Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais se vos dará por acréscimo. Mateus 6, 33
Por haver já poucas monarquias e para tentar atualizar os antropomorfismos do evangelho, alguém sugeriu que, em sintonia com o mundo de hoje, devíamos dar a Jesus o título de Presidente em vez de Rei. “Pior a emenda que o soneto” – enquanto o Presidente normalmente é votado pelo povo, Cristo, como todos os reis, já nascem sendo-o.
O Presidente governa uma República que em latim significa coisa pública; Cristo Reina sobre o Universo porque é Dele. Tudo, incluindo nós próprios, é propriedade de Deus, pois foi Ele que tudo criou. Para a nossa vida como para a criação somos meros administradores, não proprietários.
Um rei sem sangue azul
Sabeis que os chefes das nações as governam como seus senhores, e que os grandes exercem sobre elas o seu poder. Não seja assim entre vós. Pelo contrário, quem entre vós quiser fazer-se grande, seja o vosso servo; e quem no meio de vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo. Também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para resgatar a multidão. Mateus 20, 25-28
Cristo é, portanto, o Rei soberano de tudo e de todos mas é um Rei sem sangue azul porque veio ao mundo para servir e não para ser servido. (Marcos 10,45; Lucas 22,27). Como Cristo não é Rei como os reis deste mundo, também o seu reino não é como os deste mundo (João 18, 36).
No dia em que foi aclamado Rei entrou na sua capital, Jerusalém, não montado num imponente cavalo branco, como os reis deste mundo, mas sim num ridículo jumento, pois o cavalo é usado para a guerra, o burro para o trabalho e comércio, para a paz, e Jesus é o príncipe da paz.
Montado num burro e aclamado Rei às portas de Jerusalém, Jesus ri-se dos enamorados do poder que o usam para subjugar os outros. Ao contrário, Jesus vem para servir, não para ser servido como os grandes deste mundo, mas para servir.
Eu estou no meio de vós como aquele que serve. (Lucas 22, 27) Os reis deste mundo, pelos impostos, sugam o sangue aos seus súbditos. Jesus dá a vida, dá o sangue pelos seus amigos e toda a humanidade. O seu trono não era de prazer, orgulho e ostentação, mas a Cruz da ignomínia e tortura; a sua coroa não era de ouro, com pedras preciosas incrustadas, mas de espinhos espetados no crânio.
Ao dizer, “Quem no meio de vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo” Mateus 20, 27, Jesus substitui o amor pelo poder, pelo poder do amor. Quem são as pessoas mais importantes na nossa vida? Não são as que mais nos serviram, a começar pelos nossos pais? E quem são as personagens mais importantes para a humanidade: os que mais poder tiveram e mais dominaram ou os que mais amaram e serviram desinteressadamente a humanidade?
Igreja e Reino na pregação de Jesus
Em flagrante contraste com a palavra IGREJA, que aparece 112 vezes e quase só nos Atos dos apóstolos e nas Cartas, a palavra REINO, aparece 162 vezes e, destas, só 35 vezes aparece no livro dos Atos e nas Cartas; as restantes 127 vezes aparecem nos evangelhos. Fica assim demonstrada a importância que o Reino de Deus tinha para Jesus e a pouca importância que este mesmo Reino tinha para a Igreja nascente e por Cristo fundada.
REINO IGREJA
NOVO TESTAMENTO 162 112
EVANGELHOS 127 2
ATOS E CARTAS 35 110
Depois do Concílio Vaticano II, a Igreja deixou de olhar para o seu umbigo e começou a olhar para o mundo como Jesus olhou e a ver nele o Reino que já está no nosso meio desde que Jesus veio ao mundo, mas ainda não na sua plenitude. A Missão começou com Deus a enviar o seu filho primogénito ao mundo. O objetivo desta missão sempre foi o de transformar o mundo no Reino de Deus; antes deste momento, o mundo era do pecado dos nossos pais.
A Igreja, como corpo místico de Cristo, não pode ter outro objetivo senão continuar a obra de Cristo. Portanto, o objetivo da sua existência não é implantar-se em todos os cantos desta terra, mas sim levar a Boa Nova do Reino a todos os cantos da Terra.
O objetivo principal não é produzir cristãos, aumentar o número dos seus membros, mas sim juntar-se a todos os homens de boa vontade, de outras religiões, ateus ou agnósticos e, com eles, ajudar na construção de um mundo melhor, de uma sociedade mais justa e mais fraterna, onde reina a justiça, a paz e a harmonia e o amor entre os povos. Se este tivesse sido o objetivo da Igreja desde o início, tal como foi do seu fundador, não teria havido fundamentalismos como a Inquisição, nem guerras santas como a movida pelas cruzadas.
A Igreja não existe para si mesma nem deve pregar-se a si mesma, pois o seu Mestre e fundador não se pregou a si mesmo: a Igreja existe para a Missão, ou seja, para continuar a obra do seu fundador e o objetivo da Missão que é o Reino. Igreja é o que somos, é a nossa identidade, o Reino é a nossa missão, o que fazemos.
Reino de justiça, paz e integridade da criação
O Reino de Deus não é uma questão de comer e beber, mas de justiça, paz e alegria no Espírito Santo. E quem deste modo serve a Cristo é agradável a Deus e estimado pelos homens. Romanos 14, 17-18
O Reino de Deus é um reino onde o progresso económico não é o único fator do desenvolvimento, pois nem só de pão vive o homem (Mateus 4, 4). No reino de Deus, a economia é uma economia saudável pois cresce a par e passo com a justiça social, a paz e o bem da criação.
O desenvolvimento sustentável parte do princípio de que é possível um desenvolvimento económico suportável e viável sem destruir o meio ambiente nem comprometer a habitabilidade do planeta para as futuras gerações, nem a justiça e a paz mundial.
O desenvolvimento sustentável é aquele que harmoniza o crescimento económico com a realidade da biosfera ou a proteção do meio ambiente com as necessidades individuais e sociais de todos os povos que habitam o planeta, ou seja, com a inclusão social de todos.
O desenvolvimento visto unicamente como crescimento económico destruiu o meio ambiente e causou profundas desigualdades sociais. Para o desenvolvimento ser sustentável, tem de ser tridimensional, ou seja, os aspetos de justiça social e proteção ambiental devem ser tão importantes quanto o crescimento económico.
É um reino de inclusão não exclusão
Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus. Gálatas 3,28
O Reino de Deus é uma cidade sem muralhas, sem muros de separação, porque é uma cidade para todos; é uma mesa redonda como o mundo, é um pão para multidões. Não há diferenças entre as pessoas pois todos são filhos de um mesmo Pai.
Todos os humanos são criaturas de Deus e por Jesus Cristo resgatados a preço de sangue, tornados filhos adotivos de Deus. Unidos pela mesma natureza humana, a dignidade é devida a todos os seres humanos sem distinção de grupos étnicos.
Em clara oposição e contraste com S. Paulo, que em 1 Coríntios 11, 7-9 alude ao capítulo 2 do livro do Génesis para dizer que o homem é superior à mulher porque foi criada de uma costela deste, Jesus, ao falar do divórcio, citou Génesis 1, onde se diz “homem e mulher os criou”, afirmando assim a sua convicção da igualdade de género.
Jesus é o único fundador de religião que nunca fez uma afirmação depreciativa sobre a mulher, nem as prostitutas ele criticou. Não fez como os rabinos do seu tempo, nunca alertou ninguém sobre o perigo no trato com elas pelos seus truques sedutores. Pelo contrário, advertiu os homens contra a sua própria luxúria e exortou-os a assumir a responsabilidade pelos seus impulsos e instintos. (Mateus 5,28-29)
Não há acusação ou crítica do outro
No Reino de Deus ninguém acusa nem expõe ninguém. A verdadeira razão da acusação dos outros é que, quando apontamos para os outros e expomos o seu pecado, estamos a humilhá-los, o que é uma forma indireta de nos exaltarmos. Uma vez que gabar-se de como somos bons dá demasiado nas vistas e é mal visto socialmente, criticamos e denegrimos os outros para sobressairmos nós.
Como Jesus fez notar no caso da mulher pecadora apanhada em adultério, (João 8, 1-11) quem abunda na crítica dos outros é deficiente em autocrítica. Não é a criticar os outros que progredimos espiritual e humanamente, mas sim criticando-nos a nós próprios.
No episódio da pecadora apanhada em adultério, (João 8, 1-10) Jesus volta o bico ao prego dizendo que só o isento de pecado tem autoridade moral para julgar o que está em pecado. Seguidamente, exorta-nos à autocrítica, pondo mais atenção na trave que está à frente do nosso olho que no cisco que está no olho do outro (Mateus 7, 3-5)
A não-violência substitui a violência
Este Reino não conquista terreno nem pessoas pela violência. A violência subjuga o corpo não subjuga o coração nem a mente. A violência não é meio para conseguir nenhum bom fim pois só cria violência que vai sempre crescendo. A única paz que pode obter-se através dela é a paz das sepulturas.
Não é com ódio que vencemos os nossos inimigos; o nosso ódio só os faz mais fortes contra nós. Só o amor os conquista e consegue transformá-los em nossos amigos; só o amor os desarma. A entrada para a cidadania do Reino de Deus não passa pela conquista ou subjugação, mas sim pela conversão, pela metanoia; por isso a entrada é livre.
O fim da religião
O evangelho de São Mateus, o evangelho do Reino, recorda-nos no capítulo 25 que, ao fim, não seremos julgados pelo que somos, pela nossa identidade, por termos sido ou não cristãos, ateus ou muçulmanos, mas pelo que fizemos ou deixámos de fazer, se assistimos ou não assistimos os sedentos, os famintos, os nus, os peregrinos, os presos, os estrangeiros e os doentes. Porque a assistência a estes últimos foi o objetivo da vida de Jesus e da sua vinda ao mundo, este mesmo tem de ser o nosso objetivo.
A nível individual - Jesus substitui a religião pela psicologia ao dizer que o único mandamento é o amor; qualquer que seja a nossa religião ou ideologia ou a falta dela, sem amor não há vida humana. Também a nível individual se apresentou como o único Caminho, Verdade e Vida, ou seja, como referência da humanidade e de como viver como pessoa humana.
A nível social – O Reino também não é uma questão religiosa, mas sim uma questão de justiça e paz; é, portanto, uma questão civil que muito bem pode ser tratada em sociologia.
Por fim, no juízo final, segundo Mateus 25, não há nenhuma questão religiosa, todas as perguntas são civis. Como não há autorrealização pessoal ou felicidade sem amor e como não há justiça social sem amor ao próximo, no fim da nossa vida seremos julgados só e exclusivamente pelo pouco ou muito que amámos.
Quando Jesus apareceu a S. Paulo na estrada de Damasco, não lhe perguntou por que persegues os meus irmãos e discípulos, mas sim por que Me persegues. (Atos 22, 1-16). Em Mateus 25, aprendemos que tanto o bem como o mal como a ausência de ambos tem um preço e que desde que Jesus assumiu a natureza humana, nenhum ser humano vive desamparado sem ninguém que o defenda, pois tem a Jesus como irmão maior. Por este motivo, teremos que responder perante o rei por tudo o que fizemos ou deixámos de fazer a qualquer pessoa que se cruzou connosco no caminho da vida.
Conclusão - A Constituição ou Carta Magna que governa este Reino resume-se a uma palavra: o amor. É, portanto, cidadão do Reino de Deus o que ama a Deus sobre tudo, todos e sobre si mesmo; o que se ama a si mesmo como Deus o ama, e o que ama os outros como se ama a si mesmo.
Pe. Jorge Amaro, IMC
Obrigadao pelo bonito teixto 🙏🙏🙏
ResponderEliminar