O que é a vida religiosa ou consagrada?
A religião deve ser como o sal na comida: nem muito nem pouco, só o preciso.
D. António Alves Martins, bispo de Viseu de 1862 a 1882
Parafraseando, o sábado foi feito para o homem, o homem não foi feito para o sábado (Marcos 2, 27), a religião foi feita para o homem, o homem não foi feito para a religião. A religião é sal na vida, sal que dá sabor à vida; o sal está ao serviço da comida, a religião está ao serviço da vida; a vida não deve ser a religião ou viver a religião.
O que dissemos é válido para todas as pessoas. Porém, há alguns que são chamados a ser sal da Terra e luz do mundo (Mateus 5, 13-14). Chamados a ser sal para a terra significa certamente dar sabor à vida dos outros; chamados a ser luz do mundo significa certamente iluminar e guiar a vida dos outros. Isto deve ser o religioso consagrado.
Se a religião para o cristão comum existe em função da vida, ou seja, para dar sentido e sabor à sua vida, para ser luz, a religião deve iluminar e guiar a sua vida. Para o religioso, é a vida que está em função da religião, porque está consagrado todo ele, toda a sua vida, a ser sal e luz para os outros. Porque não vive em função de si mesmo, mas dos outros e da sociedade em geral, o consagrado ou religioso tem uma vida à parte.
“Consagrar” um objeto significa retirá-lo do uso ordinário para o colocar de parte ou apartar, e reservar para um uso determinado e exclusivo. Quando um cálice ou outro objeto é consagrado, é reservado ou guardado para um uso sagrado, neste caso, para a celebração da Eucaristia.
É neste sentido que se deve interpretar a “fuga mundi” dos religiosos da Idade Média. Não se tratava de fugir ao mundo, para não ser contaminado por ele, mas sentir-se chamado a uma Missão que comportava apartar-se da vida ordinária e viver de uma forma diferente.
Dentro da floresta não vemos a floresta, vemos apenas árvores; para ver a floresta temos de sair dela. O consagrado afasta-se do mundo para o conhecer melhor; de facto, aparta-se do mundo para se dedicar ao mundo. Retira-se do seu pequeno mundo para se dar a todo o mundo de uma forma peculiar. Coloca de parte a sua vidinha particular, para entrar ao serviço da Vida em sentido Universal.
Como nasceu a vida religiosa
O mais visível, o que chama mais a atenção na pessoa religiosa ou consagrada é o seu celibato, ou seja, é o ser uma pessoa que não constitui família como todas as outras. Historicamente, porém, podemos dizer que mesmo antes de ter surgido a vida religiosa que na Igreja adquire o nome de monaquismo, desde o princípio do cristianismo, no seio das primeiras comunidades cristãs, como ainda acontece hoje, sempre houve homens e mulheres que renunciaram ao casamento por amor ao Reino dos Céus. Na minha terra, posso contar até 6 donzelas que se dedicaram exclusivamente à catequese e à educação de crianças e nunca se casaram.
Os primeiros séculos do cristianismo foram muito marcados pela perseguição à Igreja, de tal forma que ser cristão e ser mártir eram praticamente sinónimos. Os cristãos daqueles tempos aspiravam, como todos os humanos, a morrer de idade avançada. No entanto, ao abraçarem uma religião proscrita pelo império romano, todo o cristão estava disposto a testemunhar a sua fé na vida e com a vida.
Quando a espiritualidade, o martírio, ou seja, a dedicação plena e suprema à causa do Evangelho, perdeu a sua força devido à legitimação do cristianismo, que com o Imperador Constantino se transformou em religião de Estado, surgiu o monaquismo como forma alternativa de martírio ou de dedicação plena e exclusiva aos valores do evangelho.
Esta forma de vida surgiu como uma grande novidade na Igreja e registou uma enorme expansão, sobretudo no Egito, Palestina e Síria. Passaram para a história da Igreja com o nome dos Padres do Deserto. Enquanto que com a legalização do cristianismo, muitos cristãos se aburguesaram e caíram na apatia espiritual e moral, os monges ascetas conservavam frescos os valores do Evangelho, levando uma vida de intensa oração, jejum, celibato e desprendimento dos bens materiais.
No princípio, estes monges eram eremitas anacoretas, ou seja, viviam sozinhos; com o tempo foram-se reunindo em cenóbios, em pequenas comunidades e assim surgiu a vida religiosa tal como a conhecemos hoje. Também eram chamados de clero regular, como dissemos, porque eram comunidades governadas por regras. A primeira regra, intitulada “Ora ed labora” foi dada por S. Bento, o fundador do monaquismo na Igreja ocidental.
A vida religiosa nas outras religiões
Quando pensamos na figura do monge da tradição católica, imediatamente nos vem à mente a imagem do monge budista, vestido com um hábito cor de açafrão. O budismo é uma espiritualidade que se presta ao monaquismo, ou seja, à dedicação exclusiva à meditação, à vida ascética que tem como objetivo a iluminação.
Como no cristianismo, nem todos os budistas podem ser monges. No entanto muitas crianças e adolescentes têm uma iniciação monástica durante alguns anos da sua vida, como se fosse um serviço, semelhante ao serviço militar obrigatório de outros tempos, e depois deixam os mosteiros para seguirem a sua vida normal.
A religião judaica, assim como a muçulmana, são contrárias à vida monástica tal como se entende no budismo e no cristianismo. O mais próximo correspondente na religião muçulmana de um monge cristão é o Sufi, pois tal como no monaquismo cristão, o sufismo é uma interiorização e intensificação da fé e prática muçulmanas.
A vida religiosa ao longo da história e da Igreja
Segundo a distinção canónica, temos hoje dois tipos de clero: o regular, os religiosos e o clero secular. O clero diocesano está mais envolvido com o mundo, são os pastores das ovelhas do Senhor. Neste sentido, o seu papel é muito semelhante ao dos doutores da lei e dos sacerdotes de Jerusalém. O religioso consagrado, por outro lado, está chamado a ser profeta, a ser a pessoa certa no lugar certo, a ser a solução de um problema.
Todas as ordens religiosas nasceram como solução para um problema: os jesuítas como a força da Contrarreforma, os franciscanos para exaltar o valor da pobreza numa Igreja demasiado rica. Quando nasceram as cruzadas, nasceram as ordens religiosas militares como os Templários e os Hospitalários. Nasceram depois ordens religiosas para cuidar dos doentes físicos, nasceram outras para cuidar dos doentes mentais, outras ainda nasceram para se dedicar ao ensino, sobretudo dos desfavorecidos que não podiam pagar um colégio. No fim do século XIX início do século XX, nasceu a minha e tantas outras ordens religiosas dedicadas exclusivamente à evangelização de África e depois da Ásia.
Na tradição do Antigo Testamento, o profeta era o homem certo para o momento certo; era o que sabe interpretar o momento presente da vida do povo à luz da vontade de Deus, era o que se sentia mensageiro e por vezes também intermediário entre Deus e os homens. Era sempre um líder natural e uma pessoa carismática; tanto criticava um comportamento que não era adequado aos olhos de Deus, como confortava e infundia esperança nas horas amargas, como foi o exílio da Babilónia.
A vida religiosa em geral está associada à Missão Profética da Igreja. Na Idade Média, enquanto os estados guerreavam entre si, foi nos mosteiros que se preservou a cultura; foi neles que nasceram as escolas, as universidades e os hospitais. O próprio registo civil nasceu com o assento dos batizados pela Igreja; registo esse que o Estado, com a República em 1910, roubou às paróquias.
Atos simbólicos dos profetas de Israel
O comportamento dos profetas, do Antigo Testamento, era tão bizarro que nos termos dos atuais padrões seculares de sanidade, acabariam institucionalizados ou, pelo menos, em alguma forma de terapia intensiva.
Estes profetas não eram apenas falantes da palavra, encarnavam-na nas suas vidas, no seu talante, no seu comportamento e atos. Tudo neles fazia parte da mensagem: a sua escolha de roupas e até mesmo os seus corpos e linguagem corporal. Testemunhavam assim, na própria carne, o quão transformadora e desconcertante pode ser a Palavra de Deus. Se é certo que “palavras, leva-as o vento”, os atos simbólicos e dramáticos dos profetas falavam bem mais alto e eram mais difíceis de esquecer.
• Isaías, despiu toda a sua roupa e vagueava nu. (Isaías 20).
• Jeremias, escondeu a sua roupa interior numa rocha, e depois de muito tempo veio à procura dela (Jeremias 13).
• Oseias casou deliberadamente com uma prostituta e pôs o nome de Loruhama (não amada) à filha de ambos (Oseias 1).
Com a vinda de Cristo, podemos olhar para trás e ver estes profetas como prenúncio, não só através das profecias que falavam da sua vinda, mas através das suas ações proféticas. Cristo é, afinal, a palavra feita carne da maneira mais rica e mais completa possível. E, tal como o dos profetas, o comportamento de Cristo foi totalmente bizarro, desconcertante e confuso em relação aos padrões sociais e convencionais da época.
Era, afinal de contas, alguém que garantiu que reconstruiria o templo em três dias, que comia com prostitutas e cobradores de impostos, que expulsou demónios para uma vara de porcos, que curou um homem cego esfregando lama nos seus olhos feita com a sua saliva, e que andou sobre as águas. A ação mais chocante e dramática foi sem dúvida lavar os pés dos seus discípulos. Quis executar o ato mais servil para que nunca esquecessem o que já tinha dito de palavra: o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos (Marcos 10, 45).
O religioso como ato simbólico
O consagrado vive aqui e agora a vida que todos estamos chamados a viver no Céu. Ao encarnar os valores do evangelho, é como uma estrela polar que indica o verdadeiro caminho para Deus, um dedo apontado para o Céu; ao relativizar certas realidades deste mundo que o homem tem a tentação de absolutizar, o religioso é também um farol que expõe os perigos à navegação, perigos de perder a vida durante a nossa peregrinação para a pátria celeste.
Desta maneira, os três conselhos evangélicos podem ser vistos como gestos ou atos simbólicos que falam por si, à maneira dos atos dramáticos e simbólicos dos profetas do Antigo Testamento, ou uma forma de ser sal e luz em temas como o poder, os bens materiais, o prazer e o amor.
O voto de pobreza – Relativiza o possuir pois, para além de manter as funções vitais, as riquezas materiais são um empecilho para o crescimento espiritual. Como diz o evangelho, onde está o teu tesouro está também o teu coração; quem dá o seu coração às riquezas, vende a alma ao diabo, já não se possui, é possuído pelo que pensa possuir.
O voto de castidade – Relativiza o sexo pois, ao contrário do que a sociedade nos quer impingir, o sexo não é uma necessidade individual, mas sim da espécie; nem sequer é intrínseco ao amor, é tão-somente uma das tantas expressões de amor. Se o amor, na sua expressão natural, cria a família e os laços familiares, o amor, na sua expressão sublimada, cria a fraternidade universal e a solidariedade.
O voto de obediência – Relativiza o poder e a liberdade. Para o evangelho, o poder é serviço, ou seja, obedecer às necessidades dos outros. Sou livre até encontrar a minha opção fundamental; uma vez encontrada, a vida resume-se a ser fiel, ou a obedecer, aos compromissos assumidos. Se guardares a regra, a regra te guardará a ti, e te dará um sentido de identidade, de propósito e de segurança.
POBREZA
Quando um religioso, podendo ser rico, escolhe ser pobre, que quer dizer ao mundo? Que mensagem profética encarna na sua vida de pobre? Que verdades revela? Para que perigos alerta?
Somos administradores não proprietários
Não sendo proprietários de coisa nenhuma nem da nossa própria vida, devemos sinceramente considerar-nos administradores, tanto da nossa vida como dos recursos que possuímos. Um dia, prestaremos contas dessa administração.
Quando na nossa mente conseguimos substituir o conceito de “dono” pelo de “administrador”, uma sensação de desapego e desprendimento dos bens materiais invade a nossa mente. Esta nova mentalidade é imprescindível para o crescimento espiritual, como pessoa livre e independente, mas ao mesmo tempo fazendo parte de uma comunidade e como filhos de Deus.
Sendo Deus o único proprietário de tudo e de todos, nós apenas somos administradores e não proprietários: as coisas foram feitas para ser usadas, não amadas nem possuídas; as pessoas foram feitas para serem amadas, não usadas. Os que têm como objetivo possuir cada vez mais, têm a tendência de usar as pessoas, de as ver como um meio. As pessoas nunca devem ser um meio, mas sim e sempre um fim em si mesmas. As coisas é que são um meio, um meio de vida. As coisas estão ao serviço da vida e não a vida ao serviço das coisas.
Meio de vida não fim de vida
Na verdade, quem quiser salvar a sua vida, há-de perdê-la; mas, quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, há-de salvá-la. Marcos 8, 35.
Viver e estar vivos são uma e a mesma coisa para os animais, não para os humanos. É certo que para viver é preciso estar vivo, mas o sentido e objetivo da vida humana não é manter-se vivo, não é reter a vida; pelo contrário, é perder, é dar a vida, é desapegar-se da vida, entregar-se a uma causa, usar todo o tempo e energias de que é composta a nossa vida por um ideal, um sonho, uma ambição. A vida não é, portanto, um valor absoluto, mas relativo; valor absoluto é a razão pela qual eu vivo.
Os bens materiais, portanto, nada tem a ver com a vida, mas sim só com o estar vivo, com o manter as funções vitais. Quem dedica a sua vida a acumular riquezas, está a dedicar a sua vida a manter a vida. Pode até chegar a ter o necessário para manter as funções vitais de duas e mais vidas. Mas continuará a ter apenas uma vida que acabará por esperdiçar numa azáfama sem sentido.
O rico é pobre o pobre é rico
O homem pobre que está feliz com o que tem e não procura mais riquezas materiais, é rico. Enquanto o homem rico que nunca está satisfeito com o que possui, que quer e procura ter sempre mais, é pobre.
É como uma adolescente anoréxica que se engana a si mesma com uma falsa perceção da realidade; está tão obstinada em tornar-se mais magra que sempre que se vê ao espelho se vê gorda. Como não foca a sua atenção na magreza, que já tem, mas que ainda quer ter mais, sempre se verá como gorda e obrigada a perder mais peso, arriscando a morte se não for curada da sua falsa perceção da realidade.
O rico é pobre porque a sua atenção não está virada para o que já tem, mas para o que ainda pode vir a ter, investindo nesse objetivo todo o seu tempo e energias. Como sempre haverá alguém mais rico que ele, sempre se verá a si mesmo como vivendo num estado de carência pelo que, para todos os efeitos, é pobre. O pobre é rico porque está satisfeito com o que tem e investe o seu tempo e as suas energias em “ser”; o rico é pobre porque, ao não achar que tem o suficiente, investe toda a sua vida no “ter mais”.
Possuidores ou possuídos?
Se as vossas riquezas crescerem, não lhes entregueis o coração. Salmo 62, 10
Porque, onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração. Lucas 12, 34
Infelizmente, o jovem rico, do evangelho de Mateus (19:16-23), decidiu ficar com as riquezas quando Jesus o confrontou e lhe deu a escolher entre riqueza material e riqueza espiritual. Diz o evangelho que ele ficou triste ante a sua própria opção; as riquezas podem dar prazer, mas não dão alegria e o prazer é quase sempre seguido pela tristeza.
O jovem rico recusou seguir o mestre porque, diante da perspetiva de perder as riquezas, a sua falsa segurança paralisou-o. Seguir o Mestre foi o que o moveu ir ter com Jesus, ele queria seguir o Mestre, mas não podia; e não por possuir muitas riquezas, mas por ser possuído por elas. Não era livre, não se possuía a si mesmo nem era senhor do seu destino. O que aconteceu ao jovem rico e acontece a todos os que entregam o seu coração às riquezas, assemelha-se a vender a alma ao diabo.
Onde está o teu tesouro aí está o teu coração, adverte o evangelho. Por isso, quando damos o coração às riquezas, vendemos a alma ao diabo; a partir desse momento, só possuímos do ponto de vista contabilístico porque, do ponto de vista psicológico e espiritual, somos nós os possuídos.
Se o objeto do nosso amor são bens materiais, então uma estranha simbiose acontece entre a pessoa e os bens materiais que ama. Define-se simbiose como uma relação de mútuo benefício e dependência entre dois seres vivos.
Há uma troca ou partilha entre os dois: os bens materiais partilham a sua matéria, pela qual a pessoa que os ama se materializa; a pessoa partilha o seu espírito, pelo qual os bens materiais se espiritualizam. O sujeito que antes dizia que possuía, passa a ser possuído. Não é o jovem rico que possui os bens materiais, são os bens materiais que possuem o jovem rico.
Porque o dinheiro é um bom escravo, mas um mau mestre. Aquele que é seduzido pela riqueza perde a sua liberdade. Na realidade, é a riqueza que passa a "comandar" a sua vida e não ele mesmo. Quando o único objetivo da vida é possuir, e o possuir só serve para manter as funções vitais, a pessoa vive para estar viva, ou seja, vegeta.
Encontrar uma riqueza maior
A Princesa Diana de Gales, tinha tudo que uma jovem poderia pedir na vida: juventude, beleza, poder, dinheiro, fama, "sangue azul" e dois filhos preciosos e, mesmo assim, não estava feliz porque lhe faltava o principal, o que o dinheiro não pode comprar: amor. À procura deste, abandonou tudo e foi nessa busca que perdeu a vida. Outros há, que tendo o essencial, o amor, fazem o oposto da princesa, buscando afanosamente tudo aquilo que ela desprezou. Gastam nisso as suas vidas, muitas vezes acabando por perder o que de antemão tinham: o amor.
Tal como Diana de Gales, S. Bento de Núrsia, S. Bernardo de Claraval, S. Francisco de Assis, Sto. Inácio de Loyola, S. Francisco Xavier, Sto. António de Lisboa, Sta. Isabel de Portugal, S. Nuno Álvares Pereira, Sta. Beatriz da Silva etc., os santos da Igreja católica, na sua grande maioria, eram de classe média-alta, cultos, jovens, belos, ricos, alguns de sangue azul, e todos abandonaram tudo por Cristo, tal como S. Paulo outrora fizera – por causa d’Ele, tudo perdi e considero esterco, a fim de ganhar a Cristo, Filipenses, 3, 8.
Não eram tolos, estes santos: ninguém troca um bem maior por um bem menor. Se abraçaram a pobreza é porque encontraram nela uma riqueza superior àquela que deixavam e com a qual não podiam contemporizar, pois a Bíblia é clara, não se pode servir a Deus e ao dinheiro, (Mateus 6,24). Não podes, ao mesmo tempo, cultivar valores espirituais e valores materiais.
É certo que o dinheiro é muito importante, é de facto o deus deste mundo, pois nos abre muitas portas e consegue-nos muitos bens de consumo; mas não nos abre a porta do mundo espiritual nem nos consegue valores humanos. Não nos compra o bem mais essencial e sem o qual a vida humana não faz sentido: o amor. O amor é a necessidade mais importante na vida e o dinheiro em nada pode satisfazê-la.
Quem passa a vida a cultivar valores temporais e caducos está, de alguma maneira, a cultivar a morte. Quando eventualmente morrer, não possuindo um corpo espiritual e não tendo acumulado tesouros no céu, estará morto para sempre, sofrendo a morte eterna. Ao passo que aquele que passou a vida a cultivar valores espirituais e humanos que são eternos, acumulou tesouros no Céu e, quando eventualmente morrer, ressuscitará com o corpo espiritual que construiu em vida e entrará com este na vida eterna.
O voto de pobreza
Como os votos religiosos de castidade, pobreza e obediência fazem referência a valores eternos, aqueles que os encarnam transformam-se em sacramentos, embaixadores, símbolos de eternidade para o resto dos cristãos. Ao viverem, aqui e agora, os valores que todos estamos chamados a viver no céu, relativizam realidades como o dinheiro, o poder, o prazer.
Quanto ao voto de castidade, como no céu não há morte, não há nenhuma necessidade de haver casamentos, como sugere Mateus 22,30. Viver em castidade ou amizade universal, é o que a todos nos espera.
Quanto ao voto de obediência, o que o religioso quer relativizar é o amor pelo poder que tantos têm. A mania de querer chegar ao topo, pensando que uma vez lá não teremos que obedecer a ninguém. Obedecendo, o religioso quer mostrar que fazer a vontade de Deus é o melhor para a autorrealização.
A necessidade de bens materiais está relacionada com o facto de ter, de sustentar a vida nas suas implicações biológicas. No céu, teremos um corpo glorioso (1 Coríntios 15, 44) ou espiritual, feito à imagem e semelhança do nosso corpo físico, sem ser o nosso corpo físico. Como é um corpo imaterial, não há necessidade de possuir e armazenar bens materiais.
Muitas pessoas vivem na ilusão de que, por possuírem mais meios de vida, têm mais vida, ou podem prolongá-la. Em si mesma, a vivência do voto apregoa a verdade de que não se pode amar a Deus e ao dinheiro; o possuir para além do necessário para nos mantermos com vida, impede-nos de “armazenar tesouros no Céu”, (Mateus 6,19-20) ou seja, de aplicarmos a vida a cultivar valores humanos. São estes valores que dão sentido e relevância à nossa vida, tanto do ponto de vista individual como social, e a sustêm na eternidade, fazendo parte do nosso corpo espiritual, com o qual viveremos com Deus.
Vivendo o voto de pobreza, no contexto de uma comunidade religiosa, destacamos o valor da partilha de bens comuns, assim como o valor de os usar e administrar com responsabilidade, sem os possuirmos. Acreditamos, na verdade, que só Deus é o verdadeiro dono de tudo o que as pessoas pensam e possuem. Não somos proprietários de coisa nenhuma, nem de nós mesmos, nem da nossa vida; apenas somos administradores de tempo, de talentos, de recursos e dessa administração prestaremos contas um dia.
CASTIDADE
Se a pobreza tem a ver com a nossa relação com as coisas, e a obediência com a nossa relação connosco mesmos, a castidade tem a ver com a nossa relação com os outros.
Castidade e sublimação
Eros & Tânatos são instinto de vida e instinto de morte, afetividade e agressividade, ying e yang, a força centrípeta e a centrífuga, o amor e o ódio, polos positivo e negativo da eletricidade ou energia com que fazemos tudo o que fazemos. Sem energia nada funciona numa sociedade e o mesmo acontece connosco.
No seu livro, “O mal-estar da Civilização”, Freud defende que tanto a agressividade como a afetividade desbragada, ou seja, abandonadas a si mesmas, têm um potencial destrutivo incomensurável; podem destruir o que ajudaram a construir. O ser humano abandonou a animalidade quando ganhou poder sobre estas duas forças, quando conseguiu domesticá-las, quando lhes colocou rédeas para as aproveitar positivamente.
Vistas as coisas sob este prisma, a civilização humana pode ser considerada como uma história da sublimação do Eros & Tânatos, ou seja, o uso inteligente que a humanidade fez destas forças ou instintos básicos. Da mesma forma, a nossa própria história pessoal consiste também nos esforços para desviar o nosso afeto e agressão naturais do seu alvo natural e primordial, a fim de promover o cultivo dos valores humanos.
Em consonância com essa forma de pensar, o voto religioso de castidade consiste em desviar a afeição natural do homem e da mulher do seu objeto primordial, casar e ter filhos, canalizando-a para uma finalidade mais cultural. Sacerdotes, religiosos e religiosas escolhem não ter esposas e maridos a fim de estabelecer uma fraternidade mais ampla; optam por não se reproduzir biologicamente e ter filhos próprios, a fim de ampliar e estender a sua paternidade e maternidade para além dos laços de sangue.
Exemplos de sublimação: a barragem e a máquina a vapor
Com a construção de uma barragem, o nível de água sobe a ponto de poder irrigar os campos e transformar um deserto num oásis, criando e alimentando uma sociedade agrícola e rural. Por outro lado, pode também ser aproveitada para produzir energia elétrica, criando e alimentando cidades industriais onde floresce a cultura urbana.
É claro que a barragem reprime e comprime a água, impedindo o seu fluxo natural; por isso as suas paredes têm de ser fortes e côncavas. Por outro lado, feita nos limites do possível, a mais-valia e os benefícios que se obtêm da força motriz da água para produzir energia e da sua canalização para a irrigação, justificam plenamente a represa ou repressão.
Tal como as paredes côncavas e fortes da barragem, a sublimação do Eros requer que a pessoa possua um caráter forte e robusto, para conter o impulso natural do Eros que se manifesta no desejo sexual e na paternidade natural, e poder assim canalizar a sua energia para uma paternidade e irmandade mais universal. O bem que se faz aos outros, no contexto desta paternidade e irmandade universal, ecoa em nós em forma de alegria; o ver que os outros estão melhores graças à nossa atuação, compensa largamente o esforço e o sacrifício envolvido no processo de sublimação.
O princípio da sublimação também se verifica na máquina a vapor que foi a primeira máquina que o ser humano construiu. Esta primeira força motriz artificial que o homem inventou, transformava o calor produzido pelo carvão que fazia ferver uma caldeira de água, em vapor de água e a força deste vapor movia os pistões do motor. Fundamentalmente, transformava calor em energia mecânica. A sublimação é possível e sem ela não existiria a sociedade humana tal qual a conhecemos.
Castidade é a relativização do sexo
"All you need is love" costumavam cantar os Beatles nos anos 60. De facto, depois das necessidades básicas que não incluem o sexo, amar e ser amado é a única necessidade e condição sem a qual a vida humana não existe nem subsiste. Nenhuma pessoa jamais atingirá maturidade plena como ser humano, se não for amada incondicionalmente durante a infância e amar incondicionalmente como adulta.
Quem em adulto procura ser amado, mais que amar, comporta-se afetivamente como uma criança. E como a sociedade não tolera que adultos se comportem como crianças, esse adulto procurará ser amado de forma enviesada, com enganos, manipulações e jogos psicológicos; é disso que tratam as telenovelas. Quem é maduro afetivamente pode passar sem ser amado, mas não pode passar sem amar. Jesus, na sua vida terrena, procurando sempre amar e servir os mais pobres e desfavorecidos, não procurava ser amado, mas também não repelia o amor que lhe devotavam.
O amor pode existir e subsistir e faz sentido sem sexo, pois há uma infinidade de situações amorosas onde o sexo não se aplica, não entra, nem deve entrar. Por outro lado, o sexo sem amor não deve existir, não faz sentido, pois transforma a pessoa num objeto de prazer, instrumentalizando-a e degradando-a, mesmo no caso do sexo consentido entre adultos onde ambos são sujeito e objeto.
Amar é, como diz S. Tomás de Aquino, querer o bem do outro. Por isso diz o provérbio espanhol “obras son amores y no buenas razones”, o amor manifesta-se nas obras tal como a fé. Contrariamente ao que diz a expressão popular, praticar sexo não é “fazer amor”, pois o amor manifesta-se nas obras, cresce ou decresce com elas e por elas.
Longe de ser a única, o ato sexual é apenas uma das muitas formas de dizer “Eu amo-te”; e não se aplica, nem é lícito, nem moral em muitas formas de amar. Mas, mesmo nas situações amorosas em que é correta e adequada a expressão sexual, esta, por si só, não tira nem acrescenta nada ao amor, apenas expressa ou não expressa o amor que existe ou não existe.
Amor particular versus amor universal
Nos meus tempos de criança e de adolescente, gostava muito de ver filmes de cowboys na televisão. Hoje, pensando em retrospetiva, é claro para mim que esses filmes influenciaram, diria mesmo, forjaram de alguma forma o meu futuro. Fascinava-me que depois de o cowboy ter libertado a cidade dos bandidos que a tinham refém, mesmo que durante o tempo em que ali tinha estado alguma donzela se tivesse enamorado dele pela sua bravura e ele tivesse ou não correspondido a esse enamoramento, no final, o cowboy nunca ficava na cidade nem aceitava o amor da donzela, nem o poder simbolizado pela estrela de xerife que lhe oferecia. Partia antes cavalgando rumo ao pôr-do-sol para, noutro episódio o vermos a libertar outra cidade, lutando sempre pela justiça e liberdade com risco para a sua vida.
Todo o homem e toda a mulher têm uma vocação natural para serem pai e mãe. O consagrado está chamado a realizá-la, não de uma forma biológica ou física, mas de uma forma psicológica e espiritual. Mesmo para os que são pais, em sentido biológico, o mais importante não é o escasso tempo do processo da conceção, mas os longos anos do processo educativo. Madre Teresa de Calcutá nunca foi mãe no sentido biológico e, no entanto, ninguém lhe negaria o nome de madre Teresa.
O consagrado não é pai trazendo mais filhos ao mundo, mas contribuindo para a educação e humanização dos que já cá estão. Do missionário pode dizer-se, como se disse de Jesus: “passou pelo mundo fazendo o bem”.
Castidade e abstinência
Tal como a pobreza não é a negação completa dos bens materiais, pois enquanto possuímos um corpo físico necessitamos de alguns, tal como a obediência também não é a submissão acrítica incondicional e total à vontade de outrem, como as ovelhas ao pastor, assim também a castidade não é a abstinência total do amor personificado e da possibilidade de o expressar sexualmente.
A sublimação total do Eros é impossível
É claro que o processo de substituição ou canalização de energia, não pode ser continuado até ao infinito, como também não pode sê-lo a transformação de calor em energia mecânica nas nossas máquinas. Sigmund Freud
Conforme o exemplo utilizado por Freud, a máquina a vapor, é impossível transformar todo o calor produzido pelo carvão em energia mecânica; muito desse calor perde-se de forma natural. Também dá o exemplo do agricultor que treinou o seu cavalo a viver sem comer; quando pensava que já o tinha habituado, o cavalo morreu.
O mesmo acontece com a minha metáfora da barragem: não é possível transformar toda a sua água em eletricidade e agricultura. Há tempos em que chove muito, o que obriga a abri as comportas e a deixar que a água corra naturalmente; se não o fizermos, podemos perder a barragem.
A sublimação total do Eros não é desejável
Usando ainda a metáfora da barragem, quando chove muito é preciso largar água; a castidade, de facto, resulta mais difícil nos anos jovens, quando chove muito, ou seja, quando a produção hormonal está no seu auge. Era precisamente por isto que S. Francisco de Assis, para resistir à tentação, se rebolava nu na neve. Também aqui existe o perigo de se perder a barragem do nosso psiquismo, ou seja, de ficarmos neuróticos. Sempre achei uma pura hipocrisia serem clérigos velhos e decrépitos (com um nível quase nulo de produção hormonal) a prescrever a moral sexual para jovens.
Existem, por outro lado, estudos que dizem que tanto a prática sexual exacerbada como a total abstinência são daninhas para a saúde física. A falta de produção de testosterona tem efeitos não só na função sexual, como também no funcionamento geral do organismo. Talvez Buda tivesse razão ao advogar o caminho do meio, ou como diziam os antigos “in medio virtus” “in medio veritas”.
Sexo como liturgia do amor
Se o prazer sexual é uma expressão do diálogo oblativo, então fica claro que a instituição do matrimónio não pode ser o "hortus conclusus" da sexualidade e não podemos lidar com ela apenas dentro dos limites de uma doutrina do matrimónio. Pietro Prini L’o scisma sommerso
Pietro Prini, um filósofo católico muito querido nos círculos do Vaticano, opina neste seu livro que, em matéria sexual, o mundo católico não segue a moral católica; há dentro da Igreja um cisma entre a moral sexual que seguem os fiéis e aquela que é proclamada pelo magistério.
O teólogo irlandês Diarmuid O’Murchu no seu livro Poverty, celibacy, and obedience: A radical option for life chega à mesma conclusão que Prini: Que o celibatário deva ou não abster-se totalmente da intimidade sexual genital, num mundo onde essa expressão íntima já não está ligada exclusivamente ao casamento, tem pelo menos de permanecer uma questão em aberto.
Na espécie humana, a expressão sexual não existe primariamente para a procriação, pois nem todos os atos sexuais estão abertos à vida, como é o caso nos animais. Ao contrário destes, os humanos não são filhos do instinto, mas sim do amor entre duas pessoas porque também só se vive humanamente no amor e para amar. Portanto, a expressão sexual é, antes de tudo, liturgia, expressão do amor entre duas pessoas, sempre e quando este amor aconteça e a expressão sexual deste seja apropriada.
OBEDIÊNCIA
Se a pobreza tem a ver com o amar a Deus sobre todas as coisas, a castidade tem a ver com o amor ao próximo como a ti mesmo, a obediência tem a ver com o amor a si mesmo. O primeiro conceito que tem de estar claro na nossa mente é de que a nossa vida não tem apenas a ver connosco.
A vida humana é um valor absoluto em relação à morte, não podemos atentar contra ela. Porém, em relação aos outros valores humanos é um valor relativo, pois a vida humana só tem sentido cultivando valores humanos e cada um desses valores valem a nossa vida. Não empregues a tua vida em causas pelas quais não estás disposto a morrer.
Se em relação ao voto de pobreza dissemos que, em relação à nossa vida, não somos proprietários nem das coisas a que chamamos nossas nem da nossa vida, pois nada fizemos para a ter nem nada podemos fazer para a reter, em relação ao voto de obediência não somos os arquitetos da nossa vida, mas sim apenas os engenheiros, pedreiros, construtores da mesma.
Construtores, não arquitetos – Toda a pessoa que vem a este mundo, vem com um projeto. Vem porque Deus assim o quis. As circunstâncias do seu nascimento não interessam: nem retiram nem acrescentam dignidade. Tão filho de Deus é o nascido por amor como o nascido por acidente, o nascido de prostituta, o nascido de uma noite de prazer e até o nascido de uma violação; toda a vida humana que vem a este mundo, desde a sua conceção até à morte natural, é viável e, portanto, inviolável.
Deus escreve direito por linhas tortas. Para os seus desígnios serve-se tanto do nosso bem como do nosso mal. Para Ele, não há filhos ilegítimos nem de sangue azul; para todos é Pai; todos, iguais em dignidade, são herdeiros da vida eterna.
Assim como não se constrói uma casa nas nossas cidades e aldeias, antes de ser devidamente desenhada e projetada, nenhuma vida vem a este mundo sem que Deus tenha traçado para ela um projeto, sem que Ele tenha desenhado um plano.
Não fostes vós que me escolhestes; fui Eu que vos escolhi a vós e vos destinei a ir e a dar fruto, e fruto que permaneça Jo 15, 16 - Não somos, portanto, nós que desenhamos o nosso destino; estamos chamados a ser uma casa construída sobre a rocha, se ouvirmos a palavra, ou seja, se conhecermos o plano que diz respeito à nossa vida e o pusermos em prática, se o executarmos tal e qual ele está desenhado.
Como não somos proprietários da nossa vida, também não somos os seus arquitetos, mas sim os seus pedreiros ou mestres-de-obras. O arquiteto de tudo e de todos, o criador, é Deus; o desenho, o projeto, ou plano da nossa vida está com ele, para o conhecermos temos de o consultar periodicamente, à medida que vamos construindo a nossa vida, a nossa casa.
O construtor que não consulta o arquiteto periodicamente, corre o risco de construir algo que não está de acordo com o projeto. Como é embaraçoso sempre que isto acontece nas nossas cidades, casas às quais não é dada a autorização para serem habitadas, chegando mesmo a ser destruídas porque não foram edificadas em conformidade com o desenho. Pior embaraço é apresentar-se diante de Deus com uma vida vivida contra a sua vontade. A consulta periódica pela qual vamos conhecendo a vontade de Deus a nosso respeito chama-se oração. Por isso, no quadro do religioso consagrado, ela é 50% da sua vida, conforme a regra de Ora ed Labora.
A opção fundamental como compromisso
A opção fundamental é uma decisão que se toma sobre o conjunto da nossa vida, é o objetivo, a meta do nosso viver, que dá sentido, cor e sabor a todos e a cada um dos dias da nossa vida. É a chama que é mantida pelo combustível da nossa vida, energia e tempo. É o ponto de apoio da alavanca que levanta o mundo, no princípio de Arquimedes. É a motivação, a inspiração que reúne todos os nossos recursos e os coloca ao serviço de uma meta, de um alvo por nós escolhido.
A vida é feita de muitas opções e decisões; são elas que dão cor, sabor, aroma e sentido à nossa vida. Estas pequenas opções geralmente referem-se a um ou mais aspetos da nossa vida; podem afetar-nos muito ou pouco, mas não chegam a afetar o conjunto da nossa vida. A opção fundamental é a decisão das decisões, a opção mestra, a mãe de todas as opções porque se refere a toda a vida presente e futura. Na maior parte das vezes, é irreversível, é a razão do nosso viver, é a causa que vamos alimentar com o nosso tempo e energia; é a boca para a qual nós somos o pão.
A causa, ou opção fundamental, que Nelson Mandela alimentou com a sua vida foi o fim do apartheid na África do Sul; para Beethoven foi a música; para Picasso, a pintura; para Gandhi, a independência da Índia de uma forma não violenta; para uns pais são os filhos; para os professores são os alunos; para os médicos são os doentes…. Mais que uma profissão, a vida é uma missão.
Não há vida sem compromisso
Vivem como se nunca fossem morrer... e morrem como se nunca tivessem vivido. Dalai Lama
Quando chega o momento para escolher a nossa opção fundamental, estamos na encruzilhada da nossa vida, ou como se diz atualmente na Europa, estamos na rotunda da nossa vida. Não podemos estar aí para sempre, nem por mais tempo do que é adequado. Frequentemente, quando permanecemos demasiado tempo indecisos, a vida ou o Estado acaba por decidir por nós, como acontece em alguns países a respeito das uniões de facto dos jovens: depois de um tempo, o Estado considera-os casados. Em Lisboa existe até uma rotunda chamada “Rotunda do Relógio”. Enquanto permanecemos indecisos, o tempo passa e algumas oportunidades não aparecem segunda vez na vida.
"I want to keep all my options open"– Costumava eu ouvir dizer aos jovens nos Estados Unidos e no Canadá. Durante a infância e a primeira juventude, de facto, tudo está em aberto. Manter todas as opções em aberto seria como ser uma estátua no centro de um cruzamento ou andar à roda numa rotunda, como um burro à nora. Seria estar vivo sem viver e morrer sem nunca ter vivido.
Obediência é fidelidade ao nosso compromisso
Como devemos obediência à nossa natureza fisiológica, devemos obediência também à nossa natureza sobrenatural, que é nossa a vocação ou a nossa opção fundamental, como fez Jesus. Todo o nosso tempo e energias devem ser dedicados à vocação que escolhemos.
Quem olha para trás, depois de deitar a mão ao arado, não é apto para o Reino de Deus (Lucas 9, 62). Obediência é sermos fiéis aos compromissos assumidos, ao que Deus nos chamou a fazer, àquilo a que decidimos dedicar as nossas vidas. O amor leva ao compromisso matrimonial, mas depois, é este compromisso que guarda e nutre o amor.
A alternativa à obediência como fidelidade ao compromisso que escolhemos livremente, e que consta do cultivo de um valor ou causa humana orientada para o bem comum, seria não escolher, mantendo todas as opções abertas, acampar num cruzamento, não investindo nem comprometendo o nosso tempo e energias num projeto, como fez o servo néscio, na parábola dos talentos, que escondeu o talento recebido.
É certo que seríamos livres, mas um dia, perto do fim das nossas vidas ao olhar para trás, ficaríamos com a impressão de nunca ter vivido, pois não teríamos escrito nenhuma história e teríamos gasto o tempo e as energias, em futilidades e em mantermo-nos vivos.
Mais que sobreviver, a vida humana é implicar, comprometer o nosso tempo e energia num projeto de utilidade social. O que é bom para a comunidade é bom para nós. Quando não somos úteis aos outros somos inúteis até para nós mesmos; a nossa vida só será significativa para nós se for significativa para os outros.
Conclusão: Voto de pobreza é o “ter” ao serviço do “ser”; voto de castidade é a necessidade de amar e ser amado ao serviço da fraternidade universal; voto de obediência é a vontade pessoal ao serviço do bem comum.
Pe. Jorge Amaro, IMC
Sem comentários:
Enviar um comentário