1 de janeiro de 2023

Rosário, a oração do povo

Rosário ou terço?
Em Portugal chama-se terço ao que nos demais países se chama rosário. O que nós rezávamos, de facto, era um terço do rosário que, completo, seriam três terços, somando o total de 150 ave-marias. 150 é também o número de Salmos do livro com o mesmo nome que faz parte da literatura sapiencial do Antigo Testamento.

Daí alguém dizer que o rosário completo era o breviário do povo ou dos leigos que não podiam, como os clérigos e os religiosos, rezar os salmos porque não tinham os livros, nem tempo e frequentemente não sabiam ler.

O rosário completo era, portanto, constituído por três terços que se rezavam meditando, no primeiro, nos Mistérios Gozosos, que correspondiam ao nascimento e infância de Jesus; no segundo, nos Mistérios Dolorosos, que correspondiam à Sua Paixão e Morte; no terceiro, nos Mistérios Gloriosos que correspondiam à sua Ressurreição e Ascensão aos Céus. O termo “terço” designa ao mesmo tempo a oração e o objeto com as 50 contas com o qual rezar. Chegaram a fazer-se terços de 150 contas, ou seja, com o rosário completo.

A Igreja tardou em descobrir que o rosário estava incompleto com tão só a meditação dos mistérios da encarnação nascimento, paixão e morte e ressurreição do Senhor. Faltava a vida pública na qual Jesus de Nazaré, pela sua pregação, as suas atitudes e forma de viver e atuar, modela para nós o homem novo, aquele que é, em si mesmo, o caminho, verdade e vida à qual está chamado todo o ser humano.

Com a criação e integração dos Mistérios Luminosos pelo Papa João Paulo II numa carta apostólica intitulada Rosarium Virginis Mariae, escrita em 2002, a lógica dos três terços serem um rosário completo desfez-se. O rosário completo são agora quatro “terços” de 50 ave-marias cada um, perfazendo o total de 200 e não de 150 como antes.

Origem e história do rosário
Como instrumentos de oração, as contas do rosário têm a sua origem na Índia, no terceiro século antes de Cristo. No cristianismo, foram os padres do deserto do terceiro e quarto séculos que começaram a usar um instrumento de contagem de orações, sobretudo do Pai-Nosso.

Por outro lado, na antiguidade os gregos e os romanos costumavam coroar, com uma coroa de rosas, as estátuas dos seus deuses como prova de amor e gratidão. Talvez baseadas nesta tradição, as mulheres cristãs que eram levadas ao martírio iam vestidas a rigor, levando nas suas cabeças uma coroa de rosas, como símbolo de alegria e entrega, caminhando ao encontro do esposo, Cristo. Depois do seu martírio, os cristãos recolhiam estas coroas e rezavam pela alma das mártires uma oração por cada rosa.
 Lúcia e Jacinta de Fátima gostavam de usar flores no cabelo. No dia das aparições, os três pastorinhos vestiam as melhores roupas que tinham, como se fossem à missa de Domingo; as duas meninas colocavam flores no cabelo, em especial Jacinta, que foi fotografada usando uma coroa de rosas na cabeça por ocasião das aparições.

A oração do rosário surge no ano 800 à sombra dos mosteiros, como saltério dos leigos. Foi só no ano 1214, no entanto, que a Igreja recebeu o rosário na sua forma presente. A tradição diz que foi dado à Igreja por S. Domingos de Gusmão que, por sua vez, o recebeu da Virgem Maria como arma poderosa contra os inimigos da fé.

O rosário ganhou grande pujança depois da batalha naval de Lepanto, na qual os cristãos venceram os turcos, eliminando para sempre o perigo de os muçulmanos subjugarem o cristianismo. Antes da batalha, o Papa Pio V pediu aos cristãos que rezassem o rosário para apoiarem a frota cristã, pelo que depois da vitória, foi instituída a festa da Senhora das Vitórias no dia da batalha, a 7 de outubro de 1571, mais tarde mudada para Senhora do Rosário. Hoje, todo o mês de outubro se chama o mês do rosário.

O terço como objeto religioso
As contas do rosário nasceram como puro objeto de contagem porque é difícil contar mentalmente 50 ave-marias ou 10 em cada mistério. Com o tempo, o que era puro objeto de contagem começou a ser um objeto religioso e muitos cristãos, como fazem com outros objetos religiosos, fazem-nos benzer por um sacerdote.

Os objetos religiosos devem ser ícones, devem transportar a nossa mente e o nosso coração para além deles próprios; ou seja, é mais importante o que um objeto religioso significa ou representa do que o que verdadeiramente é, em si mesmo, e do que o material de que é feito.

Na vida prática, porém, muitos cristãos não fazem a distinção entre ícone e ídolo, ou seja, objeto que tem valor em si mesmo, como por exemplo um corno, uma chave, uma ferradura ou outros amuletos, objetos aos quais os supersticiosos conferem um certo poder.

Esta superstição é uma reminiscência do animismo, primeira etapa da evolução do sentimento e pensamento religiosos, durante a qual os seres humanos primitivos pensavam que todas as realidades e objetos tinham uma alma. Hoje sabemos que um objeto material não pode ter poder psíquico ou espiritual porque é material. Assim, não há objetos que deem sorte e outros que deem azar, um gato preto é simplesmente um gato preto e não existem casas assombradas, mas sim pessoas assombradas.

Tem-se dito que o terço é uma arma. Sim, é uma arma a oração do terço e o objeto de contagem é assim considerado na medida em que representa esta oração; mas não é uma arma em si mesmo. Provavelmente, poderia ser considerado idólatra aquele que enrola o terço no espelho retrovisor do carro sem nunca rezar o rosário.

Pessoalmente, a grande maioria das vezes que rezo o terço, faço-o sem o objeto de contagem pois o faço caminhando pelo parque ou até mesmo correndo ou deambulando de um lado para o outro. Neste caso, o meu objeto de contagem são as 10 contas naturais que Deus nos deu nos dedos das mãos.

Visitações de Nossa Senhora e exortação à recitação do rosário

As aparições marianas, em especial a de Fátima, no seu insistente apelo a rezar o rosário todos os dias, fizeram desta prática um distintivo dos católicos, em contraposição com o resto da cristandade, como os ortodoxos e os protestantes.

O rosário e Fátima
Nas aparições de Fátima, Nossa Senhora pediu aos pastorinhos que rezassem o rosário, todos os dias, não numa ou duas aparições, mas em todas as ocorridas em 1917, e também nas que ocorreram em Tuy e Pontevedra à irmã Lúcia. Quando perguntaram à irmã Lúcia por que a Nossa Senhora pediu insistentemente que se rezasse o rosário todos os dias e não qualquer outra oração, Lúcia respondeu “Porque o rosário é uma oração acessível a todos, pequenos e grandes, sábios e ignorantes”.

Naquela região, e um pouco por todo o Portugal, a recitação do rosário era parte integrante dos serões da província, antes ou depois da ceia, ao calor da lareira, o pai ou a mãe liderava a recitação e ninguém pedia a bênção do pai e da mãe e se ia deitar antes de terminar, mesmo que o sono já fizesse cair as cabeças.

Família que reza unida, mantém-se unida. A Televisão, qual cavalo de Troia, veio perturbar a candura e harmonia do lar e o terço foi substituído pelas telenovelas. A família já não reza junta como família; a oração pertence agora só ao âmbito individual e privado, tal como qualquer outra prática religiosa que deixou o âmbito social para ser relegada para o privado e individual. Talvez esta seja uma das razões pelas quais somos um dos países com uma das mais altas taxas de divórcio: 70%. A TV apanha as pessoas à noite cansadas, sem energia nem para pensar e, neste tempo sentados no sofá é quando são mais vulneráveis e manipuláveis.

No jornal, temos a opção de escolher as notícias, no telejornal não temos opção de escolha, recebemos o que nos derem e o que nos dão não é a notícia dos factos, mas uma interpretação dos factos com um objetivo. Os meios de comunicação de massa criam um pensamento único, fazem com que todos pensem o mesmo sobre o mesmo.

Os pastorinhos já rezavam o rosário, mas depressa passaram a rezá-lo como a Senhora queria. Em especial Francisco, a quem a Senhora disse que tinha de rezar muitos terços para ir para o Céu.

Com efeito, o terço identificou Francisco na sua vida, pois havia dias que rezava dez terços, e também identificou as suas ossadas quando o seu corpo foi exumado. Entre tantas ossadas enterradas na mesma sepultura comum, o Ti Marto, pai de Francisco, identificou os ossos do seu filho, pois agarrado a eles estava o rosário ainda intacto que o Francisco usava.

Penitência e oração, pediu Maria em Fátima, tanto por nós como pelos outros. O rosário catapulta-nos para a contemplação do Mistério de Deus, sobretudo do Verbo incarnado. Por isso, meditando ou não meditando, distraídos ou não, os que amam profundamente o rosário e não deixam passar um dia sem o recitar, são, “ipso facto”, verdadeiramente pessoas de oração.

Pe. Jorge Amaro, IMC



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