Agora, pois, permanecem a Fé, a Esperança e o Amor, destas três, a mais importante é a Caridade.
1 Coríntios 13, 13
Os tratados clássicos dividem as virtudes em dois grupos: as humanas ou adquiridas e as divinas ou infundidas. Entre as virtudes adquiridas, distinguem-se principalmente quatro: Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança. Entre as virtudes infundidas estão a Fé, a Esperança e a Caridade, também chamadas de teologais, porque não são o resultado do esforço humano, mas um dom infundido por Deus nos seus filhos.
Eu, porém, entendo que nem as humanas são puramente humanas, pois sempre estamos sob a influência da Graça divina, nem as divinas são puramente divinas pois o consentimento e o esforço humano são sempre requeridos. A este propósito, Sto. Agostinho dizia que tudo o que fazemos de bom é por graça de Deus, ou seja, como um dom.
Fé – É atitude, convicção ou crença na existência de um Ser Supremo que é, ao mesmo tempo, imanente e transcendente e que se revelou historicamente em Jesus de Nazaré, Seu filho único, que viveu entre nós, morreu, ressuscitou e subiu aos Céus para nos preparar um lugar, deixando-nos o Espírito Santo para nos guiar e acompanhar no caminho até esse lugar. A Fé relaciona-nos com Deus.
Esperança – Mais que a atitude de confiança razoável ante a incerteza do futuro, a nossa Esperança tem um nome, é a salvação que Deus nos promete e nos oferece em Jesus Cristo, Seu filho. A Sua ressurreição de entre os mortos faz da morte uma passagem para o além e não um destino final. A Esperança relaciona-nos connosco mesmos, respondendo à nossa inquietude interior.
Caridade – É a virtude que regula a nossa ação e a forma como nos situamos na vida em relação à criação e aos outros homens. A Caridade regula o quanto eu faço parte da vida dos outros e os outros fazem parte da minha vida. A Caridade coloca-nos em relação com os outros: valho na medida em que sirvo; quem não vive para servir não serve para viver.
As virtudes na Trindade, a Trindade nas virtudes
A Fé em Deus Pai abre-nos à Esperança que encontramos no Filho pela sua ressurreição e motiva um presente de Caridade, fazendo-nos ver a Cristo em cada irmão. E quem vê o Filho vê o Pai, como Jesus disse a Filipe. A Esperança é a filha unigénita da mãe Fé, como Cristo é Filho de Deus Pai e, tal como o Espírito Santo procede do Pai e do Filho, assim a Caridade procede da Fé e da Esperança.
Deus Pai é a nossa Fé, criador do Céu e da Terra, é o nosso passado, a nossa memória histórica, é o nosso Pai, é Ele quem explica o nosso ser. Deus Filho, historicamente Jesus de Nazaré, é a nossa Esperança, nele temos um irmão mais velho que viveu, morreu e ressuscitou, abrindo-nos as portas do Céu e uma saída airosa desta vida. O Espírito Santo que procede do Pai e do Filho, é a Caridade que procede da Fé e da Esperança.
Se a Fé e a Esperança são pensamento e sentimento, a Caridade é ação; é a forma como ocupamos o nosso lugar no mundo durante o tempo que Deus nos deu de vida. Para o exercício desta virtude, precisamos da pessoa de Deus que veio para ficar, o Espírito Santo que habita em nós em forma de sete dons ou talentos, e que nos inspira, guia e alenta no aqui e agora das nossas vidas e no caminho de regresso ao Pai.
As virtudes e o tempo
Ó tempo volta para trás /Traz-me tudo o que eu perdi /Tem pena e dá-me a vida/A vida que eu já vivi.
Manuel Paião 1984
Quando já vivemos alguns anos, o passado começa a ser maior que o futuro; as memórias deste passado afloram à mente mais que os projetos do futuro. Posso entender o autor da canção acima citada no sentido de que a lembrança das alegrias e prazeres do passado causa tristeza no presente; a saudade como lembrança de prazeres do passado não é um sentimento alegre, mas triste.
Ao contrário, a lembrança dos sacrifícios passados a nível individual para atingir um ideal a nível comunitário quando nos dedicámos a alguém, quando colocámos a nossa vida ao serviço de uma causa, traz-nos alegria ao presente. É como se ainda estivesse a acontecer: a alegria da vitória das batalhas vencidas no passado ainda se repercute e faz sentir no presente, dando um impulso à nossa autoestima e fazendo-nos dizer, “Valeu a pena…”
A vida humana é espácio-temporal, ou seja, ocupamos um espaço, o nosso lugar no mundo, o nosso ser e a forma de estar, o nosso papel no conjunto da História da humanidade, durante um tempo. Este tempo é, como tudo, tridimensional, ou seja, subdivide-se em passado, presente e futuro. Estes três tempos são interativos, ou seja, nem o futuro é só sobre o futuro, nem o passado só sobre o passado, nem o presente lida só com o aqui e agora. Os três são reais, os três estão vivos, os três auto- influenciam-se e coexistem.
Tanto os três tempos como as três virtudes são interativos como dissemos. Porém, cada virtude tem mais que ver com um tempo que com o outro. É claro que a Esperança tem que ver com o futuro, esse é o seu conteúdo, sendo a Fé projetada no tempo, no futuro. A Caridade deve ocupar o nosso presente e a Fé é a virtude que inspira o nosso passado.
2 Timóteo 4, 7 – “Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a Fé”. A Fé vem do passado para nos dar autoestima, um sentir que valeu a pena, que não foram em vão as nossas lutas. A Esperança vem do futuro para nos dizer “não tenhas medo”; a Caridade surge do presente para nos dar as prioridades que nos vencem o stress ao dizer, “buscai PRIMEIRO o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o resto vos será dado por acréscimo”. (Mateus 6, 33)
Gramaticalmente, a nossa existência não se define num presente simples gramatical; também não nos serve um gerúndio simples. O tempo gramatical que mais reflete o que a nível da existência nos acontece será uma mistura de presente perfeito com gerúndio. Aplicando este tempo à citação de S. Paulo seria “venho mantendo a Fé”. No presente perfeito a ação começou no passado, continua no presente que se abre ao futuro.
A Fé e o passado – entre a depressão e a autoestima
Um psiquiatra disse que o cristão deve ter uma fraca memória do passado. Eu não diria que devemos esquecer o que no passado nos correu mal para poder viver sem depressão e com um mínimo de autoestima. O que precisamos de ter para com o nosso passado é uma visão benevolente, devemos reconciliar-nos com ele e com todas as pessoas que dele fizeram parte, incluindo nós mesmos, é claro. O passado passou é certo, mas continua a ser reinterpretado no presente.
Certos factos que dele fizeram parte já tiveram várias interpretações ao longo da nossa vida. À medida que conhecemos mais de nós mesmos, ou seja, que temos uma visão de conjunto da nossa vida, mais facilmente é possível encaixar de forma positiva cada facto negativo da nossa vida passada. Não há males que por bem não vieram, e Deus escreveu direito nas linhas tortas da nossa vida.
Devemos ser capazes de entoar o nosso Félix Culpa sobre o nosso passado para que este venha ao nosso presente de forma positiva e não de forma negativa, perseguindo-nos. Como Júlio Verne na sua viagem ao centro da Terra, nós temos de viajar ao nosso passado para o inundar com a luz do nosso presente (onde não entra o sol, entra o médico) e assim evitar que este invada o nosso presente de forma sub-reptícia, clandestina e negativa.
O que conhecemos de nós mesmos, do nosso passado, podemos controlar; o que não conhecemos de nós mesmos, controla-nos a nós. Por isso é necessária esta viagem de peregrinação do presente ao passado. Ao voltar ao presente depois desta viagem ao passado, sou capaz de estabelecer a Fé como o fio condutor da minha vida; tal como num colar de pérolas, este fio aglutina cada um dos factos do passado de uma forma harmoniosa que explica positivamente como cheguei a ser o que sou hoje.
Este fio que aglutina todos os factos de uma forma positiva é a nossa Fé em Cristo, centro, origem e destino das nossas vidas. Tal como a Terra à volta do Sol, o nosso ano (litúrgico) é passado à volta da Sua pessoa e da sua Palavra, desde o Seu nascimento até à Sua Ascensão aos Céus, num movimento helicoidal do passado para o futuro.
Isto faz de cada Natal, cada Páscoa e cada Pentecostes acontecimentos sempre velhos e sempre novos; onde eu estava no Natal do ano passado não é onde estou agora. Por isso, cada festa é sempre a mesma e sempre diferente neste caminhar helicoidal à volta de Cristo para o futuro.
A Esperança e o futuro – entre a ansiedade e a Esperança
«Não vos preocupeis, dizendo: “Que comeremos, que beberemos, ou que vestiremos?” (…) o vosso Pai celeste bem sabe que tendes necessidade de tudo isso. Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais se vos dará por acréscimo. Não vos preocupeis, portanto, com o dia de amanhã, (…) Basta a cada dia o seu problema.» Mateus 6, 31-34
Desde o momento em que somos adotados por Deus como filhos, não devemos preocupar-nos. As crianças vivem ocupadas e procuram estar sempre ocupadas, mas não preocupadas. Deixam para os pais as preocupações, são eles que devem preocupar-se com o bem-estar da criança. Assim deve ser a nossa relação com Deus nosso Pai: devemos andar ocupados com os assuntos do Reino de Deus e deixar para Ele o nosso sustento, o nosso vestir, o nosso futuro.
Como já referimos noutros textos, o homem bíblico caminha para o futuro de costas, guiando-se pelo passado. À medida que caminhamos de costas para o futuro, ampliam-se os horizontes e cada facto particular é visto e colocado à vista do geral como uma peça de um puzzle. Por outro lado, esse mesmo passado fornece-me os instrumentos de navegação para o futuro. No mar, tanto sobre a água como debaixo dela os submarinos não se guiam pela vista, mas pelos instrumentos; o mesmo acontece com os aviões no ar. O nosso passado são os instrumentos de navegação para o futuro pois, por mais que queiramos, desconhecemos o futuro; mas como é conhecido por Deus, nele confiamos.
(…) se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa Fé. 1 Coríntios 15, 14
De onde vimos, para onde vamos e que sentido tem a nossa vida são as perguntas que todo o ser humano se faz desde o momento que se conhece como pessoa. Cristo é a única resposta cabal a estas perguntas.
Em Cristo pomos a nossa Esperança de que a nossa morte é um nascimento para a vida eterna, não o fim da vida, uma morte eterna. É este futuro que dá sentido ao nosso presente e, sem este futuro, nada do presente faria sentido. Se, como creem os ateus e agnósticos, vimos do nada e caminhamos para o nada, se nada é o princípio e nada é o fim, como pode ser o meio algo com sentido? Como pode ter sentido algo que começa em nada e acaba em nada?
Sem futuro, o presente é nauseabundo por mais prazenteiro que seja. Assim o experimentou Sartre, Nietzsche antes dele e Camus depois dele: “se vens do nada, não há Fé, se vais para o nada, não há Esperança o mais certo é que não haja Caridade pelo que a vida carece de sentido, é nauseabunda.
Sei em quem confiei. 2 Timóteo 1, 12
Não caminhamos para o ocaso das nossas vidas, mas para a aurora da vida eterna. Por isso, por mais felizes que estejamos, o melhor está para vir; por mais sofrimento que tenhamos, decrépitos, limitados, enfermos e velhos, o melhor está sempre para vir, não é aqui nas circunstâncias e vicissitudes do aqui e agora que colocamos a nossa confiança, pois sabemos que não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a futura (Hebreus 13,14)
A Caridade e o presente – entre o stress e a tranquilidade
«Vinde a mim, todos os que andais cansados e oprimidos, que Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para o vosso espírito. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.» Mateus 11, 28-30
Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os construtores. Se o Senhor não guardar a cidade, em vão vigiam as sentinelas. De nada vos serve levantar muito cedo e trabalhar pela noite dentro, para comer o pão de tanta fadiga, pois, até durante o sono, Ele o dá aos seus amigos. Salmo 127, 1-2
O nosso presente pode ser invadido pelo remorso do passado ou pelo medo, preocupação e ansiedade pelo futuro. Desta forma, ficamos stressados, desorientados, paralisados, sem saber para onde ir e o que fazer, como Marta (Lucas 10, 38-42) que andava de um lado para o outro como uma barata tonta.
O Mestre chama-nos a ir a Ele, a aceitar o Seu jugo, a Sua lei, a Sua forma de proceder e fazer as coisas e assim encontraremos descanso. É o Senhor que guarda a cidade: não é por muito madrugar que amanhece mais cedo. Tudo o que devemos fazer é não guardar para amanhã o que podemos fazer hoje.
A prioridade é o reino de Deus e a sua justiça, tudo o resto vem depois. Muitas vezes nos damos conta de que fomos varrer a casa dos outros e, ao regressar, encontrámos a nossa casa varrida. É ajudando os outros que nos ajudamos a nós mesmos. É ajudando a solucionar os problemas dos outros que encontramos os nossos magicamente resolvidos. Por isso, os outros não vêm aumentar o nosso stress, vêm eliminá-lo. É isso que significa “buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça que o resto se vos dará por acréscimo”.
Quando pedires um favor, pede a quem está ocupado, e não a quem está desocupado, pois te dirá que tem muito que fazer. O problema do stress é, fundamentalmente, um problema de prioridades. Muitas vezes autossabotamo-nos, quando cheios de stress nos colocamos a fazer primeiro o menos prioritário, colocando de lado e adiando de forma compulsiva o que verdadeiramente conta.
Fátima Trinitária: Meu Deus eu creio, adoro e amo-Vos…
Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-Vos. / Peço-Vos perdão para os que não creem, / não adoram, não esperam, e não Vos amam.
A vidente e “evangelista” de Fátima, Lúcia, disse ao então cardeal Ratzinger, que o objetivo “prático” de todas as aparições era fazer crescer o povo de Deus nas virtudes teologais da Fé, Esperança e Caridade, que estão presentes na mensagem desde a primeira oração ensinada pelo Anjo: “Meu Deus eu creio, adoro, espero e amo-Vos…”
Uma oração simples e singela, mas completa; um convite ao cristão a viver as três dimensões do tempo humano, Passado – Presente – Futuro, inspirando-se nas três virtudes teologais, Fé – Esperança – Caridade. A vida humana decorre exclusivamente no presente; um presente que, quando está cheio de Caridade, inspirada no passado da Fé dos nossos pais, se torna em razão da Esperança que nos projeta para o futuro, sem medo nem ansiedade.
A virtude da Fé: “Eu Creio” – A Fé é a pedra filosofal que nos faz ver a vida e a realidade com outros olhos. A Fé é um passo que damos para além do que é racional e razoável; é um risco, uma decisão, uma opção fundamental. É a chave que abre a porta da Salvação, Salvação esta que significa Céu para o futuro mas que, no presente, no aqui e agora, se traduz em paz, felicidade e sentir-se bem, física, espiritual, psicológica e moralmente.
A virtude da Esperança: “Espero” – A virtude teologal da Esperança é a Fé projetada no futuro que confere um sentimento de segurança no momento presente. O cristão não precisa de ansiolíticos porque não tem ansiedade; perfeitamente ancorado na Fé que se traduz, no presente, no aqui e agora, em Caridade para com Deus e o próximo. “Quem não deve não teme” diz o provérbio; o cristão não teme porque não está em dívida com ninguém, nem com Deus, nem com os homens.
A Fé também assegura aos cristãos que, por pior ou melhor que seja o momento presente, tudo é passageiro e a sua história terá um final feliz. O final da sua história já está assegurado na morte e Ressurreição do Senhor. Se temos a Fé que nos permite acreditar que até os cabelos da nossa cabeça estão contados, como diz o evangelho, vivemos na certeza de que ainda que o momento presente possa ser de sofrimento e angústia, o melhor está para vir e a nossa história terá um final feliz. Assim sendo, o medo e a ansiedade desaparecem e os altos e baixos da nossa vida são vividos na Esperança e na Fé na providência divina e não no temor.
“Por fim o meu coração Imaculado triunfará” – Nesta Fé e nesta Esperança viveram os pastorinhos; em especial, Lúcia, que em breve ia perder a companhia dos seus primos. Ao aperceber-se que ia ficar sozinha no mundo, Lúcia deve ter sentido uma enorme tristeza, o que levou a Senhor a perguntar-lhe: “E tu sofres muito por isso”? De seguida, a modo de consolo e conforto disse, “O meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá a Deus”, ou ao Céu que já lhe tinha sido prometido a ela, a Jacinta e a Francisco logo na primeira aparição.
A virtude da Caridade: Adoro… e amo-Vos – Só vivemos no presente, inspirados no passado e confiantes no futuro. O presente da nossa vida deve ser cheio de Caridade; a Caridade, o Amor, só podem ser vividos no momento presente. “Não guardes para amanhã o que podes e deves fazer hoje”. As boas intenções não salvam ninguém, nem a nós mesmos. A Caridade não pode ser projeto, mas ação no momento presente. A Caridade não pode ser adiada.
Adoro - O momento presente deve ser cheio de amor a Deus. Encontrar tempo e buscar um lugar para estar com Ele, como Jesus fazia e como Francisco de Fátima também fazia, isolando-se das suas companheiras, detrás de algum cabeço ou matorral, ou passando o tempo da escola na Igreja de Fátima, consolando o Deus escondido.
Amo-Vos – Quando amamos a Deus de todo o coração como Pai, olhamos para o outro com outros olhos; já não é o nosso inimigo, o nosso rival a quem tememos ou invejamos, mas sim o nosso irmão a quem desejamos todo o bem do mundo. Neste sentido o amor a Deus não existe sem o amor ao próximo e vice-versa, por isso, para Jesus, os dois fazem parte de um único mandamento do amor.
Três virtudes, três Papas
Há quem queira ver uma encarnação das virtudes teologais na vida dos três últimos papas da Igreja. João Paulo II, o que transpôs o umbral do terceiro milénio, é o papa da Esperança; Bento XVI, que escreveu uma encíclica sobre a Fé, proclamou o ano da Fé e toda a sua vida como teólogo se debateu pela razoabilidade da Fé, é, consequentemente, o papa da Fé; o Papa Francisco, pelo nome que escolheu, pelas suas palavras e gestos, o Papa da Caridade.
FÉ
Confia no Senhor de todo o teu coração, e não te estribes no teu próprio entendimento. Reconhece-o em todos os teus caminhos, e ele endireitará as tuas veredas. Provérbios 3, 5-6
Ora, a fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos. (…) sem fé é impossível agradar-lhe; porque é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe, e que é galardoador dos que o buscam. Hebreus 11, 1, 6
Andamos pela fé não pela vista. 2 Coríntios 5,7
Ter Fé é assinar uma folha em branco, e deixar que Deus escreva o que quer. Sto. Agostinho
A Fé – um sexto sentido – transcende o intelecto sem contradizê-lo. Gandhi
A primeira das três virtudes é a base para as outras duas. Fé era, na mitologia romana, a deusa da confiança, filha de Saturno e Opis. Ter Fé significa acreditar, confiar, apostar, aderir a uma pessoa ou grupo de pessoas ou a uma doutrina. Acreditar, crédito, significa o mesmo que fiar-se, mas tem uma raiz etimológica diferente, pois o conceito de crer deriva de cor que em latim significa coração; colocar a mão sobre o coração é um ato simbólico que significa crer, confiar e até comprometer-se, ser leal, fiel.
Fé é a aceitação mental da verdade de uma doutrina, afirmação ou existência de um Ser Supremo, para a qual não há certezas imediatamente constatáveis. De maneira semelhante, a Bíblia define, por sua vez, a Fé em Hebreus 11, 1 como sendo, o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não veem.
A Fé é um salto razoável preparado racionalmente, como quem caminha no seu caminho e chega a um ponto que tem de saltar para o lado de lá do precipício; Fé é um salto para o futuro ou um ver a realidade presente a partir de um futuro hipotético não presente. Fé é navegar no mar ou no ar ou debaixo do mar sem a visão do caminho ou rota que percorremos. Fé tem a criança que se lança no ar para os braços expectantes do seu pai ou mãe.
Do ponto de vista do conhecimento, a Fé não pertence à análise nem ao conhecimento lógico dedutivo, a Fé tem mais que ver com a síntese e com o conhecimento intuitivo. Ter Fé é intuir que algo está certo sem todas as garantias; é passar um cheque em branco, é emprestar dinheiro ou um livro e acreditar que ele volta. Fé é apostar e arriscar.
A teoria da relatividade geral de Einstein foi durante muito tempo um objeto de Fé; nascida de uma intuição do seu fundador, só há bem pouco tempo começámos a ter provas da veracidade desta teoria. A nova física quântica que admite realidades invisíveis e imperecíveis contradiz e é bem diferente da física mecânica de Newton, onde a realidade parecia funcionar na perfeição, como um relógio suíço
Racional, irracional, razoável
Muitos cientistas que olhavam para a Fé como superstição, com a teoria da relatividade e nova física quântica são obrigados a reconhecer que nem todo o conhecimento científico é lógico-dedutivo e suscetível de ser comprovado empiricamente no imediato. Estes cientistas são dualistas pois, entre o racional da ciência e o irracional da superstição, não reconhecem um conceito intermédio razoável, plausível humanamente entendível.
Fides quarens intellectum – A grande máxima de Sto. Anselmo fala da Fé como forma de conhecimento que capacita o intelecto a ir mais além de si mesmo, a saltar para o outro lado se não houver caminho para lá chegar. A Fé não é irracional pois se esforça por entender, não é de imediato comprovável como muita ciência do nosso tempo, por isso é razoável.
O concílio Vaticano I define de facto a Fé como um obséquio razoável. Razoável é a mistura do racional com o irracional. Ter Fé é ler os sinais dos tempos, detalhes impercetíveis que nos indicam que algo está para acontecer. Nós os humanos só sabemos do fogo quando vemos o fumo, os animais da selva sabem que há um fogo por perto muito antes de verem ou cheirarem o fumo. Em muitos outros fenómenos atmosféricos e da natureza, os animais são muito intuitivos para se protegerem dos desastres que estão eminentes.
A Fé identifica-nos com um passado
O património da humanidade não é constituído só pelos monumentos históricos, mas por tudo o que a raça humana é e fez ao longo dos 5 milhões de anos da sua existência neste planeta. Tudo isto está geneticamente incorporado no ADN de cada criança que vem a este mundo, é algo assim como o inconsciente coletivo de Jung, é parte de nós e define-nos como tal. Tudo isso é passado.
“Libris ex libris fiunt”, quando quero criar algo novo, em qualquer campo do saber, tenho que pesquisar sobre o que já foi feito naquela matéria, para assim agregar o fruto do meu trabalho. Só Deus tem a capacidade de criar do nada.
A Fé num Deus pessoal, Criador de tudo e de todos, que se revelou pelos profetas e depois no Seu Filho, que nos enviou o Espírito Santo, já tem uma história. A minha adesão a esta Fé leva-me a fazer parte desta história e dá-me identidade e sentido de pertença a um povo e uma comunidade.
O mesmo sucede a nível individual. Sei o que sou e do que sou capaz ao olhar para trás, e ver o desempenho dos meus talentos e dos meus defeitos nas diversas circunstâncias que a vida me atirou ao longo da minha história pessoal. É a aprovação desse passado que me dá o sentido de autoestima de que preciso para me relacionar adequadamente comigo mesmo, com Deus, com os outros e com o meu ambiente. Se estou apanhado pelo meu passado, refém do meu passado, não estou livre para os outros nem para Deus.
Até Deus que vive na eternidade, fora do espaço e devir do tempo, para se apresentar aos homens, fez-se valer da sua convivência com eles no passado, apresentando-se a Moisés como sendo o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob…
ESPERANÇA
(…) pela esperança que vos está reservada nos céus, da qual ouvistes falar quando vos foi anunciada pela palavra da verdade, o Evangelho. Colossenses 1:5
Lembrando-nos sem cessar da obra da vossa fé, do trabalho do amor, e da paciência da esperança em nosso Senhor Jesus Cristo, diante de nosso Deus e Pai, 1Tessalonicenses 1, 3
Tendo iluminados os olhos do vosso entendimento, para que saibais qual seja a esperança da sua vocação, e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos; Efésios 1, 18
Mantenhamo-nos firmes na confissão da nossa esperança; porque fiel é o que prometeu. Hebreus 10,11
É provável que o Senhor tenha criado a esperança no mesmo dia em que criou a primavera. Bern Williams
Eles não sabem nem sonham /Que o sonho comanda a vida /E que sempre que o homem sonha
O mundo pula e avança /Como bola colorida /Entre as mãos duma criança António Gedeão
Enquanto há vida há esperança. Marcus Tullius
A segunda das três virtudes é filha da Fé, tal como Jesus Cristo é Filho Unigénito do Pai e de facto é n’Ele que se firma a âncora da nossa Esperança. Como afirma taxativamente S. Paulo, “se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa Fé, (1 Coríntios 15,14); tudo se desmorona como um baralho de cartas, se Cristo não ressuscitou, toda a nossa vida carece de sentido e de fundamento como um castelo de areia. Cristo é a única garantia de vida para além da morte porque Ele mesmo passou esse umbral, não como Deus que era, mas como homem no qual se encarnou, Jesus de Nazaré.
A mensagem de Jesus não trata de configurar só o nosso presente e salvar o nosso passado, tem que ver também com o futuro porque é acerca de algo que já está aqui, mas ainda não na sua totalidade: o Reino de Deus. É o projeto da construção do Reino que liga o passado, o presente e o futuro, que nos leva a caminhar numa dinâmica arquétipo de Egito, deserto, terra prometida.
A Esperança cristã é a virtude pela qual desejamos e trabalhamos pelo reino dos Céus e pela vida eterna. Colocando a nossa Fé em Cristo e nas suas promessas, apoiamo-nos nas nossas forças, mas também na ajuda complementar do Espírito Santo. A Esperança cristão é o cumprimento de tudo o que Deus prometeu ao seu povo desde Abraão.
A Esperança projeta-nos no futuro
Obstinado o burro, como não queria andar, o moço atou uma cenoura, na ponta de um cordel, que pendurou num pau, depois montou no burro e colocou a cenoura dois palmos à frente do focinho do burro. Na esperança de trincar a cenoura, o burro lá ia andando, não se dando conta de que a cenoura também se deslocava.
A Esperança é a Fé com rodas; a Fé dinâmica que nos projeta no futuro. Todos precisamos de uma “cenoura” para caminhar. O sonho é o motor da vida; não está no presente, o que inspira o nosso presente.
Martin Luther King foi um daqueles que, projetado no futuro, hipotecou a sua vida na luta pela igualdade entre brancos e pretos; um sonho que ele sabia que não se realizaria na sua vida. No dia anterior ao seu assassinato, inspirando-se em Moisés que depois de 40 anos a caminhar pelo deserto viu a Terra Prometida, na qual não entrou, desde o alto do Monte Nebo disse: “Estou grato a Deus porque me concedeu ver a Terra Prometida, posso não entrar nela convosco, mas estou certo de que nós, como povo, um dia entraremos nela.”
Para quem não sabe para onde vai, não há ventos favoráveis - Só se vive com sentido no presente se este estiver impregnado de futuro. Viver um presente sem a presença do futuro é andar à deriva. E quando o presente é doloroso, é a Esperança num futuro melhor que nos ajuda a suportá-lo.
Acerca do Reino de Deus os teólogos dizem que “já” está presente no meio de nós, desde que Cristo o trouxe, “mas ainda não” na sua plenitude. Parafraseando esta ideia, podemos dizer que: enquanto que a fé nos ajuda a olhar para o presente como um “já”, a Esperança leva-nos a olhar para esse mesmo presente com um ainda como um “ainda não” na sua plenitude.
Esperança ajuda-nos a desinstalar-nos do presente e a continuarmos a caminhar sabendo que, por melhor que estejamos, este não é ainda o Reino. A Esperança que nos traça o rumo do futuro dá-nos uma meta, um caminho a percorrer, um saber para onde ir.
“Não há mal que sempre dure, nem bem que sempre ature” - É a Esperança que nos desinstala do presente quando este é risonho, dizendo-nos que ainda não chegámos, e é a Esperança que nos tira do desespero de uma situação presente. A vida é feita de altos e baixos, tal como o eletrocardiograma e o eletroencefalograma. A Esperança faz com que não percamos a cabeça nos altos e não nos desesperemos nos baixos.
Nem todos os otimistas têm Esperança, mas todos os que têm Esperança são otimistas; não olham para a garrafa meia vazia, mas sim meia cheia. A Esperança é uma forma positiva de interpretar o presente, de o ver pelos filtros dos sinais dos tempos, impregnado de um futuro risonho para todos porque Deus assim o quer para todos; Ele quer que tenhamos vida e a tenhamos em abundância.
CARIDADE
Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e não tiver as obras? Porventura a fé pode salvá-lo? E, se o irmão ou a irmã estiverem nus, e tiverem falta de mantimento quotidiano, e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos e fartai-vos; e não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito virá daí? Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma. Mas dirá alguém: Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras. Tiago 2, 14-18
Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria. 1 Coríntios 13, 1-3
Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor. 1 João 4:8
Todas as vossas coisas sejam feitas com amor. 1 Coríntios 16, 14
A terceira das três virtudes que procede da Fé e da Esperança, tal como o Espírito Santo procede do Pai e do Filho; e é de facto o Espírito Santo que nos ampara na vivência e prática desta virtude. A Fé fundamenta, a Esperança inspira e motiva, a Caridade é a ação, pois procede da Fé e da Esperança como o Espírito procede do Pai e do Filho.
É na Caridade ou pela Caridade que validamos a Fé e a Esperança ou que provamos que temos Fé e Esperança. Se não há Caridade, a Fé está morta e, se a Fé está morta, a Esperança que é a sua filha nunca nasceu. O valor da Fé e da Esperança está no seu papel de alicerce da Caridade e de possibilitarem a mesma.
Pela Caridade sabemos quem tem Fé e quem tem Esperança. Por outro lado, é na Caridade que a Fé e a Esperança se alimentam e crescem. É a Caridade que retroalimenta a Fé e a Esperança, fazendo crescer as duas. A Caridade leva a mais Fé e a Fé leva a mais Caridade.
Agora entramos na mais fina virtude teologal que é resultado das duas anteriores: ora se temos Fé, significa que acreditamos na revelação de Deus se temos Esperança, significa que temos a inspiração para perseverar, e também significa que temos em nós os valores que nos foram dados a partir da revelação de Deus, para praticá-los.
É aqui que entra a Caridade — que é a forma visível da Fé – é a Caridade que confirma a Fé e Esperança, pelo que temos como afirmação: “A fé sem obras é morta.”, pois significaria que não aderimos à revelação de Deus. Isso implicaria, por outras palavras, uma negação dos mandamentos: amar o próximo como a ti mesmo, ajudar os pobres, ensinar os necessitados e evangelizar, etc.
A Caridade é Amor, assim como é uma forma de amizade com Deus. Deus Ama-nos, logo devemos amar a Deus e se Deus nos ama significa que também devemos amar o próximo, logo temos a ordem: amar a Deus, a si e ao próximo. Se na fé amamos a Deus sobre todas as coisas, na caridade amamos ao próximo como a nós mesmos.
A caridade preenche o nosso presente
Obras son amores que no buenas razones… Provérbio castelhano
Ao contrário do passado e do futuro, o presente está nas nossas mãos, nele e só nele somos livres para atuar. O presente é o aqui e agora da nossa vida que deve ser cheio de ação, de atos de Caridade e Amor. Para o cristão, viver é amar e amar é servir, colocar-se ao serviço dos que mais necessitam.
Considerando o que Madre Teresa de Calcutá fazia e o muito que havia para fazer ante tanta pobreza e miséria, um jornalista disse um dia, “O que a Madre faz é como uma gota de água no oceano”; ao que ela respondeu com muita humildade, “sim, mas se o não fizesse o oceano teria uma gota de água menos”.
Deus não nos pede que revolucionemos o mundo, ou que façamos o melhor, só nos pede o nosso melhor. Na parábola dos talentos, o que conseguiu mais, não é mais louvado que o que conseguiu menos; na parábola dos trabalhadores da vinha, os que trabalharam o dia inteiro, não receberam mais do que os que trabalharam só uma hora; na parábola do semeador, os que produzem 100%, não são mais exaltados que os que produzem 60% ou que os que só produzem 30%.
Muito ou pouco, tudo o que o Senhor nos pede é que demos fruto. Que a nossa vida seja produtiva; que deixemos cá mais do que o que cá encontramos. Que sejamos parte da solução e não parte do problema; ou seja, que o nosso viver e atuar seja um contributo para a solução dos problemas deste mundo e não um contributo para os agravar.
Seremos julgados pelo muito ou pouco que amamos
É na Caridade que o Amor de Deus se manifesta no amor ao próximo e vice-versa. Como Cristo está no pobre e necessitado, é amando o pobre e o necessitado que vivemos o evangelho e que amamos a Deus.
Ao fim seremos julgados pelo muito ou pouco que amamos; segundo Mateus 25 as perguntas do juízo final estão já aí, mau seria que não passássemos um exame cujas perguntas já são conhecidas. Estas perguntas não são sobre a Fé nem sobre a Esperança; estas, em relação à salvação, são acessórias; valem na medida em que fizeram aumentar a Caridade ou não.
O juízo final não é sobre a Fé, que religião ou prática tivemos, nem sobre a Esperança, mas sim exclusivamente sobre a Caridade. Tive fome, tive sede, estava nu, na prisão, doente, era peregrino, forasteiro, estrangeiro e tu me prestaste ou não prestaste assistência.
A matéria do juízo final não é uma questão shakespeariana, ser ou não ser, mas sim um pouco mais positivista ou pragmática, fazer ou não fazer. De boas intenções está o inferno cheio, por isso, é pelas obras, pelos frutos que conhecemos uma pessoa, tanto vales quanto fazes.
Como é o nosso fazer, o nosso obrar e não o nosso ser que vai a julgamento, não estamos em vantagem sobre os agnósticos, os ateus, os muçulmanos ou os fiéis de qualquer religião. O importante é o que chegaste a fazer; se bem que a religião cristã é a plenitude da verdade, todas as religiões têm algo de verdade, e é por essa verdade todas elas levam à autorrealização do homem, à felicidade e ao Céu.
Muitos com poucos meios (refiro-me aos fiéis de outras religiões) chegaram mais além na perfeição que outros, como os cristãos, com todos os meios de santidade ao seu dispor. Não esqueçamos que: “A quem muito foi dado, muito será exigido; e a quem muito foi confiado, muito mais será pedido". (Lucas 12, 48)
Conclusão - As três virtudes funcionam na nossa vida como um GPS: a Fé, conecta-nos com Deus, a nossa estrela orientadora ou satélite, dizendo-nos onde estamos e o que somos, ou seja, pecadores. A Esperança diz-nos para onde queremos ir e o que queremos ser, isto é, Santos. A Caridade é o único meio e roteiro para chegar à santidade.
Pe. Jorge Amaro, IMC
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