O triângulo de Karpman ou o triângulo das Bermudas
Sendo o nosso objetivo explorar e estudar a tridimensionalidade da realidade não podia escapar-nos esta teoria psicológica que trata dos três papéis que as pessoas desempenham no decurso das suas interações de forma paradigmática, previsível, acrítica e inconsciente.
Neste triângulo, cada ator pode representar o papel que mais se adequa à sua personalidade; mas as regras do jogo e a situação criada podem obrigá-lo a mudar de papel. Em geral, quem entra neste jogo desempenha todos os papéis e vai mudando de um para o outro, como um macaco saltando de ramo em ramo.
A peculiaridade deste paradigma comportamental é que as pessoas que entram nesta dança ou neste jogo, qualquer que seja o papel que nele desempenhem (saindo dele ou permanecendo e continuando a jogar), acabam por se magoar e por magoar os outros. Esta é a razão pela qual, pessoalmente, chamo ao triângulo de Karpman o triângulo das Bermudas.
O triângulo das Bermudas é um triângulo imaginário entre as ilhas das Bermudas, a Flórida e Porto Rico onde um número considerável de aviões e barcos desapareceram misteriosamente. A lenda ou a crença popular atribui a este espaço uma atividade paranormal que causou estes desaparecimentos. Esta área é uma das mais cruzadas por barcos comerciais, cruzeiros e aviões aos quais nada parece acontecer. Ou seja, no triângulo real das Bermudas ninguém se perde, mas no triângulo de Karpman sim, as pessoas que nele entram perdem-se; daí a minha menção à crença inicial.
Antes de explicar como funciona a dialética deste triângulo e de propor um triângulo alternativo, com papéis alternativos, para que as pessoas que se perderam no jogo voltem a encontrar-se a si mesmas e entre si, necessitamos de explicar o contexto geral e particular em que esta teoria surge. O contexto genérico é a teoria da Análise Transacional criada pelo psicanalista canadiano Eric Berne (1910-1970).
O contexto mais particular em que Stephen Karpman, aluno de Eric Berne, fundamenta o seu triângulo dramático é constituído pelos jogos psicológicos que as pessoas inadvertidamente jogam entre si. Foi Berne quem estudou este assunto, tendo escrito sobre ele um dos seus livros mais populares: “Os Jogos da Vida”. Ele mesmo, em vez de chamar a si a teoria do seu aluno, como fazem tantos professores, até por ter sido deduzida da sua teoria dos jogos, exortou Karpman a que a publicasse, o que este fez num artigo da sua autoria publicado no ano de 1968.
Psicanálise
Segundo Sigmund Freud (1856-1939), a nossa mente divide-se em três diferentes compartimentos que comunicam entre si. Podemos entendê-los também como três entes que interagem no interior da nossa mente com diferentes funções. Estes três entes não têm a mesma idade: o primeiro vem já incorporado no bebé, os outros dois estão presentes em potencial.
ID - É o mais velho e é constituído por um conjunto de tendências, impulsos e instintos primordiais através dos quais o bebé procura satisfazer as suas necessidades. O ID é mais ou menos o que temos em comum com muitos seres vivos, especialmente com os que nos são mais próximos na evolução das espécies.
EGO – Pela interação da criança com o mundo, em especial com os que tomam conta dela nos três primeiros anos, a criança aprende que não vive sozinha no mundo e que os outros com quem vive e interage também têm como ela necessidades e desejos a satisfazer. Deste modo, dá-se conta de que, tanto a curto como a longo prazo, não lhe convém ser egoísta e querer tudo para ela. Nasce assim o EGO que procura satisfazer as necessidades do ID, tendo em conta e consideração a realidade, sobretudo as necessidades do ID dos outros. O EGO é a parte organizada, operativa, realista e racional da nossa mente.
SUPEREGO – É a parte moral ou ética que se desenvolve devido à disciplina, às limitações, às restrições morais e éticas colocadas pelos nossos cuidadores. Se o EGO é o governo da nossa mente, o SUPEREGO é a lei, constituição ou ideologia que o governo segue; representa o papel de embaixador da cultura ou da sociedade no nosso psiquismo e é constituído pelas regras, normas, leis e valores morais que temos de respeitar e observar. O superego é a nossa consciência moral que a todo o momento nos diz o que é bom e devemos fazer e o que é mau e devemos evitar.
Análise Transacional
Eric Berne (1910-1970) seguidor de Freud, criou a sua teoria da Análise Transacional rebatizando as três valências da nossa personalidade segundo Freud. Às três valências chamou estados do ego e, rebatizou cada uma delas: ao ID deu o nome de Criança, ao EGO o nome de Adulto, e ao Superego o nome de Pai.
Estados do Ego - Para Berne, este é um padrão psíquico determinado de sentimento e experiência, diretamente relacionado com um dado comportamento. Vejamos na prática com se processam os estados do Ego:
Pai - Uma mãe que procura uma escola para o seu filho depara-se com uma onde a criatividade das crianças é estimulada; porém, ao ver que está um pouco suja e desorganizada, conclui que não é o lugar indicado para o seu filho.
Adulto - Momentos depois, pensa melhor e decide dar uma vista de olhos ao ranking da escola e falar com alguns pais.
Criança - Por fim, sorrindo para si mesma, exclama “Como gostaria que a minha escola tivesse sido como esta!”
Segundo Berne, num curto espaço de tempo, esta mulher experimentou os três diferentes estados do Ego:
- A Criança – comportamentos, pensamentos e sentimentos reproduzidos da infância. No estado Criança do Ego, albergam-se os sentimentos, as emoções e os instintos. A criança representa o sentimento na vida.
- O Adulto – Comportamento, pensamentos que são respostas diretas ao aqui e agora. O adulto representa na nossa vida o pensamento, a razão. O raciocínio, a análise de dados e informações sobre um determinado problema ou assunto e a solução ou resolução do mesmo. Atua como se fosse um computador, tendo em conta os sentimentos da criança e as exigências culturais ou éticas do Pai, sem se deixar dominar pela Criança ou pelo Pai.
- O Pai – Comportamentos, pensamentos copiados dos nossos pais ou cuidadores. O Pai representa na nossa vida tudo aquilo que aprendemos.
PAI PUNITIVO – Exerce o poder sobre os outros, controla, disciplina, persegue e pune. Representa a lei, a ética, a ordem. Está cheio de ideias, muitas das quais são preconceitos. Na família tradicional, representa o nosso Pai.
PAI PROTETOR – Amoroso, afetivo, consolador, que conforta, apoia, ampara, protege, salva. Na família tradicional, representa a nossa mãe.
CRIANÇA NATURAL – É o que permanece do ID e resistiu à educação dos cuidadores. É representada pela atitude irada, amorosa, impulsiva, espontânea ou brincalhona de uma pessoa. A criança natural é intuitiva, está cheia de energia.
CRIANÇA ADAPTADA – É a criança natural domesticada pela educação, menos egoísta que a natural. No entanto, quando as regras não foram assumidas mas apenas impostas, fica reprimida, hipócrita e às vezes rebelde. É dominada às vezes pelo medo e pela vergonha.
Transações
Berne chama análise estrutural ao diálogo interior entre os diferentes estados do ego e análise transacional ao diálogo que temos com as outras pessoas e à interação entre os nossos estados do Ego e os estados do Ego delas. Existem três tipos de transações: as complementares, as cruzadas e as ulteriores.
Transações complementares - Quando a resposta vem do estado do ego ao qual a nossa pergunta foi dirigida. Por exemplo, quando digo a alguém “amo-te” a partir da minha Criança Natural e esta pessoa responde “eu também te amo”, a partir da sua Criança Natural.
Transações cruzadas – Quando a resposta vem de um estado do Ego diferente daquele ao qual nós dirigimos a pergunta. Por exemplo, chegamos ao trabalho e dizemos a partir do nosso Adulto “bom dia” ao patrão e este responde a partir do seu Pai Punitivo dizendo “estás atrasado”. Ou, utilizando o exemplo anterior, quando dizemos a alguém “eu gosto de ti” e essa pessoa nos responde “eu sei…”
Transações ulteriores – Ocorrem quando uma pessoa diz uma coisa e quer dizer outra. Ou seja, o que diz não é verdadeiramente o que quer dizer. Usa subterfúgios, ou seja, a verdadeira mensagem não está nas linhas, mas nas entrelinhas. A nível aberto, expressa-se a partir do Adulto, mas a verdadeira mensagem está dissimulada e deve deduzir-se a partir do tom de voz que usa, das palavras que escolheu e da linguagem corporal.
Por exemplo, quando já todos no escritório se foram embora, o patrão pede à secretaria para que fique mais tempo; mas o que ele verdadeiramente está a insinuar é que quer ficar a sós com ela. Ela responde que não tem pressa, mas no fundo está a dizer que também quer ficar a sós com ele. É importante saber o que são transações ulteriores porque todos os jogos que jogamos entram dentro desta categoria de transações.
Os jogos psicológicos que as pessoas jogam
“Os Jogos da Vida” foi o livro mais vendido de Eric Berne. O livro é praticamente um catálogo dos muitos jogos que as pessoas jogam, com uma descrição de como o jogo é jogado e do que cada jogador obtém ou pensa obter ao jogá-lo.
“Não faças joguinhos comigo” é uma expressão muito usada. Por isso, quase todos sabemos o que é um jogo psicológico. A ideia já existia antes de Berne, porém a sua análise transacional entre todas as teorias psicológicas é a melhor para explicar o que é um jogo psicológico. Situando os jogos dentro do contexto desta teoria, é importante notar que os protagonistas dos jogos são sempre o Pai e a Criança, sem o conhecimento ou consentimento do Adulto.
Por isso os jogos nunca são benéficos para nenhum dos seus participantes, mesmo quando aparentemente um deles parece ganhar, como é o caso do sádico e do masoquista que se procuram e entram numa dinâmica relacional onde cada um parece encontrar o que procura. Mas esta é uma relação doentia que só reforça a doença e não a resolve. Os jogos não são uma atividade onde todos ganham, mas sim uma onde todos perdem.
Jogos são transações ulteriores, táticas psicológicas usadas para manipular, controlar ou intimidar os outros. Para Berne, um jogo psicológico é um conjunto de transações ulteriores que acontecem paralelamente a dois níveis: um nível aberto, social, de adulto para adulto e um nível subliminar, encoberto ou disfarçado, com um resultado dramático quando os dois níveis coincidem, ou seja, quando os motivos ulteriores se tornam claros. Vejamos o exemplo:
“Por que é que não ... sim, mas…” - É um jogo entre duas ou mais pessoas; uma apresenta um problema e a outra uma solução em forma de “Porque é que não …?” ao que o apresentador do problema responde: “sim, mas…”. O prémio ou a recompensa do jogo é o silêncio ou oposição mascarada quando o apresentador de soluções esgotar o seu banco de dados. Quando isto acontece, o jogador “sim, mas…” sente-se satisfeito por conseguir provar que afinal o inadequado é o outro.
A – O meu marido insiste em fazer ele todas as reparações em casa, mas não faz nada bem.
B – Porque é que ele não faz um curso de bricolage?
A – Sim, era uma boa ideia, mas ele não tem tempo.
B – Porque é que não lhe dás de presente uma boa caixa de ferramentas?
A – Sim, mas não vai saber usá-las.
B - Porque é que não contratas um profissional para a próxima reparação que surja?
A – Sim, mas vai sair muito caro.
B – Então porque é que simplesmente não aceitas a forma como o teu marido faz?
A - Sim, mas o caso é que às vezes o prejuízo é ainda maior e fica tudo mal feito.
A um nível social parece ser um diálogo entre adulto e adulto, mas, subliminarmente ou psicologicamente, A atua a partir do seu estado Criança insegura e B a partir do seu estado Pai sábio. Afinal, A pode até precisar de conselhos, mas como os rejeita todos, o que verdadeiramente quer é atenção ou afeto. Estes estão a ser-lhe dados, mas de uma forma indireta pelo que o jogo vai terminar em frustração para os dois, porque esta não é uma forma adulta de pedir atenção ou afeto.
Porque jogamos?
O benefício final biológico dos jogos é obter atenção ou afeto. Mesmo que os jogos terminem sempre mal, todos os jogadores conseguem uma quantidade razoável de afeto ou atenção positiva ou negativa.
O benefício final social de um jogo é a estruturação do tempo. Assim, as pessoas preenchem o tempo, com uma atividade empolgante que, de outra forma, poderia ser enfadonha e depressiva. Os jogos são um passatempo, as pessoas divertem-se a jogá-los, mesmo quando acabam magoadas.
O benefício final existencial de um jogo é a maneira como este confirma a posição existencial de cada jogador. Existem quatro posições:
- Eu sou fixe, tu não és, (Posições existenciais de Salvador e Perseguidor)
- Tu és fixe, eu não sou, (Posição existencial de Vítima)
- Eu não sou fixe, tu não és… fixe (Posição existencial de Vítima sem esperança)
- Eu sou fixe, tu és fixe (Posição existencial de Adulto)
- não assumir responsabilidade pelos nossos sentimentos, pensamentos, comportamentos ou eventos
- escapar à aceitação da realidade tal como é, racionalizando-a ou negando-a
- fugir à intimidade, mas ao mesmo tempo manter sub-repticiamente relacionamentos íntimos intensos. Os jogadores não manifestam empatia uns pelos outros pois estão completa e inconscientemente absorvidos pelo papel que representam no jogo
- fugir aos conflitos e tensões internas, projetando-os fora de nós, arrastando alguém para assumir um papel no nosso jogo. Mas os padrões do jogo e as suas regras impossibilitam a resolução de qualquer problema. A solução nunca está no jogo, pois é o adulto quem procura soluções dignas e este não participa em jogos
- fazer com que o comportamento do outro seja previsível para dominá-lo.
O drama triangular
As dinâmicas que se estabelecem à volta de uma pessoa encurralada por um vício que a faz depender de uma substância ou de um comportamento repetitivo obsessivo, ilustram bem o que é a dinâmica particular do triângulo do drama de Karpman.
A pessoa dependente, ao representar o papel de vítima da adição, da humilhação, do preconceito, da negligência médica e, até mesmo, da brutalidade policial procura e encontra um Salvador. O Salvador representa este papel ao tentar generosa e altruisticamente ajudar o viciado, sem se certificar de que ele está comprometido com o processo de abandonar a sua adição.
Frustrado por se dar conta de que a vítima nada faz para sair da sua adição, o Salvador passa a Perseguidor, acusando, insultando, negligenciando ou punindo o viciado. Este, vendo-se assim acossado, contra-ataca e passa também ele a Perseguidor. Neste caso, o jogo acaba em violência, pois no triângulo não pode haver duas pessoas desempenhando o mesmo papel. Se o jogo for jogado entre marido e mulher, é provável que o primeiro Perseguidor ceda e, perante a perseguição do segundo, passe a Vítima. Isto pode levar o Perseguidor que iniciou o jogo a transformar-se em Salvador, se considerarmos que a Vítima representa o viciado. Exemplo:
Adolfo (Vítima) – Quero deixar de fumar, mas não sou capaz
Eva (Salvador) – Eu ajudo-te, usa estes comprimidos, vou retirar os cinzeiros da casa…
Acontece que a Vítima não está verdadeiramente interessada em deixar de fumar, só quer agradar à sua esposa e cedeu perante esta, embora fume às escondidas. Eva descobre e de Salvador passa a Perseguidor.
Eva (Perseguidor) - “Trafulha, covarde, pediste-me ajuda e eu ajudei-te, mas tu enganaste-me, és um fraco, nunca deixarás de fumar.”
Adolfo (Perseguidor) – “Eu nunca quis deixar de fumar, foste tu que me obrigaste com a tua insistência, vai para o inferno.”
Eva (Vítima – Salvador) – Chora e sente-se culpada. Depois de um tempo volta à carga como Salvador dizendo, “Desculpa amor. Podemos começar outra vez? Aqui tens outros comprimidos que são mais eficazes que os primeiros.”
Adolfo (Vítima inicial) – Está bem, se assim o queres…
O círculo vicioso começa de novo e o problema nunca se resolve. Adolfo não quer deixar de fumar e Eva não o aceita como fumador.
PERSEGUIDOR
Normal – Um polícia que persegue um delinquente, um pai que castiga o seu filho que bateu no irmão mais novo, são formas de perseguição normais e correntes.
Psicológico – um marido que humilha a sua esposa quando esta decide que quer ter um emprego; um professor autoritário e sempre severo.
O Perseguidor identifica-se claramente com o Pai punitivo da Análise Transacional; autoritário, ditador, manipula pelo medo; prefere ser temido a ser amado; dita as regras e faz com que se cumpram, sem ter em consideração a vontade do outro; atormenta os débeis, explora as suas vulnerabilidades, só vê defeitos nos outros e exagera-os.
A função benéfica do pai é proteger e prover à sua família. O papel do Perseguidor é a perversão desta função, tentando “reformar” através da força. É sabido que todo o abusado se transforma em abusador, toda a vítima se transforma em perseguidor: com o objetivo de se vingar ou distanciar do mal que lhe fizeram, ele aplica agora esse mesmo mal aos outros que dele dependem.
É claro que em situações normais o Perseguidor devia dar-se conta do sofrimento que infringe. No entanto, este livra-se do sentimento de culpa dizendo a si mesmo que o que faz é pelo bem dos outros. Não lhe passa pela cabeça que os fins não justificam os meios. As técnicas usadas incluem pregar, culpar, interrogar, intimidar, atacar.
Tal como o Salvador ao desejar “consertar” alguém, o Perseguidor precisa de alguém para culpar! Os Perseguidores renegam as suas fraquezas e defeitos, da mesma forma que os Salvadores renegam as suas necessidades. O maior medo de ambos é a impotência. Negando o seu próprio estado de fraqueza, ambos têm uma necessidade constante de alguém sobre quem possam projetar as suas próprias inadequações. Tanto os Salvadores como os Perseguidores precisam, assim, de uma Vítima para sustentar o seu lugar no triângulo.
Os Perseguidores tendem a compensar os seus sentimentos de pouca valia, dando-se ares de grandiosidade. A grandiosidade é inevitavelmente gerada pela culpa. Ela compensa e disfarça um grande sentimento de inferioridade. Superioridade é como passar diretamente de um “menos que” para um “mais que”.
Todo o complexo de superioridade tem subjacente um sentimento incómodo de inferioridade; a grandiosidade é só uma forma de esconder este sentimento. A pessoa começa por escondê-lo dos outros e acaba por escondê-lo de si mesma, de tal maneira que chega a acreditar na sua superioridade.
Jogos de Perseguidor
“Apanhei-te filho da p.” - Utilizados para justificar a raiva que se acumulou ao longo de um período de tempo prolongado. O agressor (geralmente inconsciente) identifica a vítima, prepara uma armadilha e usa-a como forma de se vingar ou de ganhar poder sobre o seu oponente.
Peritos em encontrar defeitos – A pessoa procura encontrar defeitos ou fraquezas nos outros ou em si mesma. Aproveita-se dos defeitos dos outros para ganhar e exercer poder sobre eles; quando é um auto jogo, serve para reforçar negativamente as suas incapacidades.
VÍTIMA
Real - Alguém que ao atravessar a rua é atropelado por um condutor embriagado que não respeitou o semáforo vermelho; alguém que é perseguido por motivos religiosos, raciais ou de preferência sexual.
Psicológica - Uma esposa queixa-se do seu marido a toda a gente, mas nunca toma uma decisão sobre o problema. Queixa-se por vício.
O estado de vítima, do ponto de vista psicológico, é tão doentio como os outros dois. É a pessoa que nunca cresce, um eterno Peter Pan que usufrui e explora o estado de dependência dos outros. Exterioriza os seus conflitos interiores, atraindo outras pessoas para os seus problemas e fazendo-as assumir dois papéis: o de perseguidoras e salvadoras. Necessita que alguém a persiga, a faça sentir-se culpada, manipula com a culpa, faz com que os outros a critiquem, humilhem, firam. Envia continuamente mensagens subliminares que dizem “estou indefeso, coitado de mim”.
Tanto o ser como o atuar do perseguidor e do salvador criam vítimas à sua volta. Porém, a vítima psicológica teve uma infância superprotegida por um pai protetor, um salvador paternalista. É este o responsável pela atual imaturidade, inadaptação e impotência da vítima: no tempo certo, em vez de deixar a criança resolver os seus problemas, o salvador resolveu-os por ela.
Formadas e educadas com base na ideia de que são intrinsecamente incapazes, as vítimas adotam a atitude de “Eu não consigo”. Este é o seu maior medo, forçando-as a procurarem sempre alguém que seja “mais capaz” para cuidar delas. As vítimas negam tanto a sua capacidade de resolver problemas quanto o seu potencial para gerar poder. Têm tendência para se verem como demasiado frágeis para encarar a vida. Sentindo-se impotentes, expostas, maltratadas, intrinsecamente más e erradas, vêem-se a si mesmas como um “problema insolúvel”.
Isso não as impede, contudo, de terem um grande ressentimento da sua dependência. As vítimas acabam por sentir-se saturadas de estar em posição inferior e tentam encontrar modos de revidarem ou “virarem o jogo”. A passagem para a posição de perseguidor implica geralmente sabotar os esforços para que sejam salvas.
As vítimas são jogadoras exímias do jogo “Sim, mas…” acima descrito. Sempre que um conselho, uma sugestão ou solução lhe é oferecida, a vítima responde “Sim, mas isso não vai funcionar porque...”. Algumas vezes assumem o papel de perseguidor como forma de culpar e manipular os outros para que tomem conta delas.
Jogos de Vítima
“Se não fosses tu…” - Frequentemente jogado entre cônjuges e sócios comerciais como um meio de evitar a responsabilidade por decisões individuais.
Eterno devedor - Muitas vezes, torna-se um guião, um plano para toda a vida. É usado como meio para atingir um objetivo na vida; uma vez atingido esse objetivo, o jogador sente-se deprimido e sem rumo (objetivo) e começa de novo o jogo em busca do sentido da vida.
“Olha o que me obrigaste a fazer” - Jogado por alguém que se sente magoado e enraivecido, que se envolve numa atividade que tende a isolá-lo das pessoas. Quando é interrompido, em caso de acidente ou erro, atira-se ao intruso, culpando-o e fazendo dele bode expiatório do próprio falhanço ou do acidente que ocorreu.
“Vamos brigar, tu e ele” - Um jogador incita dois outros a brigar entre si e desfruta da briga na qualidade de espetador e de árbitro. O incitador põe-se do lado do vencedor.
Perna de Pau - Usada como desculpa para um comportamento disfuncional. "Que se pode esperar de uma pessoa com uma perna de pau?" Muitas vezes usada como justificação, ou seja, "eu sou ruiva por isso tenho mau temperamento” ou "eu bebo porque sou irlandês", etc.
“Dá-me uma patada” - Jogado por pessoas que sentem necessidade de serem punidas; se não o são, têm um comportamento cada vez mais provocante até ultrapassarem os limites, obrigando algum perseguidor a dar-lhes uma patada; nesta categoria estão os abandonados e abandonadas, os que foram despedidos, os rejeitados. etc.
Atração/repulsa - Jogado por pessoas que têm medo da proximidade / intimidade, mas também têm medo de ficar sozinhas. Tratam de seduzir outra pessoa e quando esta já está seduzida, o jogador recua, deixando a pessoa confusa.
SALVADOR
Real - Um médico que preserva a vida de um doente; a embaixada que dá asilo a um refugiado político.
Psicológico - Uma mãe que faz os trabalhos de casa do seu filho; um terapeuta que dá sistematicamente conselhos e não ajuda o cliente a pensar e a solucionar os seus problemas.
Da mesma forma que, na família tradicional, o Perseguidor é a figura paterna, o Salvador é o princípio da sombra materna. Olha para o outro como um eterno indigente, impotente; necessita que precisem dele, por isso a ajuda que oferece tem como fim manter os outros na sua dependência. Mantém a vítima como vítima para que o jogo não acabe e pode até usar a chantagem e o suborno para os papéis se manterem. Acha que tem solução para todos os problemas dos outros.
É a reação típica de dependência a que chamamos de “sufocante”. É uma versão distorcida do aspeto feminino que deseja nutrir e proteger. Parte do problema do salvamento é que ele vem de uma necessidade inconsciente de se sentir importante ou de se estabelecer como aquele que resgata. Cuidar dos outros é a única forma que um Salvador conhece de se ligar a eles e de sentir que tem valor. Os Salvadores cresceram geralmente em famílias onde eram inferiorizados e humilhados por terem necessidades. Aprenderam então a negar estas necessidades, cuidando dos outros. Isso faz com que seja essencial terem quem dependa deles.
Os Salvadores, no fundo, também são vítimas, ou seja, reconhecem que necessitam de ser cuidados e que, se cuidarem bem dos outros, algum dia alguém cuidará deles. Isto vem ao de cima quando a pessoa que eles tentam ajudar rejeita essa ajuda. Neste caso, sentem-se deprimidos e facilmente assumem eles o papel de vítima e mártir, dizendo, “É isto que eu ganho, depois de tudo o que fiz por ti”, “Não importa o quanto eu faça, nunca é suficiente” ou “Se tu realmente me amasses, apoiavas-me mais”.
O maior medo do Salvador é não haver ninguém que aceite a sua ajuda e cuidado. Não se dão conta da dependência castradora que alimentam quando cuidam daqueles que dependem deles. Através destas táticas, criam mensagens incapacitantes. Todos os envolvidos acabam por se convencer de que a vítima é incapaz, inadequada ou defeituosa, reforçando assim a necessidade de cuidado constante. O trabalho do Salvador passa então a ser cuidar da vítima, “para o próprio bem dela”, claro.
Ter uma vítima para cuidar é essencial para que o Salvador mantenha a ilusão de ser superior e independente. Isto significa que sempre haverá pelo menos uma pessoa no cerne da vida de cada Salvador que é doente, frágil, inapta e que necessita dos seus cuidados.
Jogos de Salvador
“Eu só estava a ajudar…” - Um futuro Salvador está a curar a ferida de uma criança de três anos que protesta e trata de fugir; quando a criança desata a chorar, o futuro Salvador levanta as mãos em sinal de desespero e diz “Raios/Porra, eu só estou a tentar ajudar!”
“Que seria de ti sem mim?” - Uma adolescente está a guardar o seu irmãozinho e deixa que ele se afaste. Quando ele grita de terror depois de ter subido um muro, caído e esmurrado o nariz, ela corre, toma-o ao colo e conclui “sempre te acontece alguma coisa se eu não te guardo”.
O drama em ação
Mãe (Perseguidor) – Se não limpares o teu quarto, hoje não jantas.
Pai (Salvador) – Deixa o rapaz em paz, deve estar cansado, esteve todo o dia na escola.
Mãe (Vítima) – Também estive o dia todo a trabalhar, tenho que ser eu a fazer tudo em casa?
Filho (Salva a mãe, persegue o pai) – Não te metas, este é um assunto entre mim e a mãe.
Pai (Vítima em relação à Mãe e ao filho) – Eu só estava a tentar ajudar…
Pai (Perseguidor em relação ao filho) – Estás a faltar-me ao respeito, não podes falar assim ao teu Pai.
Outro exemplo:
Filho (Perseguidor) – Sabes que odeio azul e foste comprar-me uma camisa azul.
Mãe (Vítima) – Para ti, nunca faço nada bem.
Pai (Salva a Mãe, persegue o filho) – Como te atreves a tratar assim a tua mãe? Ficas sem jantar!
Filho (Vítima falando em off) – Pedem-me para dizer o que penso, mas quando o faço não gostam.
Mãe (Salvador) – Leva comida às escondidas e diz ao filho “não devíamos ter-nos chateado por causa de uma camisa”.
Mãe (Perseguidor) – João porque é que és tão duro com o nosso filho? Deve estar a odiar-te lá no quarto.
Pai (Vítima) – Raios/Porra! É esta a paga que me dás por me ter posto do teu lado?
Filho (Salvador do pai, perseguidor da mãe) – Oh mãe, acaba lá com isso, não vês que o pai está cansado do trabalho?
Solução do drama triangular
Como vemos, os jogos não resolvem nenhum problema e criam outros, por serem doentios. A solução para os jogos é darmo-nos conta de que os jogamos e fazer entrar o adulto no processo para os parar, obrigando todos a relacionar-se a partir do Adulto e abandonando o Pai protetor ou salvador, o Pai punitivo ou Perseguidor e a Criança ou Vítima. Cada um deve assumir a responsabilidade pelos próprios sentimentos, pensamentos e ações, assim como por tudo o que acidentalmente lhe acontece e entender que isso não foi causado pelos outros nem por má sorte.
Mais concretamente em relação ao drama triangular, para combater cada um dos papéis, vários psicoterapeutas criaram papéis alternativos saudáveis para jogar um jogo consciente de adulto. A figura que ilustra este texto alude a esses papéis no triângulo azul.
Não ao perseguidor, sim ao assertivo – Em vez de perseguir, deve ser assertivo, exortar sem punir, promover o autoconhecimento e o auto crescimento do outro. Desafiar, não impor, provocar e evocar ação no outro. Infundir esperança e energia, fundamentalmente dizer ao outro “tu consegues”.
bém conta das suas capacidades e usa-as, sendo assim criador e protagonista da própria mudança, sem passar a responsabilidade da sua vida para um perseguidor ou salvador. Esforça-se rumo à autossuficiência, procura soluções para os seus problemas e diz a si mesmo “querer é poder, eu quero, eu posso”.
Não ao salvador, sim ao empático – Descer empaticamente ao nível do outro e, a partir daí, ajudar de uma forma não paternalista, sem substituir o outro, mas deixando que seja ele a resolver os próprios problemas; este é o papel do psicoterapeuta não diretivo segundo Carl Rogers. Assiste, apoia, facilita, faz perguntas exploratórias para que a pessoa veja todas as facetas do seu problema e ajuda-a a descobrir o que vai fazer e como o vai fazer.
Cresce e aparece! Ninguém vai tirar as castanhas do fogo por ti, nem Deus vai fazer por ti o que tu podes fazer por ti mesmo. Quando ninguém se assume como vítima, evaporam-se os perseguidores e os salvadores e aparecem os amigos que ajudam no processo da descoberta de soluções por nós mesmos, ajudando-nos a sair da nossa miséria.
Jogar é aliciar os outros a agir como vítima, perseguidor ou salvador no drama de nossa imaturidade. Porém, se um dos atores decidir tornar-se adulto renunciando ao seu papel, os outros dois eventualmente seguirão o seu exemplo, e todos têm uma oportunidade de crescer.
Pe. Jorge Amaro, IMC
Material Maravilhoso, muito bem elaborado. SOU GRATA.
ResponderEliminarMuito agradecida!
ResponderEliminar👏👏👏👏👏 Espetaculo!
ResponderEliminarAdorei, muito esclarecedor. Obrigada!
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