1 de julho de 2021

3 Pedidos do Pai-Nosso: Pão - Perdão - Ajuda

A oração que Jesus nos ensinou é muito mais do que uma simples oração para recitar ocasionalmente. Ela contém o mais importante do evangelho de uma forma resumida; é, neste sentido, todo um evangelho de bolso pois contém o que devemos conhecer, praticar e transformar em comportamento nas nossas vidas.

Se um namorado recitasse todos os dias à sua amada uma poesia de amor, por mais bonita que fosse a poesia, um dia a namorada cansar-se-ia da poesia, mesmo que fosse da sua autoria. Mais que recitar fórmulas, a oração é um encontro pessoal e existencial com Deus. Por isso a “oração” do Pai-nosso não nasceu originalmente, em meu entender, para ser uma oração que recitássemos todos os dias ou ocasionalmente de forma mecânica e repetitiva. De facto, os discípulos não pediram a Jesus que lhes ensinasse uma oração, mas sim que os ensinasse a rezar.

Como é composto por vários enunciados soltos sem relação uns com os outros, pode ser vista como uma lista, como as listas de compras que fazemos para não nos esquecermos de nada quando vamos ao supermercado. Entendida como lista, diz respeito ao protocolo da nossa relação com Deus, ou seja, como deve estar estruturada a nossa oração, como devemos dirigir-nos a Deus, como devemos louvá-Lo, o que devemos pedir, quando e como devemos pedir. Portanto, mais que uma oração, é fundamentalmente um guia prático para orar.

Versão de Mateus e de Lucas
O Pai-nosso no evangelho de S. Mateus é mais elaborado, surge no contexto do grande Sermão da Montanha. Foi, portanto, pronunciado ex. cátedra; faz parte do tratado sobre a oração. É a versão que usamos liturgicamente; a versão de Lucas é mais curta, embora contenha o essencial. Nos respetivos evangelhos, as duas versões surgem em contextos distintos.

No evangelho de S. Lucas surge da pergunta de um discípulo: porque Jesus estava a orar, surge do desejo dos discípulos quererem imitar o Mestre e aprender a rezar. Também aqui os discípulos querem algo de sistemático para a posteridade. S. Lucas continua a provar o poder da oração, Deus sempre escuta é o que se conclui com a parábola do amigo importuno que Lucas coloca depois do Pai-nosso.

Estrutura do Pai-nosso
Contém um preâmbulo ou saudação inicial, seguida de duas partes, contendo cada uma delas três pedidos; os pedidos da primeira parte têm a ver com a glória de Deus, os pedidos da segunda parte com as necessidades do ser humano.

Preâmbulo

·        Pai-nosso

·        Que estais no Céu

 Primeira parte – Sobre a glória de Deus

1.      Santificado seja o Vosso nome

2.      Venha a nós o Vosso reino

3.      Seja feita a Vossa vontade, assim na Terra como no Céu

 Segunda parte – Sobre as necessidades do Homem

1.      O pão nosso de cada dia nos dai hoje

2.      Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido

3.      Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal.


PRIMEIRA PARTE – SOBRE A GLÓRIA DE DEUS
Pai
Quando Egerton Young primeiro pregou o Evangelho aos peles-vermelhas de Saskatchewan, a ideia da paternidade de Deus fascinou de imediato estas gentes que até então tinham visto Deus apenas no trovão, no relâmpago e no estrondo de tempestade.

Ao ouvir o missionário invocar a Deus como pai, um velho chefe exclamou: "Ao falares do Grande Espírito como acabas de fazer, será que te ouvi dizer, 'Pai Nosso'?" "Sim," disse Egerton Young. "Isso é muito novo e doce para mim," continuou o chefe. "Nós, índios, nunca vimos o Grande Espírito como Pai. Ouvíamo-lo no trovão ou víamo-lo no raio, na tempestade e nos nevões, e ficávamos aterrorizados, com medo.”

“A noção de que o Grande Espírito é nosso Pai, é nova, mas sublime para nós.” O velho chefe pausou, parecendo meditar… foi então, que de repente, num vislumbre da glória, a sua face se iluminou como num relâmpago e clamou. "Oh Missionário, disseste que o Grande Espírito é teu Pai?" "Sim", disse Egerton. "E," continuou o chefe, " também afirmas que Ele é Pai dos índios?" "Evidentemente", disse o missionário. "Então", exclamou o ancião, como se tivesse feito a maior descoberta, "tu e eu somos irmãos!"
William Barclay comentário do Novo Testamento

Estamos demasiado habituados a chamar a Deus nosso Pai e, por isso, já não ressoa na nossa mente e no nosso coração como ressoou pela primeira vez na mente e no coração do chefe índio. Convém ter consciência de que antes de Jesus nós não éramos filhos de Deus, mas apenas criaturas, criadas à imagem e semelhança de Deus, mas criaturas, não filhos. Eu posso formar um boneco de barro, mas esse boneco não é meu filho, pois não o gerei; é apenas minha criatura, pois foi por mim criado.  

Deus só tem um filho que, como diz o Credo, é gerado não criado. Se o credo falasse de nós, diria criados não gerados. (Deus) nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade, Efésios 1, 5

E, se nós somos filhos, somos logo herdeiros também, herdeiros de Deus, e co-herdeiros de Cristo: se é certo que com ele padecemos, para que também com ele sejamos glorificados. Romanos 8, 17 – Segundo o direito romano que fundamentalmente é o usado em todo o mundo, o filho adotivo tem os mesmos direitos na herança que o filho gerado.

Jesus chama a Deus Pai, mas só no núcleo dos apóstolos e nunca fora dele. O que significa que a paternidade divina está disponível só para aqueles que aceitam a Jesus como filho de Deus e irmão, nosso irmão maior, pois só em Cristo filho unigénito de Deus é que nós somos filhos adotivos.

Deus é nosso Pai, mas não é paternalista pois também é Nosso Senhor. Por ser nosso amigo, não significa que “faz vista grossa” às nossas injustiças nem vai estar do nosso lado contra os nossos inimigos quando são eles que têm a razão. Deus não está do lado de uns contra outros, pois ama a todos, mas está do lado da justiça e da verdade contra a injustiça e a mentira e, neste sentido, está contra os que praticam a injustiça e a mentira, mas na medida em que as praticam, não esquecendo que Deus quer a conversão do pecador, não que morra e pereça.

Nosso
O politeísmo de facto levava à divisão e ao ódio entres os homens; as rivalidades entre os deuses do Olimpo, na mitologia grega, espelhavam a rivalidade entre os homens. Se há vários deuses, o meu é superior ou inferior ao teu e não há nenhuma relação entre nós. Um só Deus que é Pai faz de nós todos irmãos.

Posso recitar o Pai-nosso na intimidade do meu quarto ou no meu pensamento e não poderei dizer meu pai, devo dizer Pai Nosso. Mesmo na intimidade do meu quarto, Deus pode fazer-me a pergunta que fez a Caim, “Onde está o teu irmão?” A esta pergunta, a resposta de Caim não é apropriada porque, de facto, somos sempre os guardiões do nosso próximo, sempre devemos saber onde está e como está.

Quando dizemos Pai-nosso, não excluímos ninguém de nenhum país, língua, povo ou nação. Somos todos irmãos porque todos pertencemos à raça humana e provimos de um tronco comum; os nossos antepassados viveram em África há 5 milhões de anos. Para o cristão não há estranhos, pelo que estamos sempre chamados a ser bons samaritanos em qualquer momento, em qualquer lugar onde um ser humano se encontre em necessidade.

Que estais nos céus
Transcendência – Porque Deus está no Céu, é transcendente, vive separado de cada coisa que criou, não depende de nada do que Ele criou; não é abarcado pela criação. Neste sentido, não é possível conhecer totalmente a Deus. O que é lógico: se a nossa pequena mente foi tirada da sua grande mente, a parte não pode abarcar o todo.

O Criador conhece e sabe tudo sobre a criatura, e sabe mais da criatura que esta de si mesma; a criatura, porém, nunca sabe tudo de Deus nem de si mesma, porque na sua essência há um pouco da essência divina, ou seja, participamos do mistério de Deus. Deus é um mistério e nós, porque somos criados por Ele, também somos um mistério para nós próprios, nunca saberemos tudo sobre nós mesmos.

Imanência – A transcendência de Deus não O faz estranho a cada coisa que Ele criou. Deus está no coração de cada coisa, não como se fosse mais uma peça de uma máquina, ou como se fosse um elemento mais entre os que compõem a Natureza, mas sim o coração de cada coisa. Ou seja, Deus, não o átomo, é a parte mais básica de tudo o que Ele mesmo criou.

Quanto a nós mesmos “Deus interior, íntimo meo est”. Deus está mais além do nosso interior, é também o coração do nosso ser, habita dentro de nós. Não se trata aqui de um panteísmo, dizer que Deus é e está no coração de cada coisa não significa que tudo seja Deus.

No panteísmo, Deus perde a sua transcendência, mas Deus é tão imanente como transcendente. Há mais Deus para além de cada coisa. Cada coisa pode levar-nos a Deus segundo a espiritualidade de Francisco de Assis, que via Deus nas criaturas, mas nenhuma delas nem todas elas na sua totalidade eram Deus; havia mais Deus para além de cada uma delas e de todas elas no seu conjunto. Todas as criaturas têm o selo, a marca, o carimbo de Deus, mas nenhuma delas nem todas elas na sua totalidade encerram Deus.

Contra o panteísmo que encerra Deus na sua criação, afirmamos o panenteísmo, ou seja, Deus é imanente, é a alma de cada coisa e do universo no seu conjunto, porém também concede liberdade e autonomia a tudo o que criou, sendo por isso transcendente. Não é a criação que contém Deus, é Deus que contém a criação. Como diz S. Paulo em Atos 17, 28, "Nele vivemos, nos movemos e temos o nosso ser". Assim sendo, também nós somos chamados a transcender-nos da criação porque somos de Deus, apesar de estarmos no mundo.

Ser e estar
Génesis 2, 7 – E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente. Fomos criados dos mesmos elementos que a terra possui, mas a vida é diretamente um dom de Deus. Deus que vive, transmite-nos a sua vida no seu sopro. A vida é sempre d’Ele, expira ou sopra nas nossas narinas e começamos a viver, ao fim da nossa vida Ele inspira e o seu sopro divino volta para Ele, pois a vida é d’Ele, sempre foi d’Ele.  

Somos a única criatura criada à imagem e semelhança do criador, por isso, estamos no mundo, mas somos do céu, não temos aqui morada permanente mas caminhamos para a nossa pátria celeste, onde tudo se originou, onde a nossa vida se originou e tem a sua sede. Só nas línguas portuguesa e castelhana se diferencia o ser do estar. Estamos no mundo, mas não somos do mundo, pois somos, como Deus nosso Pai, do Céu.

A nossa essência é divina, pois fomos diretamente criados por Deus e fomos em Cristo adotados como filhos. Por isso não somos daqui, somos tão extraterrestres como o ET e como extraterrestres devemos comportar-nos. Hoje estamos aqui, amanhã estamos no Céu; enquanto aqui vivemos, não somos do lugar que habitamos.

Santificado seja o Vosso nome
“Escuta Israel, amarás o senhor teu Deus com todo o teu coração”. “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.” Estas são duas das muitas advertências contra a tentação de idolatrar, adorar ou venerar outras realidades ou pessoas que não Deus. Esta tentação é muito comum; uma batata frita que o futebolista inglês David Beckam deixou cair passeando numa rua na Nova Zelândia apareceu no Ebay e havia pessoas a oferecer dinheiro por ela.

Uma outra tentação são as superstições. Todas as superstições subentendem que Deus não é todo-poderoso, que há poderes, forças naturais e realidades que a sua omnipotência não controla; que há acontecimentos que escapam à sua previdência e providência. Enquanto a fé é uma crença não de todo racional, mas razoável, a superstição é uma crença completamente irracional. A superstição foi condenada no Antigo Testamento durante toda a história de Israel. O mesmo aconteceu também desde os primórdios da Igreja do novo povo de Israel, chegando esta, na Idade Média e por excesso de zelo, a cometer autênticos crimes, queimando bruxas.

Os cristãos ofendem a Deus sempre que dizem que isto dá sorte ou aquilo dá azar, ou usam amuletos aos quais conferem poderes espirituais, ferraduras, chaves, pequenos chifres, etc.; uma coisa, uma realidade material, precisamente por ser material, não pode ter poderes do foro do espírito. Só um ser espiritual pode ter poderes espirituais. De alguma forma, a superstição é um resquício da etapa de conceptualização da noção de Deus chamada animismo. No animismo todas as realidades físicas têm uma alma; à medida que o ser humano foi conhecendo as coisas, foi-lhes roubando a sua alma que passou para ele, as coisas deixaram de ter poder sobre o Homem porque ele passou a conhecê-las e a     dominá-las.

À medida que o conhecimento da Natureza ia aumentando, esta ia perdendo o seu domínio sobre o Homem. Há, porém, certas realidades que o Homem não conseguiu conhecer nem dominar totalmente, a estas chamou de deuses e assim nasceu o politeísmo que atribuía um deus a cada realidade que o homem não conseguia conhecer ou dominar totalmente. Assim nasceu Vénus, a deusa do amor, Marte, o deus da guerra, Cronos, o deus do tempo e Poseidon, o deus do mar.

As relações que mantemos como os nossos seres mais queridos podem ser de pura idolatria quando os mesmos se transformam no centro da nossa existência. Quando um amante diz, “sem ti a minha vida não tem sentido” está a idolatrar a sua amada; a vida só não tem sentido sem Deus e a Deus devemos amar a cima de todas as outras criaturas. “Quem ama pai e mãe, filho ou filha, irmão ou irmã mais do que a Mim não é digno de Mim”.

Claro que não nos inclinamos diante de ídolos repulsivos, mas todos temos a tendência de endeusar realidades, pessoas ou coisas mais próximas de nós e fazer delas especial objeto do nosso afeto. O povo português utiliza a expressão “adoro” tanto para Deus como para qualquer outra realidade; adorar significa submeter-se: nós não nos submetemos ao chocolate, ao bacalhau, etc., mas só a Deus.

Venha a nós o vosso Reino,
Pregar a Boa Nova do Reino era a razão principal da sua vinda ao mundo, e uma obrigação para Jesus. «Tenho de anunciar a Boa-Nova do Reino de Deus também às outras cidades, pois para isso é que fui enviado.» Lucas 4: 43.

Jesus não veio só salvar os homens enquanto indivíduos, levá-los ao Céu depois da sua vida nesta Terra; Jesus não tem só um projeto para o homem como pessoa, mas também como ser social; bem sabe que a estrutura social faz a pessoa e as pessoas fazem a estrutura social; uma sociedade injusta e cruel faz homens injustos e cruéis e vice-versa.

O Reino de Deus, ou seja, uma sociedade onde reina a justiça e a paz, mais justa, onde é Deus quem governa, já está presente no meio de nós, já é uma realidade do presente, visível e palpável. Mas se Eu expulso os demónios pela mão de Deus, então o Reino de Deus já chegou até vós. (Lucas 11, 20). É um facto que o nosso mundo é bem mais ético que qualquer tempo no passado e isto deve-se em grande medida à divulgação do evangelho que se tornou na medida do ser humano.

Sendo já uma realidade aqui e agora, o Reino de Deus ainda não está presente na sua plenitude. Daí a inclusão do pedido “venha a nós o vosso Reino” na oração do Pai-nosso. Nós somos os continuadores da obra de Jesus, de nós depende agora que o Reino se estenda a toda a terra até que Cristo seja tudo em todos.

Reino de Deus – Missão – Igreja
A palavra Igreja, ou seja, Eklesia do verbo Kaleo ou convocar a assembleia dos fiéis, aparece só duas vezes nos evangelhos e 110 vezes no resto do Novo Testamento. Pelo contrário, a expressão Reino de Deus, aparece 127 vezes nos evangelhos, e só 27 vezes no resto do Novo Testamento. Se a boca fala da abundância do coração, ou seja, se temos a tendência de falar muito do que é mais importante para nós, e pouco do que não é importante, podemos concluir que o conceito  de Igreja não era importante para Jesus, pois só fala dele duas ou talvez só mesmo uma vez em Mateus 16: 18, ao dizer a Pedro “tu és Pedro e sobre esta rocha edificarei a minha Igreja”. Ao contrário do conceito de Igreja, o de Reino de Deus era de suma importância para Jesus.

A Igreja deu-se a si mesma mais importância que aquela que o Mestre e seu fundador lhe deu. Ao dar-se a si mesma demasiada importância, retirou a importância ao Reino de Deus que era o projeto que Jesus tinha para esta sociedade e este mundo. Algumas vezes na história chegou a proclamar-se a si mesma como o Reino de Deus na Terra.

Como Jesus tem outras ovelhas que não são deste redil (João 10,16), do redil da Igreja, é preciso afirmar e reafirmar que o conceito de Reino de Deus é mais abrangente que o conceito de Igreja, que a Igreja está dentro do Reino de Deus, e que o Reino de Deus não é contido pela Igreja. Somos salvos na medida em que somos cidadãos do reino de Deus e não na medida em que somos cidadãos da Igreja, pois a Igreja tem a ver com o que somos, o Reino de Deus tem a ver com o que fazemos; segundo Mateus 25, não somos julgados pelo que somos, mas sim pelo que fazemos.

Colocando os conceitos de Reino de Deus, Igreja e Missão na correta ordem e perspetiva, devemos dizer que a Missão da Igreja é evangelizar, é proclamar o Reino. A Igreja existe para a Missão de levar o evangelho a toda a parte; o objetivo desta Missão não é implantar a Igreja, mas sim o Reino de Deus, estabelecer o Reino de Deus aqui e ali, ou seja, lutar pela justiça e pela paz, por um mundo melhor.

Jesus e Adam Smith
Jesus disse “buscai primeiro o Reino de Deus e o resto vos será dado por acréscimo”. O mesmo é dizer buscai primeiro o bem comum, que o bem pessoal vos será dado por acréscimo; ou em termos mais ligados à Economia, buscai primeiro de forma desinteressada o bem comum que uma mão misteriosa se encarregará do vosso bem pessoal.

Pelo contrário, Adam Smith, o pai do capitalismo moderno, disse “Que cada um busque egoisticamente os seus próprios interesses  que uma mão misteriosa se encarregará do interesse comum”; isto seria verdade se os homens fossem todos iguais, se todos tivessem o mesmo poder de compra, a mesma educação, a mesma inteligência, etc. o que não é verdade.

Esta é a lei do mais forte, a lei da selva. Na verdade, o fosso entre os ricos e os pobres é cada vez maior. O altruísmo, o bem comum, nunca poderá ser a soma de todos os egoísmos. O bem, neste caso o bem comum, só se consegue buscando-o diretamente; o que é natural ao homem, o que se consegue sem esforço, é o mal; o bem requer esforço e, no caso do bem comum, muitas vezes requer o sacrifício do bem pessoal.

Seja feita a Vossa vontade, assim na Terra como no Céu.
“Nem todo o que me diz: 'Senhor, Senhor' entrará no Reino do Céu, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai que está no Céu.” Mateus 7,21

Os judeus gostavam de dizer a mesma coisa duas vezes por outras palavras para que se entendesse. Exemplo O Senhor é meu pastor nada me falta / Em verdes prados me faz repousar (Salmo 23:1-2). A segunda afirmação explica, amplia, define e interpreta a primeira. Temos, portanto, na segunda afirmação do Pai-nosso uma perfeita definição do Reino de Deus, que é uma sociedade na terra na qual a vontade de Deus se faz como se faz no Céu.

Por isso o Reino de Deus é do passado, do presente e do futuro. Qualquer pessoa que neste tempo faz a vontade de Deus é cidadão do Reino de Deus. Como o mundo está longe de ser o Reino de Deus, esta é uma realidade pela qual devemos rezar e trabalhar, continuando a obra de Jesus de Nazaré quando andou por este mundo.

Devemos fazer a vontade de Deus e não a nossa porque Deus sabe mais o que nos convém que nós próprios; Ele sabe todo o nosso passado, presente e futuro; por outro lado, ama-nos muito mais do que nós nos amamos a nós próprios.

Por outro lado, Deus é o arquiteto da nossa vida, foi Ele que nos criou por uma razão, com um objetivo. Neste sentido, é Ele que tem os planos da nossa construção. Todo o bom engenheiro consulta o arquiteto e a planta da construção para que esta seja como o que foi projetado.

Quando isto não acontece, a Câmara obriga a modificações para que a construção respeite a planta ou então não dá a autorização para ser habitada. Que trágico seria se depois da nossa morte nos apresentássemos diante de Deus com uma construção que não respeita aquilo que Ele tinha projetado para nós. Na oração conhecemos a vontade de Deus.

SEGUNDA PARTE SOBRE AS NECESSIDADES DO HOMEM
Depois de fazer jus à glória de Deus e ao seu projeto para o nosso mundo, este é o momento de pedir pelas nossas necessidades pessoais. A este respeito, nesta segunda parte do Pai-nosso encontra-se a totalidade de Deus com a totalidade do homem. Deus é Pai, Filho e Espírito Santo; o homem é pura indigência, “sem mim nada podeis fazer” (João 15, 1-8), diz o Senhor. As necessidades do homem referem-se aos três tempos em que a sua vida decorre: o presente, o passado e o futuro. A segunda parte da oração do Pai-nosso refere-se a estas necessidades, uma para cada tempo.

Primeiro, pedimos pão que é necessário para sustentar a nossa vida na Terra, trazendo assim à presença de Deus as nossas necessidades do tempo presente.

Segundo, pedirmos perdão a Deus pelo mal que fizemos, trazendo desta forma à presença de Deus o nosso passado para ser redimido.

Terceiro, pedimos força e ajuda na tentação, confiando assim na providência divina ao colocarmos o nosso futuro nas mãos de Deus.

Nestes três breves pedidos aprendemos a colocar nas mãos de Deus o nosso passado, o nosso presente e o nosso futuro. Mas esta não é só a oração que traz toda a nossa vida, passado presente e futuro à presença de Deus; também é a oração que traz a totalidade de Deus às nossas vidas.

Quando pedimos pão para sustentar a nossa vida terrena, estamos a dirigir a nossa oração a Deus Pai, o Criador e sustentador da vida. Quando pedimos perdão, as nossas atenções dirigem-se diretamente a Deus Filho, Jesus Cristo, o nosso Salvador e Redentor. Por fim, quando pedimos ajuda para futuras tentações, este pedido leva-nos a pensar imediatamente em Deus Espírito Santo, o confortador, o guia, o guardião o que dá força e alento.

De uma forma admirável, a segunda parte do Pai-nosso apresenta a totalidade do Homem no seu passado, presente e futuro à totalidade de Deus, Pai, Filho, Espírito Santo. Jesus ensina-nos a trazer toda a nossa vida à presença de Deus e a trazer a totalidade de Deus à nossa vida.

 

H   O   M   E   M

 

NECESSIDADES

TEMPO

 

DEUS

PAI

Pão

PRESENTE

FILHO

Perdão

PASSADO

E. SANTO

Ajuda

FUTURO


O pão nosso de cada dia nos dai hoje,
“Primumvivere, deinde filosofandur” – Primeiro pedimos pão que é necessário para sustentar a nossa vida na Terra, trazendo assim à presença de Deus as nossas necessidades do tempo presente. Como foi Deus Pai que nos criou e que nos trouxe à vida, é a Ele que devemos pedir pão ou qualquer outra necessidade material. Portanto, quando pedimos pão para sustentar a nossa vida terrena, estamos a dirigir a nossa oração a Deus Pai, o Criador e sustentador da nossa vida.

Se Deus é nosso Pai, nós somos seus filhos, somos as suas crianças; não há pior pecado que comportar-se como adultos com Deus, com a presunção de que já estamos emancipados e somos autossuficientes. Só os que são como crianças entram no Reino dos Céus. Devemos readquirir as virtudes que tivemos em crianças de uma forma natural:

A criança é humilde – Olha de baixo para cima, pois todos os adultos são mais que ela; aceita a sua condição sem nenhum complexo de inferioridade; é naturalmente obediente não pretende sobrepor-se a ninguém.

Vive ocupada mas não preocupada – Não se preocupa com o dia de amanhã, com o que há de comer ou vestir. Essas preocupações não lhe dizem respeito a ela, mas sim aos seus pais. Joga, corre, ri, vive a vida plenamente e deixa as preocupações para os pais. A ocupação das crianças é brincar, a dos adultos é trabalhar. Deus alimenta as aves do céu, mas não lhes deita a comida no ninho.

É consciente da sua indigência – Não se cansa de pedir, sabe que “quem não chora não mama”. Uma criança que passeie por um supermercado com os seus pais e não lhes peça nada não é uma criança normal. A criança sabe que não pode governar-se sozinha; sabe muito bem que sem os pais não pode fazer nada. Assim devemos ser nós com Deus.

Confia plenamente no seu Pai – Se levarmos uma criança pela mão num supermercado e essa criança não nos pedir nada, não é uma criança normal. Quando não tivermos nada que pedir a Deus não é porque nada necessitamos, é talvez porque nos transformámos em adulto e só confiamos nas nossas próprias forças para satisfazer as nossas necessidades. Deixamos de ser crianças para Deus, emancipamo-nos de Deus.

Tudo o que a criança vê, pede; porém, sabe intuitivamente que nem tudo o que pede ao Pai ele lhe vai conceder, mas também sabe que o Pai não lhe vai faltar com nada que seja essencial. Parafraseando o evangelho de forma inversa, não sabendo bem o que nos convém, tal como as crianças, nós pedimos serpentes em vez de peixes, pedras em vez de pão e escorpiões em vez de ovos (Lucas 11,11/13. Os nãos são tão educativos quanto os sins: quando uma criança recebe tudo o que pede, acaba por não saber o que quer.

Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido
Pedimos perdão a Deus pelo mal que fizemos, trazendo desta forma à presença de Deus o nosso passado para ser redimido. Quando pedimos perdão, as nossas atenções dirigem-se diretamente a Deus Filho, Jesus Cristo, o nosso Salvador e Redentor, que veio ao mundo para nos salvar, ou seja, para nos trazer saúde para as doenças que contraímos no passado e que ainda nos afligem no presente, psicológica, espiritual e fisicamente.

Perante Deus nunca somos justos – No dia em que deixarmos de ser pecadores, estaremos perdidos. S. Francisco de Assis é porventura aquele que mais se aproximou da plena imitação de Cristo, ao ponto de ser chamado por muitos teólogos o alter Cristo. Ele não se tinha a si mesmo como santo, mas sim como pecador; de facto, andava pelas ruas de Assis gritando “eu sou um grande pecador”. No dia em que olharmos para nós ao espelho da nossa consciência moral e não encontrarmos pecados, não será por não os termos, mas porque não temos consciência do mal que fizemos; será por termos parado de crescer espiritualmente e estarmos a caminho de uma psicose espiritual.

O justo peca sete vezes ao dia diz a Bíblia e é justo; muitos de nós, não sendo justos, quantas vezes pecaremos? Sem autocrítica não há progresso espiritual. O dia em que não encontrares pecados, paraste de crescer, porque não há progresso espiritual sem um exercício de autocrítica.

A nossa consciência moral é como uma peneira pela qual passa a farinha saída do moinho; se a peneira tiver uma malha fina retirará da farinha todas as impurezas, fazendo uma farinha branca. Se a malha for grossa deixará passar todas as impurezas, teremos uma consciência permissiva, uma malha grossa e faremos vista grossa ao mal que fizemos.

Deus ama incondicionalmente, mas não perdoa incondicionalmente – O amor de Deus é incondicional, Ele faz chover sobre justos e injustos. Deus amava tanto Francisco de Assis como Hitler. Como refere a parábola do semeador, não é culpa do semeador nem da semente, mas sim do campo que acolhe ou não acolhe a semente.

Amar é uma coisa, perdoar é outra, a condição sine qua non para obtermos ou não o perdão de Deus é perdoarmos ou não a quem nos tem ofendido, como diz o Pai-nosso. Deus não perdoa se não perdoarmos. Na parábola do perdão de uma grande dívida, Deus voltou atrás no seu perdão já concedido porque o perdoado, por sua vez, não perdoou a quem lhe devia. De todo o Pai-nosso, Jesus só comenta esta parte. Na versão de Mateus, diz claramente depois da oração, “porque se não perdoardes de coração a quem vos ofendeu também Deus não vos perdoará, a medida que usardes com os outros será usada convosco.”

Quando rezamos o Pai-nosso, estamos literalmente a pedir a Deus que perdoe as nossas ofensas na mesma proporção com que nós perdoamos os que nos ofendem. Por isso, quando dizemos ou pensamos “Nunca te perdoarei, nunca esquecerei o mal que me fizeste” e depois rezamos “perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”, estamos literalmente a dizer a Deus “Nunca me perdoes, nunca esqueças o mal que Te fiz “como eu não perdoo nem esqueço o mal que me fizeram.” Não nos convém rezar o Pai-nosso enquanto não nos decidirmos a perdoar.

O padre carismático brasileiro Marcelo Rossi contornou esta questão com um “pai-nosso” da sua autoria no qual dizia, a este respeito: “perdoa-nos numa medida maior do que nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. Seria bem mais fácil este Pai-nosso, mas não é esta a oração que Cristo nos ensinou, pelo que deve ser descartada.

O servo perdoado que não perdoou
… o seu senhor, chamando-o à sua presença, disse-lhe: Servo malvado, perdoei-te toda aquela dívida, porque me suplicaste. Não devias tu, igualmente, ter compaixão do teu companheiro, como eu também tive misericórdia de ti? E, indignado, o seu senhor o entregou aos atormentadores, até que pagasse tudo o que lhe devia. Assim vos fará, também, meu Pai celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as suas ofensas. Mateus 18, 21-35

Se faltasse alguma prova de que o perdão de Deus não é incondicional, mas está condicionado ao perdão que nós concedemos, aqui fica esta parábola com a conclusão que o próprio Jesus tira dela: “se não perdoardes aos vossos irmãos, também Deus não vos perdoará, pois, a medida que usardes com os outros será usada convosco” (Lucas 6, 27-38). Não podemos querer Deus para nós e o diabo para os outros. Não podemos amar a Deus sem amar o nosso próximo.

E não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal.
Estamos a pedir força e ajuda na tentação, pelo que confiamos na providência divina e pomos o nosso futuro nas mãos de Deus. Quando pedimos ajuda para futuras tentações, este pedido leva-nos a pensar imediatamente em Deus Espírito Santo, o confortador, o guia, o guardião, o que dá força e alento.

A tentação é positiva – Estamos habituados a ver a tentação como algo negativo, ou seja, como a antessala do pecado. Esquecemo-nos que Jesus foi tentado em toda a sua vida, como nós, e não caiu na tentação, ou seja, não pecou.

Tal como “a situação faz o ladrão”, os grandes homens, os grandes vilões não nascem como são, fazem-se em resposta a grandes desafios. Tentação em hebreu é “fataná” assim como o é em amarico, a língua nacional da Etiópia. “Fataná” não só significa tentação, mas também significa exame, teste. Como distinguimos os maus alunos dos bons sem testes? Como distinguimos os bons políticos dos que são maus políticos sem situações que funcionem como testes, onde uns se corrompem e outros não?

Tal como o aço é testado a uma pressão maior do que aquela a que vai ser submetido em uso, Deus também vai testar-nos antes de nos usar na construção do seu Reino. A tentação é um teste ou um exame que nos mostra a posição exata em que nos encontramos no caminho do progresso espiritual. Superar este teste é um passo em frente que nos faz mais fortes e nos prepara para as provações futuras; falhar o teste faz-nos mais fracos e propensos a falhar na próxima vez.

O Pai-nosso nas diversas línguas – Assim sendo, só a versão portuguesa e a espanhola do Pai-nosso estão de acordo com esta teologia. A versão italiana diz, “Non ce indurre in tentazione” ou seja, estamos a pedir a Deus que não nos induza à tentação. Na versão francesa diz-se “Ne nos soumetez pas a la tentacion” ou seja, não nos submetas à tentação; na inglesa diz-se “Lead us not into temptation” ou seja não nos leves à tentação; em amarico “weda fatana atágban”, não nos metas na tentação.

Deus não pode livrar-nos da tentação pois não livrou o seu próprio filho dela; o que pode fazer é ajudar-nos a vencê-la. A tentação faz parte da natureza humana, é com a tentação e pela tentação que exercemos a nossa liberdade, pois ela apresenta-nos uma alternativa. O que podemos pedir, e de facto pedem as versões portuguesa e espanhola, é que Deus nos ajude a vencer a tentação; “no nos dejes caer en la tentación”, ampara-nos na tentação.

Conclusão: Como oração trinitária, o Pai-nosso é o encontro entre a graça divina e a indigência humana. Ao Pai pedimos o pão que nos sustenta no momento presente; ao Filho o perdão que sara o nosso passado, ao Espírito Santo a ajuda para enfrentar o futuro.  

Pe. Jorge Amaro, IMC







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