Os fracos não conseguem perdoar. A capacidade de perdoar é atributo dos fortes |
Deus só perdoa se perdoarmos
A oração do Pai Nosso é muito mais que uma simples oração; é o resumo mais resumido da mensagem de Jesus; contem tudo o que devemos praticar para ter vida e tê-la em plenitude. Desta forma a dimensão do perdão não só faz parte do corpo da oração, como merece de Jesus um comentário a modo de “Post Scriptum”.
De todos os temas enumerados nesta oração, como se de uma lista se tratasse, Jesus só comenta um, o perdão, para que fique claro sem lugar a dúvidas ou falsas interpretações tudo o que pensa a respeito. Fá-lo nos versículos 14 e 15 já fora do corpo da oração.
Frequentemente em homilias dialogadas costumo perguntar se Deus nos ama incondicionalmente ao que unanimemente todos respondem que sim; seguidamente pergunto se Deus também nos perdoa incondicionalmente e sem muito pensar todos respondem que sim porque acham que é logico que assim seja.
Quando contradigo a ideia consensual de que Deus perdoa incondicionalmente dizendo que não que o perdão de Deus não é incondicional como o seu amor, mas tem condições, exige alguns requisitos, todos são apanhados de surpresa e muitos, mais uma vez sem pensar, até se apressam a dizer que a minha doutrina é falsa.
Muitos cristãos rezam o Pai Nosso provavelmente mais que uma vez por dia e não se apercebem do que dizem e ao que se obrigam. Do comentário a modo de apêndice, que o próprio Cristo faz, se só podemos concluir que embora Deus não coloque condições para nos amar, não sucede o mesmo à hora de perdoar; Deus não nos perdoa incondicionalmente pelo que devemos satisfazer as suas condições para obter o Seu perdão. Para sermos perdoados, é “conditio sine qua non”, que perdoemos aqueles que nos ofenderam.
De facto, na oração que Jesus nos ensinou, quando dizemos, perdoa as nossas ofensas, como nós perdoámos a quem nos tem ofendido, estamos a dizer a Deus que, como nós já perdoamos, ou seja, já fizemos a nossa parte, que faça também Ele a sua e nos perdoe; colocamos o perdão que devemos conceder aos outros como condição prévia ao perdão que pedimos a Deus; ou seja nós mesmos já condicionamos o perdão de Deus ao perdão que devemos conceder aos outros. O que nos autoriza moralmente a pedir perdão a Deus é o facto de que nós já perdoámos de coração aqueles que nos ofenderam.
Com a medida com que medirdes, assim sereis medidos. (Mateus 7,2). Como o amor que temos por nós próprios deve ser a medida do amor que devemos ter pelo próximo, não podemos querer Deus para nós e o diabo para os outros; não podemos exigir que Deus nos perdoe se nos negamos a perdoar de coração a quem nos fende. Dura é esta linguagem como foi o sermão sobre a eucaristia no evangelho de São João que provocou que muitos já não andassem com o Senhor.
E perdoai nossas ofensas de um modo maior com que perdoamos – A dureza desta linguagem sobre o perdão provocou igual dissidência que aquela sobre a eucaristia. O sacerdote carismático Marcelo Rossi, fazendo ouvidos surdos às palavras de Jesus do versículo 12 pela sua dureza, substituiu-as pelas suas próprias aqui acima citadas.
Perdão revocado
Palavra de rei não volta atrás – Recordemos a promessa do rei Herodes à filha de Herodíade; recordemos Pilatos a respeito do letreiro que escreveu para colocar no alto da cruz do Senhor. Um rei não “rói a corda”, não volta atrás no que disse e prometeu. Muito menos Deus Rei do universo volta atrás.
No entanto, a parábola descrita em Mateus 18, 23-35 sugere que, no caso do perdão Deus volta atrás na sua palavra. A parábola fala de um que devia uma soma exorbitante de dinheiro ao seu Senhor e este, tendo compaixão dele, perdoou-lhe a dívida. Porém como este servo não perdoou a quem lhe devia uma quantia insignificante, o Senhor voltou atrás na sua palavra e revocou o perdão que previamente tinha concedido.
Quando Deus chega ao ponto de tirar o que já tinha dado, algo que uma pessoa sensata nunca faz, quer dizer que não abdica da única condição que exige para nos conceder o seu perdão; ou seja devemos estar preparados para perdoar aqueles que precisam do nosso perdão tanto quanto nós precisamos do de Deus.
Ajudas de custo
Então, Pedro aproximou-se e perguntou-lhe: «Senhor, se o meu irmão me ofender, quantas vezes lhe deverei perdoar? Até sete vezes?» Jesus respondeu: «Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete. Mateus 18, 21-22
Sempre a bater na mesma tecla, estes são os versículos prévios à parábola que acima citamos na qual Deus retira o perdão concedido. Deus não nos dá trégua, devemos perdoar não uma nem duas nem três vezes, mas sempre sem nos cansarmos, como Ele mesmo faz. Nunca poderemos dizer “enough is enough”; nunca podemos desistir de ninguém porque Deus nunca desiste de nós.
Não retirando nada à dificuldade de perdoar, os seguintes pontos podem ser uma ajuda:
- Ter em conta a educação da pessoa: os traumas recebidos na infância, os maus pais, os maus professores. Não há educações perfeitas; desde Freud, ninguém discute o determinante que são os primeiros anos para o resto da nossa vida; superar esse determinismo não é fácil e muitos nunca o conseguem. Tendo isto em conta, até que ponto a pessoa é responsável pelo que faz? Se os tribunais de justiça têm em conta estes determinantes porque não nós na hora de perdoar.
- Perdoa-lhes Senhor porque não sabem, o que fazem. Esta foi a razão que o Senhor encontrou para perdoar a quem o matou. Quando fazemos o mal, a maior parte das vezes actuamos sob a influência de uma grande emoção; as emoções fortes enevoam a mente, como o faz o álcool e a pessoa não sabe o que diz nem o que faz. Fora de si estava o filho pródigo quando decidiu abandonar a família, como muito bem refere o evangelho, e como a mesma parábola refere, quando voltou a si, regressou à sua família.
- Uma coisa é o pecado outra é o pecador. A pessoa que fez uma má obra também faz muitas boas e nós, tendenciosamente, não olhamos às boas só vemos as más. Chegamos a condenar uma pessoa que nos fez bem uma vida inteira por uma única ação contra nós. Relatamos aos quatro ventos o mal que alguém faz, ao contrario, o bem que a mesma pessoa faça nem em privado o relatamos; criticamos o mal, invejamos o bem. Como Deus devemos fazer uma distinção entre o pecador e o pecado, para que não aconteça que “deitemos fora o menino com a água da banheira”.
- Muitas vezes somos hipócritas, criticamos nos outros as mesmas más ações que nós também praticamos, ou não estamos livres de um dia vir a praticar, se fossem dadas as mesmas premissas e circunstâncias. Se honestamente concluímos que faríamos o mesmo então perdoar é pôr em pratica o preceito do Senhor, o que queres que os outros te façam faz tu aos outros.
- Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos odeiam. Mateus 5, 44 –, Mais do que uma exortação ou um conselho, eu diria que Jesus nos está a dar uma técnica que milagrosamente funciona. Ninguém tem vontade de rezar aqueles que nos odeiam, mas se forçarmos a faze-lo, se nós comprometermos a fazer o que é certo contrariando os nossos instintos, após algum tempo, o sentimento de ódio começa a enfraquecer acabando por desaparecer por completo. Experimenta e verás por ti mesmo. O evangelho não pode estar errado.
Pe. Jorge Amaro, IMC
Belíssimo momento que nos faz sem dúvida nenhuma reflectir na palavra perdoar que tantas vezes é pronunciada sem de facto perdoarmos verdadeiramente ,um grande abraço Jorge.
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