A teologia que estudei nos anos 80, numa universidade Jesuíta, era marcadamente positivista e influenciou a minha maneira de entender a fé e atuação de Deus na História. Ainda hoje recordo algumas das máximas que me ficaram gravadas na mente e que em todo o momento funcionam como um metro padrão, para medir e avaliar as coisas de Deus de uma forma talvez demasiado racionalista, onde Fátima de certo nunca poderia encaixar.
A fé é um obséquio razoável – Assim define a fé o concílio Vaticano I. É certo que não pode ser racional, mas tem de ser humanamente credível e plausível, se não for assim não é fé, mas sim superstição. Se Deus nos criou como seres racionais, não nos pode pedir que sacrifiquemos a razão para acreditar n’Ele.
O extraordinário dentro do ordinário – O extraordinário não acontece extraordinariamente, ou seja, de uma forma deslumbrante e objetivamente patente aos olhos de todos, de forma a que a fé nem seja precisa. Ao contrário, o extraordinário acontece no interno do ordinário, de uma forma escondida, que só é perscrutável ou visível aos olhos da fé.
Deus não infringe as leis da Natureza - Se Deus cria as leis da Natureza, não vai ser Ele o primeiro a infringi-las. Nos meus tempos de estudante de teologia, com esta máxima, sancionávamos muitos dos milagres que Jesus fez no Evangelho e buscávamos explicações mais plausíveis; por exemplo, a multiplicação dos pães foi o milagre do partilhar, pois muitos tinham levado o seu farnel.
Deus não é intervencionista – Deus nem castiga nem premeia, não intervém na vida dos homens, deixa-os livres. Não é um bombeiro que vem apagar algum fogo; se intervém, fá-lo de uma forma discreta, misteriosa, por intermédio de pessoas n’Ele inspiradas, mas nunca diretamente.
Ressuscitou a doutrina não a pessoa – O cumulo da teologia positivista, podemos encontra-lo na teoria sobre a Ressurreição de Cristo do teólogo protestante Rudolf Bultmann. Para ele o que ressuscita não é a pessoa de Jesus de Nazaré, mas sim o “kerigma”, ou seja, a sua doutrina, por esta ser verdadeiramente revolucionária. São Paulo responderia a este teólogo dizendo: se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé. (1 Coríntios 15:17)
Recordo também naqueles tempos a existência de uma certa esquizofrenia teológica; o Jesus histórico de Nazaré e o Cristo da fé, aquele em quem acreditamos, não eram a mesma pessoa. De facto, até eram estudados em duas disciplinas diferentes com dois professores diferentes. Jesus de Nazaré era estudado em Cristologia fundamental, e o Cristo da fé era estudado em Cristologia dogmática.
“A todos los tontos se les aparece la Virgen” – Expressão espanhola que ouvi muitas vezes durante os meus anos de teologia na universidade de Madrid. É um facto que muitas das experiências sobrenaturais, que algumas pessoas alegam ter tido, não são mais que manifestações de doenças mentais, como a esquizofrenia. Daí que em Espanha exista esta expressão para descartar qualquer tipo de fenómeno paranormal.
“Não foi a Igreja que impôs Fátima, foi Fátima que se impôs à Igreja”
Já passaram vários anos desde que estudei teologia, a experiência e a vida levaram-me a matizar algumas destas posições. Há milagres que contradizem as leis da Natureza; é certo que foi Deus que criou essas leis, porém a sua atuação não é limitada por elas. Não faria sentido que Deus criasse as Suas próprias limitações, ou que pudesse ficar limitado por algo que Ele criou.
Até mesmo a ciência, já não olha para as leis da Natureza no quadro da física mecanicista de Newton. Para Newton, Natureza nas suas leis funcionava como um relógio de precisão. Depois de Einstein, a física quântica acabou com o determinismo das leis da Natureza que agora já não fixas, certas e absolutas; nas leis da Natureza, o princípio da incerteza de Heisenberg substitui a inflexível certeza em flutuante probabilidade.
Isso significa que as coisas podem realmente acontecer como sempre aconteceram, mas também há uma probabilidade de que elas não aconteçam como sempre aconteceram. O determinismo da física de Newton é substituído pelo acaso na física quântica.
Dentro do quadro mental da física de Newton, era muito difícil de entender os milagres, pois que sempre iriam contra as leis da Natureza; tudo muda quando conceptualizamos os milagres dentro do quadro mental da física quântica. Para a nova física, os milagres acontecem, e acontecem sem contradizer as leis da Natureza; só temos que mudar a nossa compreensão das mesmas leis.
Assim sendo, agora é fácil compreender como o extraordinário também pode, de facto, acontecer extraordinariamente. É neste enquadramento mental que podemos entender e aceitar razoavelmente o que aconteceu em Fátima, Lourdes, Guadalupe e num sem número de revelações privadas ao longo da História.
A frase acima citada foi dita pela primeira vez pelo Cardeal Cerejeira em 1943 e tem sido repetida por muitas pessoas, até por Papas. É provável que ela contenha a experiência, ou a mudança de posição, de muitas pessoas no que diz respeito à revelação de Fátima. Neste sentido, também a faço minha: Fátima impôs-se-me pela profundidade e significado da sua mensagem e pela candura, simplicidade e bondade dos videntes de tenra idade, Jacinta com apenas 7, a sua prima e íntima amiga Lúcia de 10 e o seu irmão Francisco com nove anos.
No meio de uma guerra generalizada na Europa, onde Portugal tragicamente também participou; no contexto social nacional de uma revolução republicana iluminista e ateia, cujo propósito era acabar com a Igreja e laicizar a sociedade, um raio de luz irrompe do céu.
O sobrenatural abre espaço no natural; o extraordinário acontece extraordinariamente para trazer vida e ânimo para o pequeno rebanho de cristãos, vítimas de lobos do racionalismo e do ateísmo, e confundir estes mesmos ateus, deixando-os perplexos e espantados, ante uma realidade que não podiam compreender, pois não cabia nas suas cabeças preconceituosas.
Os “ignorantes” confundem os sábios
«Eu Te bendigo, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos entendidos e as revelaste aos pequeninos. Mateus 11, 25
Tanto na mensagem, como nos videntes portadores da mensagem, Fátima segue o paradigma evangélico de revelar aos pobres e ignorantes aquilo que ainda hoje desconcerta muitos sábios teólogos, cujo racionalismo pretende limitar a ação de Deus.
E ainda o mesmo paradigma evangélico é seguido em relação à identidade dos portadores da mensagem de Fátima; pastores eram os primeiros a ver Deus feito homem em Belém, e pequenos pastores eram também Lúcia, Jacinta e Francisco.
Em verdade vos digo: se não voltardes a ser como as criancinhas, não podereis entrar no Reino do Céu. Mateus 18, 3 - Como os portadores da mensagem eram crianças, só os que são crianças, no sentido evangélico, a podem entender. Fátima só faz sentido ao coração simples e desarmado de preconceitos intelectuais.
Pe. Jorge Amaro, IMC
Ressuscitou a doutrina não a pessoa. Eis a dúvida. Será que pode explicar para que possamos entender? Perdoe a questão. Quanto ao resto, o a reflexão que nos ofereceu foi muito proveitosa. essusllltrina não a prssoa
ResponderEliminarEssa é a teoria de um teólogo protestante com a qual evidentemente estou em desacordo
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