A Igreja, a Eucaristia e o sacerdócio são instituições por Ele criadas para estender a sua ação salvadora a todo o tempo e lugar, até ao fim do tempo e do mundo. Estas três instituições são, em si mesmas e por si mesmas, três presenças de Cristo entre nós. Assim, a Igreja é o Corpo místico de Cristo, a Eucaristia é o Corpo Sacramental de Cristo, o sacerdócio é o Corpo Físico de Cristo.
3 Quintas-feiras – Quinta-feira santa – Corpo de Deus – Ascensão
Tres jueves hay en el año que brillan más que el sol: jueves Santo, Corpus Christi y el jueves de la Ascensión Dito popular espanhol
Quinta-feira Santa
A vida pública de Jesus começa nas bodas de Caná, onde transforma a água das nossas lágrimas no vinho da nossa alegria (Salmo 104, 14-15). E termina na Última Ceia, onde se dá a si mesmo como o pão do nosso sustento (João 6, 48-63). Entre estes dois banquetes, muitos ensinamentos de Jesus surgem no decurso de um convite para uma refeição. (Lucas 19, 1-10; Mateus, 26, 6-13)
Uma refeição, um banquete de boda é tema recorrente nas parábolas de Jesus: o Reino dos Céus é semelhante a um banquete… Boa comida, boa bebida, boa companhia, produzem a maior felicidade e alegria que este mundo pode oferecer-nos. Por isso, quando nos fala do Reino dos Céus, Jesus não encontra melhor comparação que o partilhar de boa comida, boa bebida e boa companhia.
O Senhor dos exércitos dará neste monte santo um banquete para todos os povos… (Isaías 25 6-9) O tema do banquete como símbolo da felicidade que Deus pode proporcionar ao homem é também muito recorrente já no Antigo Testamento. O povo hebreu celebra a sua saída do Egito, da escravidão e a entrada na Terra Prometida da liberdade com uma refeição onde se come o cordeiro, cujo sangue na ombreira da porta salvou os judeus, ao fazer passar longe o anjo exterminador.
Esta mesma refeição Jesus comeu com os seus discípulos e discípulas. Nela, ele é o cordeiro, como João Batista há muito tinha anunciado. Jesus transfere para o pão a sua presença física e dá-no-lo como sendo a sua carne. Transfere para o vinho a sua vida, o seu sangue, o seu Espírito, e dá-no-lo como sendo a sua força, a sua alegria, o seu Espírito.
Ascensão
Depois da Sua Ressurreição, e durante quarenta dias, como diz a escritura, Jesus não foi logo para o Seu Pai (João 20, 17). Dizem que os mortos não se dão conta, logo a seguir, de que morreram e consoante os temas a que se apegavam nesta terra, parece que vagueiam até os resolver. São as chamadas almas penadas ou apenadas, pois morreram subitamente por acidente antes do seu tempo e deixaram assuntos pendentes.
Já não limitado pelas leis do espaço e do tempo, Jesus no seu corpo glorioso deteve-se algum tempo nesta terra, antes de ascender ao Pai e, neste período, apareceu aos seus amigos e discípulos para os confirmar na Missão de continuarem a sua obra.
A festa da Ascensão era tradicionalmente celebrada numa quinta-feira. A despedida de Jesus acontece em Quinta-feira Santa, a sua partida não é a sua morte. Depois da sua morte, Jesus volta aos seus discípulos na realidade do seu corpo glorioso, volta a conviver com eles, volta a comer e a beber com eles, como nos contam alguns relatos das suas aparições, mas já está numa outra dimensão.
A partida do Senhor, o seu último adeus no verdadeiro sentido da palavra adeus, acontece quarenta dias depois da sua ressurreição de entre os mortos. Depois de os ter mandado por todo o mundo para continuar a sua obra, para estender o seu Reino, subiu aos Céus. Depois de ter encontrado outras formas de ficar entre nós, levou para o céu a nossa natureza humana divinizada no seu corpo, foi-nos preparar um lugar.
Corpo de Deus
Aos 60 dias da Ressurreição do Senhor, a Igreja celebra a sua presença sacramental na festa de Corpus Christi ou Corpo de Deus, a terceira quinta-feira que brilha mais que o sol. “Fazei isto em minha memória…” tinha dito na Quinta-feira Santa. Subiu aos Céus Quinta-feira da Acensão e deixou-nos na Eucaristia o memorial da sua vida, paixão, morte e Ressurreição.
Este é o meu corpo… Este é o meu sangue… são o abracadabra, a palavra passe, a palavra mágica que faz com que um pão normal se transforme no seu corpo, um vinho normal se transforme no seu sangue. Há uma mudança de substância, chamada transubstanciação, que não é acidental, ou seja, o pão continua com a mesma forma, cor, textura e sabor, assim como o vinho, mas já nem o pão é pão nem o vinho é vinho.
Alguns dos que duvidaram ao longo dos tempos e em diferentes lugares do nosso planeta, viram verdadeiramente esse pão transformado em carne, esse vinho transformado em sangue nos muitos milagres eucarísticos que aconteceram ao longo do tempo em diferentes latitudes e longitudes.
Como Jesus disse na sua Última Ceia, ele continua a estar verdadeiramente entre nós como aquele que serve e que nos serve de alimento, de viático nesta peregrinação para a pátria celeste que é a nossa vida. Se a Arca da Aliança no Antigo Testamento continha maná, símbolo do poder de Deus, o pão consagrado contém realmente o Senhor: o seu corpo entregado e o seu sangue derramado para que tenhamos vida em seu nome e a tenhamos em abundância.
Pentecostes
Na mesma sala de cima onde a Igreja foi concebida na Última Ceia do Senhor, quando ao Corpo místico de Cristo que é a Igreja se uniu o Espírito Santo, ali nasceu como alma dessa mesma Igreja. A Igreja, portanto, nasceu no dia de Pentecostes quando o corpo já preexistente formado pelo fundador desta, o Nosso Senhor Jesus Cristo em Quinta-feira Santa, recebeu o sopro divino pelo qual começou a viver e saiu fora desse seio onde tinha sido concebida no dia de Quinta-feira Santa.
Para entendermos a importância do Espírito Santo na Igreja, olhemos para Pedro vacilante, cobarde e cheio de medo adolescente que o associa a Jesus antes de Pentecostes, e a mesma pessoa, o mesmo Pedro cheio de energia, coragem e furor no dia de Pentecostes, chegando a desafiar os sumos sacerdotes depois de Pentecostes.
A Igreja é o corpo místico de Cristo, que se alimenta do corpo sacramental de Cristo que é a sua carne e o seu sangue e tem como alma o Espírito Santo que a inspira, alenta, governa, guia e lhe dá força na tribulação.
IGREJA: CORPO MÍSTICO DE CRISTO
O conteúdo da pregação de Jesus
Jesus percorria todas as cidades e povoados, ensinando nas suas sinagogas, proclamando a Boa Nova do Reino e curando todo o tipo de doença e de enfermidade. Mateus 9, 35
Jesus não veio ao mundo para se pregar a si mesmo, ou acerca de si mesmo. Nos evangelhos sinópticos pouco fala de si e, quando o faz, é para dizer que faz a vontade do Pai. Refere-se a si mesmo como filho do homem e não como filho de Deus ou como Messias. O conteúdo da pregação de Jesus é o Reino de Deus que ele diz que veio trazer à Terra. Sobre o Reino de Deus, Jesus não só fala dele, como o concretiza em palavras e em obras.
O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me ungiu, para anunciar a Boa-Nova aos pobres: enviou-me para proclamar a libertação aos presos e, aos cegos, a recuperação da vista; para dar liberdade aos oprimidos e proclamar um ano aceite da parte do Senhor”. Lucas 9, 17-19
Na sinagoga da sua terra, logo ao princípio do seu ministério, lê uma passagem do livro do profeta Isaías afirmando depois da leitura que essa parte da escritura se cumpre na sua Missão e com ela. Quando João Batista já está na prisão, surgem-lhe dúvidas sobre a identidade de Jesus, e envia alguns dos seus discípulos a inquirir sobre a questão. Jesus, para quem uma pessoa se conhece pelas suas obras, responde:
Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo: cegos recuperam a vista, paralíticos andam, leprosos são curados, surdos ouvem, mortos ressuscitam e aos pobres se anuncia a Boa-Nova. Mateus 11, 4
Para definir o que é o Reino de Deus, Jesus utiliza muitas parábolas e em algumas delas a imagem de banquete é bastante frequente. Isto levou São Paulo a dizer que o Reino não é comida nem bebida, mas justiça e paz. (Romanos 14, 7). Jesus, porém, deixou o Reino definido na oração que ensinou aos seus discípulos: “Venha a nós o Vosso Reino, seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu”. Na mesma petição da vinda do Reino, Jesus define-o como sendo a terra onde se faz a vontade do Pai como já se faz no Céu; ou seja, quando a terra for como o céu, a terra será o Reino de Deus como o céu o é.
O conteúdo da pregação da Igreja
Irmãos, quero lembrar-vos o evangelho que vos anunciei e que recebestes, e no qual estais firmes. Por ele sois salvos, se o estais guardando tal qual ele vos foi anunciado. A menos que tenhais abraçado a fé em vão... De facto, eu vos transmiti, antes de tudo, o que eu mesmo tinha recebido, a saber: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado e, ao terceiro dia, foi ressuscitado, segundo as Escrituras; e apareceu a Cefas e, depois aos Doze. 1 Coríntios 15, 1-5
O evangelho que os apóstolos do Senhor pregam é bem diferente daquele que o Mestre pregou. O que se depreende do texto acima citado de S. Paulo aos cristãos de Corinto, assim como do discurso de Pedro no dia de Pentecostes, (Atos 2, 14-41) como também do que diz perante os sumos sacerdotes e o povo depois de ele e João terem curado um coxo de nascença (Atos 3, 11-26), é que o Reino de Deus não faz parte do conteúdo da pregação, nem é o objetivo desta.
A pessoa e personalidade, os ditos e feitos e a vida de Jesus de Nazaré como sendo o Messias esperado das nações, é agora o conteúdo da pregação dos Apóstolos. No entanto, no tempo de Jesus, a título de aulas práticas e experiência de Missão, Ele mesmo os enviou a cidades e aldeias “a anunciar o Reino de Deus e curar enfermos” (Lucas 9, 1-2), ou seja, a praticar o tipo de missão que ele mesmo praticou.
Agora, porém, o conteúdo da pregação dos apóstolos é exclusivamente a pessoa de Jesus e o objetivo da pregação já não é o Reino, mas sim a implantação da Igreja. Não é por isso de admirar que a “Implantatio ecclesia” tenha sido durante muitos séculos o objetivo da Missão desta mesma. Ou seja, a Igreja em vez de pregar o Reino, como fez o seu fundador, andou muitos séculos e até há bem pouco tempo, a pregar-se a si mesma; a fazer-se grande, a angariar membros para o seu redil.
Pretendeu Jesus fundar a Igreja?
A Igreja e o cristianismo de per se não foram fundados por S. Paulo como dizem as más línguas. É certo que Jesus só menciona o nome “Eclésia” duas vezes e só no evangelho de Mateus. Dessas duas vezes, duvida-se que uma delas tenha saído da sua boca e acredita-se que a outra fosse mesmo inventada. Do conjunto dos quatro evangelhos se depreende com toda a certeza e segurança que Jesus pensou deixar alguma estrutura depois da sua morte.
“Uns dizem João Batista; outros, Elias; outros ainda, um dos profetas” (Marcos 8, 28) – Os contemporâneos de Jesus conceptualizaram a sua identidade como sendo um profeta. Até mesmo alguns, se não a maioria dos seus discípulos viam em Jesus não o Messias, mas sim um profeta; prova disso é o que dizem os discípulos de Emaús, “um profeta poderoso em obras e palavras diante de Deus e diante de todo o povo” (Lucas 24, 19).
Mesmo encaixando Jesus no contexto dos profetas de Israel, é certamente um profeta diferente de todos os seus antecessores, pois nenhum anterior a ele elegeu 12 discípulos entre os seus muitos seguidores. Sendo o povo de Israel constituído por 12 tribos, é certo que Jesus pretendia criar uma estrutura. E quando estes doze se viram reduzidos a 11 pela morte de um deles, a preocupação dos apóstolos, sobretudo de Pedro, em restaurar o número não pode dever-se a outra coisa que o ser fiel à intenção do Mestre.
Se Jesus tivesse tido o cuidado de chamar um discípulo de cada uma das tribos de Israel, poderíamos concluir que a sua intenção era restaurar, reformar o povo de Israel; mas não foi assim. Ao manter o simbolismo do número 12, Jesus pretendeu criar uma estrutura equiparável ao povo de Israel. Porém, ao não chamar para discípulo uma pessoa de cada tribo de Israel, pretendeu criar uma estrutura nova e não restaurar ou reformular Israel.
Concluímos que Jesus pretendeu criar uma estrutura que desse continuidade à sua obra e deixou até muito claro que essa estrutura, para se manter em pé, devia ter um líder. O primado de Pedro, como já dissemos num texto sobre ele, também se depreende em todos os quatro evangelhos de muitíssimas formas.
Igreja ou Reino de Deus?
Para além de opiniões, teologias ou ideologias, o que contam são os factos. É um facto que a palavra Igreja em grego “Ekklesia” que significa assembleia, aparece 112 vezes no Novo Testamento, a maior parte das vezes nas cartas de Paulo e nas dos outros apóstolos, assim como no livro dos Atos. Como acima dissemos, não aparece no evangelho de Marcos, o primeiro a ser escrito, nem no último, o de João; também não aparece em Lucas e, em Mateus que é precisamente o evangelho do Reino, aparece também a palavra Igreja duas vezes:
(…) tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as forças do Inferno não poderão vencê-la. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus”. Mateus 16, 18-19
É provável que Jesus tenha dito isto, se bem que nenhum dos outros evangelhos o mencione, nem sequer o de Marcos, escrito em Roma, que tem como base a pregação de Pedro. Ele mais do que ninguém estaria interessado em afirmar o primado de Pedro sobre os outros apóstolos.
Porém, Marcos não traça um retrato muito favorável de nenhum dos apóstolos, nem sequer de Pedro. Para Marcos, quem descobre e afirma a verdadeira identidade de Jesus não é Pedro em Cesareia de Filipe, como nos conta Mateus, mas sim o centurião romano quando Jesus deu o último suspiro.
Poderíamos concluir que esta frase, no caso de não ser histórica, é pelos menos verdadeira. Ou seja, ainda que esta frase não tivesse sido historicamente proferida por Jesus, “Ipsissima iesum verbum”, pelo contexto de todos os evangelhos referente ao primado de Pedro, expresso tantas vezes e de tão variadas maneiras, a frase é verdadeira porque expressa uma verdade do evangelho.
Se ele não vos der ouvidos, dize-o à igreja. Se nem mesmo à igreja ele ouvir, seja tratado como se fosse um pagão ou um publicano. Mateus 18, 17
Esta frase com toda a certeza não foi proferida por Jesus, trata-se de uma norma de disciplina praticada na comunidade para a qual o evangelista escrevia. Jesus manda perdoar sempre, não dá ninguém por irrecuperável e acredita sempre na conversão; não mandaria, portanto, excluir ninguém do que veio para justos e pecadores.
Vejamos o número de vezes que as palavras Igreja e Reino aparecem no Novo Testamento:
|
REINO |
IGREJA |
NOVO TESTAMENTO |
162 |
112 |
EVANGELHOS |
127 |
2 |
ATOS E CARTAS |
35 |
110 |
Em flagrante contraste com a palavra IGREJA que aparece 112 vezes e quase só nos Atos dos apóstolos e nas cartas, a palavra REINO, aparece 162 vezes e destas só 35 vezes aparece no livro dos Atos e nas cartas; as restantes 127 vezes aparecem nos evangelhos. Fica assim demonstrada a importância que o Reino de Deus tinha para Jesus e a pouca importância que este mesmo Reino tinha para a Igreja nascente e por Cristo fundada.
Caminho – verdade – vida (João 14, 6)
O ser humano tem uma dimensão individual e pessoal para a qual o valor a cultivar é a liberdade, e uma dimensão social para a qual o valor a cultivar é a igualdade. Jesus veio ao mundo com dois projetos: um para o ser humano como único, indivisível, independente e livre, e outro para o mesmo ser humano como parte de uma comunidade.
O projeto de Jesus, para o mundo, para a sociedade, para o ser humano enquanto ser social, é o Reino de Deus; o projeto de Jesus para o ser humano enquanto ser individual e pessoal não redutível à comunidade, mas livre e independente, é ele mesmo, Jesus. Jesus veio ao mundo para se propor a si mesmo como caminho, verdade e vida.
Jesus de Nazaré é o caminho de volta para o Pai de onde viemos, Jesus de Nazaré é a verdade plena de Deus e do Homem porque ele é Deus e homem verdadeiro, e é o arquétipo da vida humana, ou seja, o modelo, o paradigma, a narrativa, o mito, a lenda, porque ele e só ele encarnou a humanidade tal como Deus a tinha idealizado ao criar Adão e Eva.
Seja cristão, ateu, agnóstico, muçulmano ou budista, quem quiser ser autêntica e genuinamente humano mede-se em relação a Jesus pois ele é a medida padrão de humanidade. Não há nenhuma alternativa igualmente válida para além de Jesus, pois ele não disse que era um dos caminhos, uma das verdades e uma das vidas. Pelo contrário, disse que ninguém vai ao Pai se não por mim, (João 14, 6) e o que não recolhe comigo, dispersa, pois não há ninguém mais com quem possa recolher. (Mateus 12, 30)
Igreja - Missão - Reino
Depois do Concílio Vaticano II, a Igreja deixou de olhar para o seu umbigo e começou a olhar para o mundo como Jesus olhou e a ver nele o Reino que já está no nosso meio desde que Jesus veio ao mundo, mas ainda não na sua plenitude. A Missão começou com Deus ao enviar o seu filho primogénito ao mundo. O objetivo desta missão sempre foi o de transformar o mundo no Reino de Deus; antes deste momento, o mundo era do pecado dos nossos pais.
A Igreja, como corpo místico de Cristo, não pode ter outro objetivo senão continuar a obra de Cristo. Portanto, o objetivo da sua existência não é implantar-se em todos os cantos desta terra, mas sim levar a Boa Nova do Reino a todos os cantos da Terra.
O objetivo principal não é produzir cristãos, aumentar o número dos seus membros, mas sim juntar-se a todos os homens de boa vontade, de outras religiões, ateus ou agnósticos e, com eles, ajudar na construção de um mundo melhor, de uma sociedade mais justa e mais fraterna, onde reina a justiça, a paz e a harmonia e o amor entre os povos. Se este tivesse sido o objetivo da Igreja desde início, tal como foi do seu fundador, não teria havido fundamentalismos como a Inquisição, nem guerras santas como a movida pelas cruzadas.
A Igreja não existe para si mesma nem deve pregar-se a si mesma, pois o seu Mestre e fundador não se pregou a si mesmo: a Igreja existe para a Missão, ou seja, para continuar a obra do seu fundador e o objetivo da Missão que é o Reino. Igreja é o que somos, é a nossa identidade, o Reino é a nossa missão, o que fazemos.
Precisamente o evangelho de São Mateus, o evangelho do Reino, recorda-nos no capítulo 25 que ao fim não seremos julgados pelo que somos, pela nossa identidade, por termos sido ou não cristãos, ateus ou muçulmanos, mas pelo que fizemos ou deixámos de fazer, se assistimos ou não assistimos os sedentos, os famintos, os nus, os peregrinos, os presos, os estrangeiros e os doentes. Porque a assistência a estes últimos foi o objetivo da vida de Jesus e da sua vinda ao mundo, este mesmo tem de ser o nosso objetivo.
(…) não vivais preocupados, dizendo: ‘Que vamos comer? Que vamos beber? Como nos vamos vestir?’ Os pagãos é que vivem procurando todas essas coisas. Vosso Pai que está nos céus sabe que precisais de tudo isso. Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo. Mateus 6, 31-33
A nossa Missão ou evangelização é viver Cristo e estender o Reino. Não deve ser primariamente o pregar a figura de Cristo, mas tornar o Reino realidade. Era isto que queria dizer Francisco de Assis quando dizia “Em todo momento fala do evangelho e só quando for necessário usa palavras, a maior parte das vezes não será necessário, a tua vida falará por si”.
Por isso Jesus mesmo nos disse para sermos o sal da Terra e a luz do mundo que são dois símbolos silenciosos cuja identidade não está ligada ao que dizem mas ao que fazem: a sua ação de expor e destruir as trevas e dar cor ao mundo, no caso da luz, e a de preservar, evitar a corrupção e dar sabor e sentido à vida, no caso do sal.
EUCARISTIA: CORPO SACRAMENTAL DE CRISTO
Unus christianus nulus christianus
Dizia Sto. Agostinho, um único cristão, é um cristão nulo. O cristianismo nasceu em comunidade e só pode viver em comunidade. Sem comunidade não há cristianismo. Como todos os animais têm um habitat onde vivem e prosperam, assim o cristão só pode viver e prosperar no seio da comunidade cristã.
A Igreja, um grupo de pessoas unidas na mesma fé, existe como tal e manifesta-se como tal, na Eucaristia. Um clube, uma associação de pessoas que nunca se reúne, deixa de existir como tal, não consegue subsistir. “Onde dois ou três estão reunidos em meu nome eu estou no meio deles” disse Jesus; portanto, a reunião, o encontro é essencial. Sem eucaristia não há Igreja, tal como sem Igreja não há eucaristia, ou seja, não há nada que celebrar. Como muitos grãos de trigo formam um só pão e como muitas uvas formam um só vinho, assim é a eucaristia: a todos reúne em comunidade.
O nosso corpo físico é formado por triliões de células muito diferentes entre si, como as células da pele, do fígado, dos músculos, do sangue, etc. Cada uma das nossas células é, em si mesma, um ser vivo diferenciado e independente; há de facto seres vivos unicelulares. O que mantém então os triliões de células unidas num só corpo é o código genético que cada uma dessas células tem e que é o mesmo em todas elas.
De facto, quando um dos nossos órgãos deixa de funcionar e nos transplantam um órgão pertencente a outra pessoa, o nosso corpo naturalmente rejeita-o porque esse órgão é constituído por células com um código genético diferente. O que mantém todos os cristãos unidos na Eucaristia é a fé em Jesus Cristo, que é o código genético ou ADN do corpo místico de Cristo.
Os triliões de células do nosso corpo têm o mesmo ADN porque todas elas são filhas de uma mesma célula primigénia, que se formou quando meia célula do nosso pai, o espermatozoide, se uniu a meia célula da nossa mãe. A célula que resultou dessa união, foi o princípio da nossa vida, foi a célula mãe dos triliões de células que formam atualmente o nosso corpo. Assim também o corpo místico de Cristo, que é hoje a Igreja, se originou no próprio Cristo, no próprio corpo físico de Cristo.
Tal como a nossa célula primigénia se implantou no seio da nossa mãe e ali cresceu, prosperou e se foi diferenciando e aumentando em número até formar o nosso corpo físico atual de triliões de células, assim Cristo, “imagem do Deus invisível, o primogénito de toda a criação” (Colossenses 1, 15), foi a primeira célula que, pela incarnação, ao ser implantada no seio do mundo, cresceu e prosperou dando origem à Igreja.
Fé vivida e fé celebrada
A fé, como tantas outras realidades que temos vindo a estudar ao longo de três anos, é tridimensional: a fé vivida, a fé estudada e a fé celebrada.
A fé vivida manifesta-se em obras – Um católico praticante não é o que participa nos sacramentos, mas sim o que vive a sua fé; o que a encarna, o que faz da sua fé comportamento do dia-a-dia. S. Tiago recorda que a fé sem obras é morta. Não são as obras que nos salvam, pois não há obras suficientes que nos fizessem merecer a salvação e, se assim fosse, a vinda de Cristo ao mundo não teria sido precisa. “Sem mim nada podeis fazer, disse o Senhor”, por isso é a fé que nos salva. No entanto uma fé que não se manifesta em obras é inexistente.
A fé celebra-se nos sacramentos – Crescemos na fé quando a praticamos na vida e quando a celebramos nos sacramentos com os outros membros da comunidade com os quais a partilhamos. Foi o próprio Senhor que nos disse que celebrássemos a sua memória. A festa tira-nos do ordinário da nossa vida. O ser humano precisa de festas, de manifestar individual e socialmente aquilo em que acredita.
A eucaristia é o coração da Igreja. No corpo humano, a função do coração é a de ser o motor que move o sangue das células ao coração e do coração às células. Do mesmo modo, a vida do cristão é um vaivém entre a Eucaristia e o mundo. Quando a missa era em latim, no final o sacerdote dizia “Ite missa est” que queria dizer “podeis ir, a missa terminou”, mas também significava “terminou a missa, começa a missão”.
Ao voltarem, (da Missão) os apóstolos contaram a Jesus quanto haviam feito. Ele tomou-os consigo e retirou-se, à parte, para uma cidade chamada Betsaida. Lucas 9, 10.
A fé é um obséquio razoável – (…) estai sempre prontos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que a pedir. 1 Pedro, 3, 15. A nossa fé deve também ser objeto de estudo. O Concílio Vaticano I definiu-a como sendo um obséquio razoável. A fé não é racional, pois não se trata de um conhecimento científico, mas também não é irracional, como a superstição. A fé deve ser razoável, humanamente credível, plausível, deve fazer sentido, pois se Deus nos deu uma razão é para fazermos uso dela.
Em relação à eucaristia, já no tempo de Jesus, os judeus se perguntavam como podia ele dar-nos a comer a sua carne e a beber o seu sangue. Estará a convidar-nos para sermos canibais e vampiros? Ainda hoje, se algum ateu, agnóstico ou membro de outras religiões colocar esta questão, muitos cristãos não sabem o que responder. Adiante daremos a nossa resposta.
Cordeiro de Deus… história da eucaristia
Segundo o autor da carta aos hebreus, o objetivo da religião é o de aceder à amizade com Deus. Este objetivo era conseguido pela obediência à lei de Moisés. Porém, mesmo que o espírito seja forte, a carne é fraca quando se prevarica, ou seja, quando a lei era desobedecida a única forma para voltar à amizade com Deus era a de oferecer um sacrifício. Isto não só é verdade na religião judaica, como também em todas as religiões do mundo.
Os sacrifícios impessoais do Antigo Testamento
A única forma de apaziguar a ira divina quando a Lei era violada era restabelecer as boas relações com Deus. Como ninguém é perfeito, sem o sistema sacrificial a Lei seria completamente inútil. O sacrifício tinha diferentes contornos, mas era sempre o sacrifício de algo exterior a mim. O livro do Levítico (16,10) fala-nos do bode expiatório que era um “macho cabrío” sobre o qual eram projetados os pecados do povo, sendo depois mandado para o deserto para lá morrer.
Esta ideia de expiar os pecados alheios, de pagar o justo pelo pecador, está entranhada na nossa natureza. Na monarquia inglesa existia a figura do “weeping boy” que era um pobre desgraçado que era punido em vez do príncipe que, por ser príncipe, não podia ser punido pelo mal que fazia.
Esta mesma ideia encontrei num acampamento de escuteiros; quando um escuteiro cometia alguma falta, não pagava só ele: o castigo era estendido a todos os membros do seu grupo. Do ponto de vista psicológico, esta punição surtia melhor efeito do que se fosse individual e, ao mesmo tempo, transmitia a ideia de que quando pecas, mesmo individualmente, pecas semprecontra a comunidade.
O sacrifício de si mesmo
Jesus é o derradeiro “bode expiatório” da humanidade. Como disse João Batista, ele é o cordeiro de Deus que de uma vez por todas tira o pecado do mundo. O sacrifício de Cristo no contexto da Páscoa judia, o momento que Jesus escolheu para morrer, é o último do Antigo Testamento, porque morreu no nosso lugar, foi o nosso “bode expiatório”. Este mesmo sacrifício é o primeiro da nova aliança porque se trata não de oferecer algo alheio a mim, mas sim de me oferecer a mim mesmo.
Para ser válido, de uma vez por todas, o sacrifício de Jesus tinha de ser perfeito. Uma coisa perfeita é uma coisa singular, não pode ser repetida nem melhorada; assim foi o sacrifício de Jesus, pois ele não podia morrer duas vezes. Foi perfeito o sacrifício de Jesus porque ele mesmo era o templo, o altar, o cordeiro e o sacerdote.
O templo é o lugar onde habita Deus: Jesus era o próprio Deus, por isso era um templo perfeito; o altar era o lugar dentro do templo onde se oferecia o cordeiro: Jesus é o altar porque o sacrifício acontece em si mesmo não é exterior a si; o cordeiro devia ser sem mancha: Jesus foi em tudo igual a nós, exceto no pecado, por isso era um cordeiro perfeitíssimo; o sacerdote da antiga aliança, antes de oferecer um sacrifício pelo povo, devia oferecer um sacrifício por si mesmo para se purificar; Jesus, como Sumo sacerdote, era puro, não precisava de oferecer nenhum sacrifício por si mesmo; por outro lado, o sacerdote era um pontífice, uma ponte entre Deus e os homens; Jesus, sendo verdadeiro Deus e verdadeiro homem ao mesmo tempo, era a ponte perfeita entre Deus e o homem. Assim se conclui que não era possível aperfeiçoar o sacrifício de Jesus, pelo que vale para a humanidade de todos os tempos.
Na Última Ceia com os seus discípulos, Jesus celebra, como todo o judeu, a Ceia Pascal. Desta vez, porém, ao pronunciar sobre o pão e o vinho “este é o meu corpo, este é o meu sangue”, Jesus declara-se o Cordeiro Pascal que substitui para sempre os cordeiros da Antiga Aliança. Cristo morreu na hora em que se imolavam no Templo milhares de cordeiros. (Cf. João 19,14). S. Paulo diz, “Cristo, nossa Páscoa, foi imolado” 1 Cor 5,7.
Foi instituída em pão
O homem já foi carnívoro e já foi vegetariano e coletor de frutos. Mas, nessa qualidade, nunca prosperou nem constituiu nenhuma civilização, pois tal como os animais selvagens de hoje em dia, as 24 horas do seu dia eram ocupadas a procurar comida – a vida era uma luta pela sobrevivência.
Com a descoberta da agricultura, sobretudo dos cereais, o homem conquistou a sua independência em relação à Natureza. É possível armazenar os cereais por muitos anos, como o prova a história de José do Egito e, de facto, foram encontrados grãos de trigo no túmulo de Tutankamon com mais de 5 000 anos e que ainda germinaram. Ao ter comida armazenada, o homem tinha tempo para dedicar a outras coisas.
Onde não houve cereais, não houve cultura ou civilização. Isto aconteceu com os índios da América do Norte e com os africanos da África subsaariana. É interessante que a palavra cultura seja ambivalente: tanto se aplica ao cultivo da ciência e da arte como ao cultivo da terra. Como demonstramos já num texto anterior, a cultura europeia assenta essencialmente no cultivo do trigo. A cultura asiática teve como alimento básico o arroz, a do Continente Americano, onde houve cultura, dependeu do cultivo do milho.
Por outro lado, podemos dizer que os cereais integrais são a base da alimentação do ser humano pois fornecem energia lentamente e por muito tempo, quando ingeridos integralmente. A base de qualquer dieta saudável é sempre o cereal.
Se o grão de trigo não morre…
Em verdade, em verdade, vos digo: se o grão de trigo que cai na terra não morre, fica só. Mas, se morre, produz muito fruto. Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem não faz conta de sua vida neste mundo, há de guardá-la para a vida eterna. João 12, 24-25
A eucaristia revela-nos a verdade da vida que se desprende destas palavras de Jesus. Jesus interpretou a sua morte como sendo necessária para a vida e para nos ensinar que não há vida sem morte nem morte sem vida. Que a morte é uma passagem entre uma forma de vida baseada no espaço e no tempo para a vida eterna, para além do espaço e do tempo.
Aliás é isso mesmo que vemos na Natureza. “Na Natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma” dizia Lavoisier. Morte e vida sucedem-se uma à outra, sendo a morte só uma passagem e a vida uma constante. A erva cresce e morre nos dentes da gazela, a erva transforma-se na gazela que, por sua vez, morre nos dentes do leão transformando-se em leão. O leão morre e a hiena e os abutres comem-no; estes morrem e são comidos pelos vermes; estes morrem e fecundam a terra, rica em húmus onde volta a crescer a erva. Na cadeia alimentar, tanto na terra como no mar, toda a forma de vida é uma forma de alimento.
Esta é a lei da natureza e o ser humano que vive nela não se rege certamente por outras leis. Agora entendemos a questão do canibalismo ou vampirismo acima levantada. Não vivemos para comer a carne dos outros e beber o seu sangue, mas sim para ser comidos por eles e bebidos por eles. Quem quiser ganhar a sua vida há-de perdê-la. Para viver fisicamente, devemos matar, sejam grãos de trigo, vegetais ou animais como a galinha, o porco, a vaca, mas para viver humanamente com sentido, para viver espiritualmente, devemos morrer, devemos dar-nos aos outros em alimento.
Ninguém tem maior amor que o que dá a vida pelos seus amigos, disse Jesus. Uma mãe vive pelo seu filho e, no princípio da vida, o alimento do bebé provém do corpo dela. Por isso, a mama de donde brota o leite deu origem à palavra mamã. E quando a criança cresce, o primeiro alimento sólido que come é a papa, tradicionalmente constituía por cereais cultivados pelo pai, a quem o bebé aprende a chamar papá.
Beethoven deu a sua vida à música, foi alimento da música, de tal forma que ao fim já nem ouvia. Dedicar-se a uma tarefa humana, a um valor humano, de alma e coração é dar a essa questão a nossa vida é ser alimento para essa questão, assim como foi Ghandi para a independência da Índia, assim como foi Nelson Mandela contra o racismo.
O grão de trigo pode morrer no moinho transformando-se em pão, ou na terra transformando-se noutros grãos de trigo. Mas imaginemos que o grão de trigo não aceitasse morrer nem no moinho nem na terra e que fugisse do moleiro e do semeador: ao fim morreria na mesma, pois todo o organismo vivo morre. Mas como morreria? Morreria apodrecido.
Mas antes de morrer imaginemos que o grão de trigo se perguntava “para que serviu a minha vida, que sentido teve a minha vida, quando me subtraí às leis da natureza e tentei salvar a minha vida do semeador e do moleiro?” Certamente que não teve sentido pois só teria tido sentido se aceitasse morrer. Razão tinha o Senhor Jesus ao dizer que quem se apega à sua vida, quem a retém para si, perde-a e quem a dá ganha-a. Viver é sempre dar a vida por uma causa, e ser alimento de uma causa humana à qual nos entregamos totalmente, pondo toda a carne no assador, como diz uma expressão espanhola, sem reservar nada para si.
Abandonar a eucaristia é abandonar a Igreja
Os primeiros discípulos a abandonar o Mestre fizeram-no porque não entendiam nem aceitavam que Jesus se pudesse dar-se a eles como alimento (João 6, 51-69). Desde aquele tempo até aos nossos dias, os que abandonam a Igreja começam por deixar de participar na Eucaristia, ou seja, deixam de celebrar a memória de Jesus tal como Ele mesmo tinha pedido.
O episódio dos discípulos de Emaús é outro exemplo no qual se prova que o abandono da Eucaristia é o abandono da Igreja e vice-versa. Jesus apanha-os deixando Jerusalém, abandonando a comunidade; durante o caminho, o que Jesus faz ao explicar-lhes as escrituras é como que a Liturgia da Palavra, a primeira parte da missa. Mais tarde, quando sentado à mesa partilha com eles o pão, acontece o ofertório e a comunhão. O voltar a participar na eucaristia levou os discípulos de Emaús de volta a Jerusalém, à vida da comunidade cristã que ali vivia.
SACERDÓCIO: CORPO FÍSICO DE CRISTO
A Missão, segundo Lucas, não é tarefa exclusiva dos 12 Apóstolos, mas sim de todo o discípulo, de todo o cristão. Isto é claro desde o princípio da Igreja: o nome ou título de apóstolo foi dado a todo aquele que atuava como tal, ou seja, ao que pregava o evangelho e não só ao que foi diretamente escolhido por Cristo, como os doze. Paulo e Barnabé são claro exemplo disto: não eram da companhia de Jesus, mas reivindicam com toda a razão o nome de apóstolo.
É hoje mais que claro que na Última Ceia, onde foi instituída a Eucaristia, os comensais não eram só os 12 apóstolos, como retrata Leonardo da Vinci na sua famosa pintura, ou mesmo como descrevem os evangelhos que não incluem nem excluem as discípulas de Jesus, como Maria Madalena e todas as outras que o tinham seguido desde a Galileia e que contribuíam com os seus recursos para o sustento do grupo.
Também podemos concluir que Jesus, como indicou no episódio de Marta e Maria em Betânia em que aceitou que Maria deixasse de lado o serviço doméstico próprio das mulheres, teria admitido algumas mulheres, certamente a sua mãe e Maria Madalena, precisamente na refeição mais importante que ia partilhar com os seus mais chegados. Aliás uma Ceia Pascal judaica começa com o acender das velas e uma oração ritual cantada; este rito era sempre feito pela mãe da casa, neste caso muito possivelmente pela mãe de Jesus. Podemos então concluir que sim, havia mulheres na Última Ceia que se encarregaram do serviço doméstico, mas também haveria mulheres sentadas à mesa com os discípulos, pelo menos Maria, mãe de Jesus e Maria Madalena.
Os sacerdotes de hoje são os sucessores dos apóstolos de Jesus, do círculo mais íntimo dos que o acompanharam desde a Galileia até Jerusalém. A sucessão apostólica que confere hoje e sempre a legitimidade sacerdotal a um indivíduo, refere-se ao rito da imposição de mãos dos 12 apóstolos aos seus sucessores de geração em geração, até aos dias de hoje. O clero protestante não é legítimo, porque Lutero rompeu com essa sucessão ao romper com a Igreja.
Pontifex Maximus
Ou Sumo Pontífice, ou engenheiro máximo de pontes, era o título do imperador romano e é hoje o título do Papa como bispo de Roma. Um dos contributos dos romanos para o mundo antigo foi a criação de estradas e de pontes. Muitas das atuais estradas da Europa assentam sobre as vias ou calçadas romanas. O conceito de ponte é original no mundo antigo; os gregos foram grandes filósofos e artistas, mas fracos construtores e arquitetos. O máximo que fizeram foi o Pártenon de Atenas, uma construção que necessitava de muitas colunas para se manter em pé. Com um arco, os romanos conseguiam unir duas realidades diferentes sobre o vazio que as separava, por exemplo, as margens de um rio.
“O sumo sacerdote é um homem como qualquer outro, mas constituído para representar os homens nas suas relações com Deus”. Hebreus 5:1
Cristo sendo verdadeiro Deus e verdadeiro homem, tem um pé em Deus e outro na humanidade: é a verdadeira ponte entre Deus e os homens. Jesus Cristo é o único sacerdote, mediador entre Deus e os homens. O sacerdote católico representa hoje a Cristo, é um alter Christus, é Cristo aqui e agora porque atua “In persona Christi”, em nome de Cristo, como vemos que Pedro e João fizeram quando disseram ao coxo de nascença que pedia esmola à porta do templo: “em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda!” (Atos 3, 6)
Consagrado para um serviço
“Eu estou no meio de vós como aquele que serve”. Lucas 22:27
O sacerdote vive já na terra a vida que todos esperamos viver no Céu, por isso não casa, não acumula riqueza. Como ponte entre Deus e os homens, vive com um pé na terra e o outro no Céu; não vive completamente no Céu, porque tem um corpo físico a satisfazer, nem vive completamente na Terra, porque não vive a vida do comum dos mortais: casar, ter filhos, ter um trabalho ou uma profissão para sustentar a família…
Fiel às duas margens, firmemente assente nelas, não pertence a nenhuma delas pois não está totalmente numa delas: tem um pé em cada uma delas. Como não vive com o resto dos mortais, não vive para si mesmo, não tem vida pessoal, é uma pessoa pública; está, como Cristo, 24 horas por dia inteiramente ao serviço dos outros. Não poderia ser ministro de Cristo se não fosse testemunha e dispensador de outra vida que não a vida terrena, mas também não podia servir os homens se permanecesse completamente alheio às suas vidas e condições.
A ponte suporta o peso dos que passam por ela, é um lugar de passagem, as pessoas não vivem numa ponte, passam por ela. Quem busca afetos que busque outra profissão, outro tipo de vida onde possa encontrá-los. A ponte não vale pela sua beleza, mas pela sua utilidade. A ponte é esquecida, porque a pessoa que a atravessa lembra a margem que deixou e abraça a margem em que vive, mas nem se lembra da ponte que uniu essas duas margens, toma-a como garantia. Do mesmo modo, o sacerdote que serve de intermediário entre Deus e os homens, é um canal, não uma concha.
O sacerdote está sempre chamado a ser ponte e mediador entre os homens, os povos, entre ideias, entre gerações. Mediador, pacificador, reconcilia o fiel consigo mesmo, com o próximo e com Deus. É por isso instrumento da misericórdia divina.
Abandono do sacramento de reconciliação
Em relação ao corpo místico de Cristo, as pessoas abandonam a Igreja ao abandonar a eucaristia; em relação ao corpo físico de Cristo, muitos abandonam a Igreja ao abandonar o sacramento da reconciliação, deixam de estar em comunhão com Cristo ao rejeitarem no sacerdote o poder ou a faculdade de perdoar os pecados em nome de Cristo.
Ultimamente, muitos outros abandonos da Igreja se devem ao escândalo que certos sacerdotes deram não vivendo o seu ministério como deviam e como prometeram perante a Igreja no dia da sua ordenação ou imposição de mãos. Os que abandonaram a Igreja sentiram-se defraudados pelo comportamento do sacerdote que, segundo eles, deveria ser santo.
A Igreja é santa porque foi fundada por Cristo, mas é humana porque é constituída por pessoas humanas com os seus defeitos. Um certo idolatrar do sacerdote, promovido pelo próprio ou devido à veneração dos fiéis, é também responsável por este escândalo, quando se percebe que o sacerdote não é a nível pessoal quem parece ser em público.
Os fiéis devem recordar que o sacerdote é só um intermediário, é só uma ponte, que a sua fé é em Cristo, que o sacerdote por muito bem que O represente nunca O representa perfeitamente; só Cristo é Santo, Santo, Santo. Um representante é um ator; há bons atores e maus atores. O sacerdote santo como o Santo Cura de Ars e tantos outros, representa bem a Cristo; outros há que o representam mal, em virtude de certos comportamentos.
Como alguém dizia, faz mais ruído na floresta uma árvore que cai que mil árvores que crescem. Os fiéis devem também recordar que, por cada sacerdote que escandaliza, há 20 ou mais que edificam. Os 20 que edificam deveriam ser razão mais que suficiente para os fiéis se manterem na Igreja pondo os olhos em Cristo. Os primeiros sacerdotes, os 12 que Jesus escolheu também tinham os seus defeitos, Pedro negou-o, Judas atraiçoou-o, os restantes abandonaram-no e, no entanto, Jesus não os rejeitou por isso nem rejeitou o seu projeto – a Igreja.
Conclusão
A Igreja é Cristo no seu corpo místico, a Eucaristia é Cristo no seu corpo sacramental, o sacerdote é Cristo no seu corpo físico. Igreja, Eucaristia e Sacerdote representam a Cristo aqui e agora e atuam em Seu nome.
Pe. Jorge Amaro, IMC
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