a penitência ou o castigo é o anexo.

O universo astronómico, seja o da natureza física, o da natureza animal ou o da natureza humana, rege-se pelas mesmas regras; ninguém infringe essas regras sem pagar o preço.

A nível individual, portanto, o que fazemos contra a nossa natureza será pago por nós próprios ou por algum descendente nosso; o que é certo é que alguém o pagará. Nada se faz contra a Natureza que não tenha consequências. O castigo ou a penitência segue o pecado, como o anexo de um e-mail.

A temperatura do planeta está a aumentar devida à excessiva concentração de gases carbónicos na atmosfera que evitam que o calor do nosso planeta se disperse. Algumas consequências já são visíveis, mas vão piorar muito se não começarmos a reduzir drasticamente a emissão desses gases.  

Deus adapta-se a nós
Deus escreve sempre direito por linhas tortas.
Não há mal que por bem não venha


Nós partimos o prato, Deus recolhe os cacos e trata de o reparar. Adão e Eva pecaram e Deus não ficou ali impávido e sereno, saboreando a vingança da Natureza que se revoltou contra aqueles que quebraram as suas leis, castigando-os, mas divisou um plano para os salvar.

O filho pródigo abandonou o Pai em busca de uma falsa liberdade, e o Pai deixou-o ir respeitando a sua escolha errada, sabendo muito bem que certas lições só se aprendem experiencialmente, errando antes de acertar.

Por outro lado, não podemos obrigar um adulto a fazer o bem; uma criança que não sabe a diferença entre o bem e o mal, sim, podemos obrigá-la a fazer o bem; para um adulto, no entanto, o bem tem de ser uma escolha sua, não uma obrigação imposta.

Deus que, por respeito à nossa liberdade, nos permite fazer o mal, não tem desejos de vingança como por antropomorfismo nos diz o Antigo Testamento. Pelo contrário, o Deus Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo é um Deus compassivo, nem sequer lento para a ira, mas completamente desprovido dela. Como filhos pródigos longe d’Ele, nunca nos esquece ou perde de vista, está sempre de atalaia a ver se um dia voltamos e, no dia em que voltamos, faz uma festa.

A ovelha deixa de ser ordeira e quer ser ovelha negra. Sai do rebanho, quer ver o que há mais além, descobrir pastos novos, experimentar e perder-se. Mas o pastor não a abandona ante o perigo e, quando supõe que esta está perdida nas suas buscas e quer regressar ao rebanho, o pastor busca-a por vales e valados até a encontrar. Quando a encontra, põe-na aos ombros e alegra-se; ele e os seus amigos fazem uma festa.

Nós homens matamos o Salvador da Humanidade, fomos livres de o fazer, mas Deus que escreve direito por linhas tortas e que tira bem do nosso mal, que se adapta sempre aos nossos erros, buscando a melhor solução para eles, Ressuscitou de entre os mortos para o fazer primicia dos que se salvam.

Deus não quer a morte do pecador. Perante o nosso mal, mesmo o merecido, busca sempre formas de nos salvar das situações em que nos colocamos ou nos colocam os outros ou a natureza. Isto acontece porque Deus é a regra suprema e tudo Lhe está submetido por muito tortos que sejam os nossos caminhos.

Deus, que por nos amar respeita a nossa liberdade e as nossas más escolhas, deixa-nos entrar no túnel do erro e espera ansiosamente por nós à saída. E se vê que não saímos e estamos em apuros, sempre que O invocamos, aparece-nos na hora H com o sétimo de cavalaria para nos salvar dos palpos de aranha onde nos colocámos.

Conclusão: Deus sempre perdoa e esquece, abençoa e não castiga; pelo contrário, a Natureza não perdoa nem esquece e sempre castiga.

Pe. Jorge Amaro, IMC



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