No seu sábio discurso no parlamento alemão, depois de agradecer o convite, o papa Bento XVI começou por dizer que apesar de ser alemão e acompanhar de perto e com grande interesse os assuntos do seu país natal, não tinha sido convidado como cidadão alemão, mas sim como Papa e Bispo de Roma. E acrescentou que o convite levava implícito o reconhecimento do papel da Santa Sé como parceira dentro da comunidade de povos e Estados.
O ocidente renega as suas raízes cristãs
Inspirando-se no património cultural, religioso e humanista da Europa, de que emanaram os valores universais que são os direitos invioláveis e inalienáveis da pessoa humana, bem como a liberdade, a democracia, a igualdade e o Estado de Direito… Preâmbulo da Constituição da Europa 2005
Este mesmo reconhecimento esteve ausente anos antes, quando o ex-presidente de França, Valéry Giscard d'Estaing apresentou a malfadada Constituição da Comunidade Europeia para ser referendada pelo povo francês. Se tivesse sido aprovada, teria sido votada nos restantes parlamentos nacionais da UE. No seu preâmbulo acima citado não há uma menção explícita a Deus nem ao cristianismo.
O cristianismo foi, ao longo da história, a alma da Europa e, ainda que esta agora seja laica, não pode deixar de reconhecer o papel desta religião como Mater ed Magistra - mãe, mestra e pedagoga - do continente e das suas gentes. Pode ser politicamente correto não mencionar o papel do cristianismo na vida dos europeus ao longo dos séculos, mas não deixa de ser tendencioso, preconceituoso e politicamente orientado não mencionar um inegável facto histórico que escreveu grande parte da história da Europa nos últimos dois mil anos. Para crescerem acima do solo, as árvores têm de crescer para baixo, aprofundando as suas raízes; um povo que ignora e nega as suas raízes é um povo sem identidade, uma cana agitada pelo vento.
O que o preâmbulo fez foi um misto de desprezo e plágio: desprezo porque ignorou categoricamente o contributo do cristianismo; plágio porque se apropriou de um “património religioso” sem o mencionar e citar devidamente. Um outro erro muito comum entre os políticos e também presente no preâmbulo é a separação entre religioso e humanista, como se religioso fosse uma superestrutura da qual se pode prescindir.
Cristo não veio fundar uma nova religião, Cristo veio ensinar os homens a ser homens. Por isso o cristianismo é em si o humanismo; por isso também é incorreto dizer humanismo cristão - porque o cristianismo ou é humanismo ou não serve de nada. Cristo não é um dos caminhos, uma das verdades, uma das vidas, mas o único caminho, verdade e vida (Cf. João 14,6). Não há uma alternativa igualmente viável a Cristo, como Ele próprio disse, “Quem não recolhe comigo, dispersa” (Lucas 11, 23). Para além de Cristo, não há outro modelo de humanidade; por isso, humanismo e cristianismo são uma e a mesma coisa.
É neste sentido que políticos, filósofos e humanistas que se proclamam agnósticos ou ateus se apropriam de partes do evangelho sem o citar ou pretendem reinventar a roda, afirmando como novas e originalmente suas, ideias que são decalcadas do evangelho escrito há dois mil anos.
O monge beneditino chileno Mauro Matthei (2004) faz uma reflexão intitulada “Jerusalém, Atenas e Roma, cidades símbolo da cultura cristã” na qual faz referência à altercação entre Pilatos e os sumos sacerdotes sobre o letreiro que tinha mandado colocar no alto da cruz de Cristo, referindo o motivo da condenação de Jesus.
O dito letreiro, que diz “Jesus Nazareno rei dos judeus” (João 19, 19-22), - foi escrito por Pilatos para troçar e se vingar dos sumo sacerdotes que o tinham obrigado a condenar um inocente; ao fazê-lo, porém, e sem querer, afirma profeticamente uma verdade contundente e objetiva, contrária à que eles queriam que figurasse no letreiro como tendo sido dita por Jesus , o que contaria como mera opinião subjetiva.
Com o seu solene “Quod scripsi, scripsi”, Pilatos confere ao seu escrito um valor absoluto que os sumo sacerdotes queriam relativizar, e ao escrevê-lo em hebreu, latim e grego, as línguas das três cidades pilares da cultura europeia, confere-lhe uma validade universal. Os políticos, afirma o autor, relativizam o absoluto e absolutizam o relativo. Relativizam, troçam e desprezam tudo o que se refere a Cristo e às suas palavras de vida eterna, para absolutizar as suas politiquices do momento que às vezes caducam antes de serem implementadas.
O crescente fértil como “pré-história” da civilização ocidental
A civilização ocidental tem como berço as culturas e civilizações do Crescente Fértil, dependentes do trigo e outros cereais que ali se cultivavam. Suméria, Creta, Mesopotâmia, Egito, Israel, Síria, Fenícia, Babilónia e o Império Persa estão na base da cultura grega e da cosmovisão religiosa de Jerusalém.
No Crescente Fértil, sucederam-se culturas, civilizações, hegemonias de povos sobre outros povos e assim o centro do poder e da cultura foi passando de mão em mão e de geração em geração, como o testemunho numa corrida de estafetas. Cada nova cultura e civilização herdava e assimilava os avanços da cultura anterior como património, propondo as suas próprias inovações, como diz o provérbio, “Libris ex libris fiunt” - os livros fazem-se a partir de outros livros.
De Leste para Oeste, do Sul para Norte
Nesta sucessão de impérios e deslocações de centros do poder, notamos um ligeiro movimento geográfico de sul para o norte e um movimento bastante mais apreciável de leste para oeste. A Grécia assimilou todas as culturas anteriores a ela, ao derrotar o Império Persa. Roma assimilou a Grécia, expandindo-se mais para norte e aproximando-se a oeste do fim do mundo conhecido - “Onde a terra acaba e o mar começa” citando os Lusíadas, de Camões.
Quando o poder e a cultura já se tinham deslocado para Roma e para os confins do mundo conhecido e parecia que o Oriente já não tinha mais para dar, nasceu Jesus de Nazaré e, com ele, a cidade de Jerusalém transformou-se no terceiro pilar da cultura europeia. A destruição de Jerusalém pelo Imperador Tito no ano 70 DC obrigou os Judeus a dispersarem-se por toda a Europa. No entanto, como viviam em ghettos, em pouco ou nada influenciaram a cultura ocidental.
Foi o cristianismo, que começou por ser uma seita do judaísmo, que influenciou a cultura e civilização ocidentais a partir do momento em que se transformou na religião do império romano, com Constantino, no século IV. Com a queda do império no século V, causada pela invasão de povos bárbaros, sobretudo pelos godos e pelas tribos germânicas, o poder político passou para norte, mas a Igreja herdou toda a cultura ocidental, uma vez que os povos nórdicos eram primitivos. Estes povos reconheceram e respeitaram o papel da Igreja e assim a Europa mergulhou na Idade Média.
Para o fim desta, portugueses e espanhóis, seguidos pelos inglese e franceses, globalizaram a civilização ocidental, conquistando dois grandes territórios: o continente americano e a Austrália. Hoje, inquestionavelmente, fazem parte da civilização ocidental a Europa, a América, a Austrália e a Nova Zelândia.
A diferença entre a América do Norte e a do Sul é que no Norte os colonos (ditos peregrinos) pensaram que haviam chegado à sua Terra Prometida e, tal como os Judeus do tempo de Josué, fizeram uma limpeza étnica, exterminando quase por completo os indígenas por os considerarem mais primitivos. No Sul, os indígenas tinham formado civilizações, eram em maior número e eram mais fortes; por outro lado, os colonizadores eram de outra índole e não estavam interessados em exterminá-los, mas sim em escravizá-los.
A Rússia, tanto do ponto de vista cultural como do ponto de vista histórico, não tem uma identidade definida apesar de que a maior parte dos seus habitantes vive a oesta dos montes Urais ou seja em Europa; Gorbatchov era europeu na sua forma de pensar e atuar e falava da Europa como casa comum; Putin é totalmente asiático pela forma despótica como governa e pela oposição à Europa e aos valores da cultura europeia.
Os países muçulmanos, apesar de terem muito em comum com a civilização ocidental, não pertencem a esta porque não comungam dos mesmos valores e porque ainda não abdicaram do sonho tantas vezes fracassado de a conquistar. Hoje, como não conseguem defrontar o mundo ocidental em campo aberto, antagonizam-no com o terrorismo. A fraca narrativa do Alcorão comparada com a narrativa dos evangelhos, assim como o défice de humanidade de Maomé quando o comparamos com Jesus, fá-los sentir-se inferiores e com medo de desaparecer do mapa, o que os torna mais agressivos.
A civilização ocidental é a mais bem sucedida até à data, o que nos faz crer que só há um modelo de desenvolvimento; assim como Jesus de Nazaré é a medida do humano, a medida padrão de humanidade, a civilização ocidental parece representar o único modelo de desenvolvimento, ou seja, não há um outro modelo de desenvolvimento alternativo que não passe pelo moinho, movido a água ou pela maré, ou vento, o cavalo, a agricultura, a máquina a vapor, o comboio, a eletricidade, a rádio, a televisão, o petróleo, o carro, o avião, o telefone fixo, o telemóvel, o computador, a Internet, etc. A globalização globalizou sobretudo a civilização ocidental, pois foi a primeira a pôr o mundo em comunicação. Hoje, as culturas diferenciam-se entre si por pequenas e insignificantes nuances; tudo o resto é comum.
Europa, o berço da civilização ocidental
África, Ásia, América, Austrália, Antartida - os continentes que constituem o nosso planeta têm todos nomes femininos que começam e acabam com a letra A; feminino é o nome do planeta em si. A Europa não começa por A mas termina em A e é nome de mulher.
Na mitologia grega, chamava-se Europa a princesa fenícia por quem Zeus, o rei dos deuses, se apaixonou quando esta passeava com as suas amigas junto ao mar. Quando lhe perguntaram o que era a Europa, o poeta francês Paul Valéry respondeu com três palavras: Atenas – Roma – Jerusalém. De Atenas nos veio o amor pela liberdade política, a democracia, a filosofia que busca educar o Homem no uso da razão; a busca da verdade, do bom e do belo.
De Roma nos veio o direito, a organização do Estado, o primado da lei a cima de tudo e de todos, ricos, pobres, escravos e governantes. O Estado não está ao serviço do governante, mas ao serviço da “Res publica”, literalmente coisa pública, ou seja, o que é de todos; daqui deriva o sistema de governo República.
De Jerusalém nos veio o judaísmo por intermédio do Cristianismo, o monoteísmo que veio substituir o politeísmo que reinava tanto em Atenas como em Roma. O monoteísmo veio servir de suporte aos valores ocidentais, ao primado da lei por exemplo; todos são iguais perante a lei porque todos são filhos do mesmo Deus, criador do Céu e da Terra, um ser pessoal amoroso e bondoso e não caprichoso como os deuses das mitologias grega e romana
Vejamos mais em pormenor o que devemos a cada uma destas cidades, pilares da cultura e dos valores ocidentais que são os que o mundo ocidental procura inculcar no resto do mundo e que estão consagrados na carta dos direitos humanos das Nações Unidas.
O contributo de Atenas
A cultura helénica influenciou a civilização ocidental em inúmeras vertentes; certamente em muitas mais vertentes que as outras duas cidades pilares da mesma.
Filosofia – Filo-sofia (amor pela sabedoria). Era a arte de pensar sem nenhum objetivo prático ou pragmático para além de divisar o sentido do cosmos, das coisas e da vida em geral. É um pensamento crítico racional e reflexivo. Acima de tudo, a filosofia grega contestava a visão mítica do mundo. Os mitos são a primeira tentativa de explicação das coisas e dos fenómenos para lhes dar sentido e significado. São narrativas simbólicas cujos personagens são deuses. Segundo esta explicação, cada realidade era comandada por um deus, havendo assim um deus do tempo, Cronos, um deus da guerra, Marte, uma deusa do amor, Vénus, etc.
A filosofia olha para o mundo de uma forma racional e busca explicações racionais ou razoáveis para os fenómenos naturais, sem recorrer a mitos ou a lendas fantasmagóricas. Destacam-se os filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles e um grande número de filósofos pré-socráticos como Heráclito, Parménides, Zenão, Demócrito, Anaxágoras e muitos outros.
Só sei que nada sei – É a máxima socrática que leva a não nos contentarmos nunca com o que sabemos e a mantermos sempre a humildade, tão importante para aprendermos mais e mais. Para além do seu método de conhecimento, Sócrates imortalizou-se pela sua maiêutica, a arte de ajudar a dar à luz, baseada no princípio de que a sabedoria já está dentro de nós, só precisamos de alguém que nos ajude a iluminá-la. Ainda hoje este princípio é válido e é aplicado em psicoterapia, na psicologia não diretiva de Carl Rogers, e também em sociologia, pelo pedagogo brasileiro Paulo Freire.
Democracia - A cidade de Atenas é considerada o berço da democracia. Os cidadãos atenienses (homens, nascidos na cidade, adultos e livres) eram aqueles que podiam participar das votações que ocorriam na Ágora (praça pública). Decidiam, de forma direta, os rumos da cidade-estado.
Ciência – O abandono das crenças e mitos é importante para o surgimento do pensamento empírico e científico. Neste sentido, a filosofia é a mãe das ciências, pois foi com ela que surgiu o pensamento racional, livre de lendas, mitos e crenças, para analisar a realidade e os fenómenos naturais.
Por outro lado, a atitude socrática de que “só sei que nada sei” é também importante para ir divisando o mistério que envolve qualquer ciência: quanto mais se sabe, mais há para saber. Ainda hoje, os termos técnicos e científicos derivam do grego e os novos conceitos formam-se a partir do grego.
Medicina – Hipócrates, considerado o pai da Medicina, foi o primeiro a entender que as doenças não eram causadas pelos deuses, mas tinham como génese um desequilíbrio. Hipócrates deixou-nos o seu juramento que é ainda hoje utilizado pelos médicos no início da sua carreira.
Matemática – Tales de Mileto e Pitágoras deixaram-nos os seus teoremas, curiosamente à volta do triângulo, a figura geométrica mais simples, sendo todas as outras constituídas por sérias de triângulos.
Arquitetura – Certamente herdeira de patrimónios anteriores, como o do Egito e da Mesopotâmia, a arquitetura grega imortalizou-se com a introdução das colunas que tornaram os edifícios mais elegantes e menos monolíticos que os anteriores do Egito e da Mesopotâmia. As colunas gregas diferenciavam-se pela forma que assumiam no seu topo, com três estilos diferentes: o dórico, o jónico e o coríntio
Arte – O conceito de beleza e harmonia retratado na escultura e na pintura. Os escultores buscavam retratar no máximo detalhe o corpo humano, característica que mais tarde voltou a observar-se no Renascentismo europeu, que nos deu obras tão famosas como a Pietá e Moisés.
História – Os gregos foram os primeiros a tratar a história com caráter científico, separando os factos das lendas, dos mitos e das crenças religiosas, distinguindo entre ação humana e interferência ou intervenção divina. A própria palavra História vem de um termo grego que significa pesquisa, investigação. Destacam-se os autores Heródoto, considerado também o pai da História, Xenofonte e Tucídides.
Literatura – Destaca-se Homero com os seus poemas épicos: Ilíada que descreve a guerra de Tróia, e Odisseia que descreve as viagens e peripécias de Ulisses. Diz a lenda que este herói fundou a cidade de Lisboa, Olissipona, a cidade de Ulisses, quando deixou Tróia depois da guerra.
Teatro – O teatro, nas diferentes modalidades de tragédia e comédia, representava não só uma diversão para os gregos, bem diferente da diversão violenta dos romanos com os gladiadores na arena, como era também uma forma de educação da juventude. Os autores mais famosos: Ésquilo, Sófocles, Aristófanes e Eurípedes. Como as encenações eram ao ar livre, a Grécia construiu inúmeros teatros, tanto a norte como a sul do Mediterrâneo, e as suas ruínas ainda hoje podem ser observadas.
Jogos Olímpicos – Tinham um carácter sagrado, eram como o próprio nome indica uma homenagem aos deuses do Olimpo. Foram os gregos que inventaram, o desporto, a preparação física; eram jogos pan-helénicos, ou seja, entre as cidades-estado gregas. Celebravam-se de quatro em quatro anos e duravam cinco dias.
O contributo de Roma
Senatus Populus Que Romanus (SPQR) – O Senado e o povo de Roma. Estas são as iniciais que os romanos levavam nos seus estandartes, na sua bandeira, nas expedições militares, e que colocavam nos edifícios públicos. Se algo demonstram estas insígnias e símbolo do poder de Roma, é que a ideia de democracia do povo grego foi assimilada pelo povo romano. Democracia em romano chama-se república; a república é governada por senadores, representantes do povo.
Os romanos são um povo mais prático e pragmático, assimilaram o legado da Grécia e não tentaram impor a sua cultura. Pelo contrário, eram muito tolerantes com os povos que dominavam, nem sequer impunham a sua língua - desde que pagassem tributo a Roma podiam até manter os seus usos e costumes, a sua religião e os seus reis.
Os romanos tinham consciência da grandeza e superioridade da cultura helénica e, de facto, em muitas matérias, não avançaram muito. Há, porém, vários pontos em que os romanos superaram os gregos e são esses que mencionamos. Como dissemos, esta evolução está ligada ao seu caráter mais prático que teórico.
O direito e a organização do Estado
Este é sem dúvida o mais importante legado romano para o mundo moderno. Na base do Direito de todas as nações do nosso planeta está o Direito romano.
A divisão e separação dos poderes que devem funcionar livre e autonomamente sem influências mútuas, vem de Roma. Curiosamente, estes poderes são três: o poder executivo, o poder judicial e o poder legislativo. Foi instituído o princípio de controlo entre eles, para que nenhum excedesse as suas competências.
Os romanos distinguiam três classes de direito: o Direito Político, que regulava os relacionamentos entre o Estado e os cidadãos; o Direito Privado, que regulava os relacionamentos entre cidadãos; e o Direito Internacional ou o direito das gentes, que regulava as relações entre os diferentes povos.
Ideias legais como o julgamento por júri, os direitos civis, os contratos, a propriedade pessoal, os testamentos legais, as leis que regem as empresas, foram influenciadas pelo direito romano e pela maneira romana de ver as coisas.
Vejamos algumas máximas latinas ainda hoje usadas, tanto no contexto do Direito e dos tribunais como vulgarmente pelo povo.
Dura lex sed lex – A lei é dura e difícil de cumprir, mas é a lei; está estipulada e concede segurança. Mais duro seria a arbitrariedade e imprevisibilidade de um ditador. Esta máxima estabelece o primado da lei e de que ninguém está a cima da lei.
Sumum ius summa injuria - Excesso de direito, excesso de injustiça. Axioma jurídico que nos adverte contra a aplicação demasiado rigorosa da lei, que pode dar margem a grandes injustiças. Para evitar isso se requer jurisprudência ou epiqueia. Uma coisa é ser justo, outra é ser justiceiro.
Excusatio non petita accusatio manifesta – É mais um princípio psicológico que do direito. Quando alguém se desculpa sem que ninguém lhe tivesse pedido que se justificasse, está a acusar-se a si mesmo implícitamente e inconscientemente.
In dubio pro reo – No caso de dúvida, pelo réu; expressão baseada na presunção de inocência; também se refere como o benefício da dúvida. A incerteza sobre a prática de um delito ou sobre alguma circunstância relativa ao mesmo, deve favorecer o réu.
Conditio sine qua non - Condição sem a qual não pode ser; utilizada para dizer que uma condição é indispensável para a validade de algo, como uma teoria de equivalência das causas. Um exemplo clássico de conditio sine qua non é a vontade dos noivos como pressuposto para que um casamento seja válido.
Patria potestas – O poder do pai, poder que o chefe de família exercia sobre seus filhos e seus descendentes mais remotos na linha masculina, fosse qual fosse a sua idade, bem como sobre aqueles trazidos para a família por adoção.
Habeas corpus - Que tenhas o corpo; é a ação judicial que protege o direito de liberdade ameaçado por ato abusivo de autoridade, ou seja, uma ação para impedir que alguém seja preso ou que permaneça preso injustamente.
Arquitetura e engenharia
Os gregos foram largamente superiores; mas com a invenção do arco romano, os romanos construíram grandes templos, palácios, estádios, aquedutos e pontes, anfiteatros e edifícios públicos que integravam arcos e abóbadas com tal eficiência que muitas destas obras ainda hoje estão em pé. O Coliseu de Roma, o Panteão de Roma, o aqueduto de Segóvia e inúmeras pontes romanas ainda hoje são usadas.
Os romanos distinguem-se pelas estradas. No mundo antigo, foram eles que abriram estradas. As principais vias, da Europa que existem atualmente foram construídas sobre calçadas romanas. Os romanos inventaram as pontes para passarem os rios e inventaram o aqueduto para levar água às suas cidades. O aqueduto marítimo de Cesareia, que ainda se pode ver na praia desta cidade, tinha 6 km de comprimento.
Uma das razões pelas quais o Império Romano durou mais que todos os outros, quase um milênio, é porque ele estava bem ligado pelas estradas e pontes que construiu em toda a Europa. A construção de estradas e pontes eram tão importantes para os romanos que até o título do Imperador refletia esse esforço, ao ser chamado Pontifex Maximus, o que significa o Supremo engenheiro da pontes. Ironicamente, este é agora o título do Romano Pontífice, o Papa, o que significa que ele como o representante de Cristo é a ponte entre a humanidade e Deus.
Alfabeto romano
É o alfabeto que utilizam as línguas neolatinas, o castelhano, o português, o francês, o italiano e o romeno, o catalão, o galego e o provençal. O inglês que se transformou na primeira língua franca do mundo provém em 60% do latim e do grego; os restantes 40% são de origem saxónica.
É, ainda hoje, o alfabeto mais utilizado no mundo, mesmo nas línguas que não são neolatinas como o alemão e o inglês e todas as línguas da Europa ocidental, assim como o turco, vietnamita malaio, somali, suaíli e outras línguas africanas, assim como o tagalog.
Dissemos que o grego é ainda usado para termos científicos, embora haja uma exceção; para os nomes científicos de plantas e animais é o latim, e não o grego, a língua universalmente usada. Os romanos possuíam também uma numeração que ainda usamos para designar os séculos e pouco mais. Porém, como não tem zero, não serve para a matemática. A numeração que se usa a nível mundial é a árabe.
O calendário de 365 dias, com 12 meses que hoje usamos foi inventado pelo imperador romano Júlio César. A Igreja mais tarde mudou o calendário juliano, que ainda hoje é usado pela Igreja Ortodoxa, para o gregoriano, introduzido pelo Papa Gregório e hoje usado universalmente. O nome dos meses também é de origem latina.
O contributo de Jerusalém
A filosofia busca o sentido do mundo, a ciência diz-nos como funciona, a técnica facilita a nossa vida, o direito regula as relações entre as pessoas mas só a religião pode responder às questões que todo o ser humano se faz quando chega à autoconsciência, por volta dos sete anos: de onde venho, para onde vou e que sentido tem a vida?
Alguns, como Gregor Mendel, monge e pai da genética, Georges Lamaître, sacerdote e pai da teoria do Big Bang, Luther King, pastor e profeta da igualdade étnica nos EUA, conciliaram a sua atividade religiosa com a atividade científica e envolvimento social. Outros grandes personagens da civilização ocidental encontraram na fé o motor da sua vida e da sua ação política ou social; por exemplo, os três fundadores da União Europeia, o italiano Alcide De Gasperi, o alemão Konrad Adenauer e o francês Robert Schuman. Todos eles eram católicos praticantes. A União Europeia é de facto um projeto católico porque, desde o berço, o católico está ciente de que pertence a um país e certamente também a uma outra entidade ou instituição que é supranacional. Deste modo, só o católico é verdadeiramente universalista.
Monoteísmo
A ideia de que há um só Deus Pai, criador do céu e da terra, é talvez o maior contributo de Jerusalém para a civilização ocidental. Tanto os gregos como os romanos eram politeístas; o politeísmo não leva à união nem à harmonia entre os povos, nem à unificação de conceitos como a verdade e a justiça. A ideia de que há um só Deus leva à coesão dos povos à união na diversidade. O mesmo primado da lei, o facto de que todos são iguais perante a lei, seria mais difícil de manter no politeísmo: todos são iguais perante a lei porque todos são iguais perante Deus, porque há um só Deus que é criador e pai de tudo e de todos.
O conceito de igualdade explica-se melhor do ponto de vista religioso pelo facto de termos todos o mesmo Pai Deus e pelo mandamento de amar o próximo como a nós mesmos, do que pela revolução francesa. O valor da individualidade e da dignidade da pessoa humana é uma consequência direta do cristianismo.
A universalidade do descanso
Trabalharás durante seis dias, mas descansarás no sétimo, embora decorra o tempo da lavra e da ceifa. Êxodo 34, 21
Trabalharás durante seis dias e farás todo o teu trabalho. Mas o sétimo dia é o sábado consagrado ao Senhor, teu Deus. Não farás trabalho algum, tu, o teu filho e a tua filha, o teu servo e a tua serva, os teus animais, o estrangeiro que está dentro das tuas portas. Porque em seis dias o Senhor fez os céus e a terra, o mar e tudo o que está neles, mas descansou no sétimo dia. Por isso, o Senhor abençoou o dia de sábado e santificou-o. Êxodo 20, 9-11
Não sabemos quem inventou o trabalho, provavelmente não tem inventor ou fundador. Porém, o descanso sim, tem inventor, é invenção do povo judeu. A ideia de um dia consagrado a Deus, o sábado, origem do descanso sabático e também do ano sabático (um ano em que não se trabalha, mas estuda-se ou faz-se qualquer outra atividade), pertence ao povo judeu.
É claro que para a justificar perante o povo se utiliza o antropomorfismo de que Deus criou o mundo em seis dias e descansou no sétimo. Não é que os povos anteriores ao povo judeu não descansassem, certamente o faziam, mas só descansavam os senhores, os escravos trabalhavam sempre. O descanso não era democrático ou universal; o que é excecional no povo judeu, é que o descanso é para todos, senhores, escravos, estrangeiros e até os animais de trabalho, como o burro e o boi.
O evangelho, a melhor narrativa de todos os tempos
O cristianismo no Novo Testamento, em especial nos evangelhos que relatam a vida, o talante e os ditos de Jesus de Nazaré, possui a narrativa mais fascinante de todos os tempos. A cosmovisão, a ética, a filosofia de vida, os direitos humanos, o que é verdadeiramente humano, está exposto no evangelho.
O evangelho é a magna carta da vida humana, a medida padrão, o critério máximo de humanidade que serve de genuína e autêntica referência a cada indivíduo. Não há no mundo qualquer narrativa que supere os evangelhos em humanidade. Os evangelhos têm sido o texto inspirado da civilização ocidental, o farol que a ilumina.
Eclesia mater ed magistra
Nos séculos IV e V, com uma pregação intensa e geral, em pouco tempo a Igreja converteu os povos conquistados do império romano ao cristianismo. Numa época de guerras, desagregação e fragmentação do poder, como era o feudalismo, a religião era o único fator de união entre os povos. Era também a única instituição do mundo antigo capaz de fazer frente à hegemonia dos novos dominadores bárbaros.
Era a Igreja que garantia a paz e defendia os povos dos excessos dos invasores bárbaros, opondo-se às injustiças não pela força das armas que não as tinha, mas pela força da razão, da decência e da ética. Os bárbaros respeitavam a Igreja pelo ascendente que esta tinha perante o povo e por ser a herdeira do grande império romano que de facto ainda existia no oriente. Com a subjugação das populações nas zonas mais rurais, o único poder era do bispo; por outro lado, a nível de Roma, o Papa era o único representante do ocidente romano. Desta forma, a Igreja tornou-se num poder político e, como tal, também cometeu alguns erros.
Monaquismo
Na Europa da alta Idade Média, dividida em tantos reinos instáveis, a Igreja era a única instituição forte e eficiente, instruída, rica e presente em todo o lado. Nas cidades, o bispo era frequentemente a única autoridade existente. No mundo rural, afirma-se a presença dos mosteiros com a regra de Orat ed labora: o monge não deve apenas rezar, mas também trabalhar para se sustentar a si mesmo e a quem necessita. Em toda Europa, nasceram mosteiros beneditinos e cistercienses que se transformaram em centros económicos e que, através da agricultura e da criação de animais, produziam alimento para as populações.
Estes mosteiros foram oásis de cultura e celeiros da mesma, pois era aqui que se copiavam os antigos textos latinos e gregos. Sem estas cópias, estes textos ter-se-iam perdido. A invasão bárbara do império romano parece ter feito a cultura andar para trás, mas a Igreja preservou essa cultura, pois era a única herdeira da última civilização ilustrada: a da Grécia e a de Roma.
Os americanos chamam a esta idade a Idade das Trevas. No entanto, custa a acreditar que precisamente nesta época se tenham construído os edifícios mais belos que o mundo já construiu: as catedrais góticas. Cada pedra foi talhada para ocupar um lugar exato, sem cimento e sem ferro, arcos, colunas, ogivas, abóbadas, um conjunto harmonioso e elegante, iluminado pelos vitrais multicolores, um céu na terra.
Libertação das mulheres
O direito das minorias em relação às maiorias, o respeito pela orientação sexual de cada um, a libertação das mulheres, os valores próprios da civilização ocidental que a colocam na vanguarda dos direitos humanos, não se explicam sem o evangelho.
Jesus foi a pessoa mais feminista que o mundo conheceu; o único fundador de religião que nunca fez uma afirmação contra as mulheres, que as tratou como iguais aos varões, que teve discípulas - coisa nunca vista antes ou depois dele (ainda hoje os rabinos não têm discípulas). É certo que os seus discípulos seguiam a mentalidade patriarcal do mundo circundante mais que o comportamento do mestre. Porém, não podemos negar a importância do evangelho na conversão das mentes e dos corações para a igualdade de género, que começou na civilização ocidental e, pouco a pouco, vai sendo assumida pelas outras civilizações, sendo a muçulmana a mais reticente na matéria.
É certo que nem no Ocidente a mulher goza ainda de plena igualdade, mas é certamente no Ocidente cristão que a mulher goza de mais direitos. O que faz variar o grau de igualdade de género não é a riqueza ou pobreza; ou seja, não é necessariamente nos países mais ricos que a mulher é tratada de igual para igual. A Arábia Saudita é rica e, no entanto, as mulheres ali são tratadas como cidadãs de segunda classe. O fator determinante é a cultura, não a riqueza.
O Japão e as Filipinas são dois países asiáticos não muito distantes um do outro; o primeiro é bem mais rico que o segundo e, no entanto, há muito mais igualdade de género nas Filipinas que no Japão. Como países asiáticos que são, há elementos culturais que são comuns. A grande diferença é que as Filipinas são um país cristão desde há 500 anos, enquanto que no Japão o cristianismo nunca conseguiu penetrar de forma a influenciar a cultura. Os restaurantes onde a comida é servida no corpo nu de um adolescente não existem nas Filipinas e é de todo impensável que alguma vez possam existir.
Três são as culturas que contribuíram para a civilização ocidental: de Roma obtivemos a razão de Estado, de Atenas o estado da razão, de Jerusalém a razão da razão.
Pe. Jorge Amaro, IMC
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