Auto empatia e empatia pelos outros
Tanto a expressão dos nossos próprios sentimentos e necessidades, como o palpitar empático dos sentimentos e necessidades dos outros estão alicerçados num estado de consciência particular que é o coração da comunicação não violenta. Este estado de consciência nutre-se de empatia pelos outros e de empatia por nós próprios.
Tanto no Novo Testamento, acima citado, como no Antigo Testamento (Levítico 19,18), a Bíblia já se tinha dado conta de que não é possível amar o próximo sem se amar a si mesmo e vice-versa, não é possível amar-se a si mesmo (com um amor saudável, não narcisista) sem amar o próximo.
A autoestima e a estima pelo outro estão intimamente ligadas; a medida que aplicamos aos outros é a que aplicamos a nós mesmos. Empatia é estender aos outros a mesma compaixão que temos por nós mesmos ao usar os quatro componentes da CNV. Isto significa perscrutar os sentimentos e as necessidades do outro, disfarçadas e subjacentes nas interpretações, análises e julgamentos que ele faz em relação a nós, a ele mesmo ou à sociedade em geral.
A prática da CNV implica a intenção de nos ligarmos compassivamente a nós mesmos e aos outros, e uma capacidade de manter a nossa atenção no momento presente – que inclui estar ciente de que, às vezes, neste momento presente, estamos a recordar o passado ou a imaginar uma possibilidade futura, ligarmo-nos compassivamente ao que em nós e nos outros está vivo, ao que está a acontecer em nós e nos outros a nível de sentimentos e necessidades no aqui e agora.
Digo-vos, porém, a vós que me escutais: amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam,
Lucas 6, 27
Nem a empatia nem a auto empatia são fáceis de pôr em prática. As estruturas do poder ensinaram-nos a odiarmo-nos a nós mesmos como odiamos os outros. Em tempos de calma, esta prática pode ser relativamente fácil, mas em tempos de stress, conflitos internos ou externos, o ódio reptílico pode fazer-nos relutantes e dificultar-nos o acesso à empatia e à compaixão, tanto por nós como pelos outros. Só uma grande quantidade de prática - com a consciência de que algumas vezes não vamos conseguir nos pode trazer algum sucesso, que será total se nos mantivermos no caminho.
Os inimigos não existem. Os outros, os nossos rivais não são verdadeiramente nossos inimigos. Tal como nós, eles só procuram satisfazer as suas necessidades, pelo que, quando não temos medo de expressar genuína e honestamente os nossos sentimentos e necessidades, apresentando-nos diante dos outros como vulneráveis e indigentes, apelamos à sua empatia e compaixão, porque os sentimentos e as necessidades são universais. Desta forma, quando eventualmente fizermos os nossos pedidos, de uma forma não agressiva ou arrogante nem submissa, mas sim assertiva, eles vão responder positivamente. Será a compaixão e empatia que despertamos neles que irão ajudá-los a ligar-se ao seu neocórtex e assim vencer por si mesmos e sobrepor-se ao seu egoísmo reptílico.
Receber empaticamente
A CNV é uma estrada com dois sentidos; anteriormente descrevemos os quatro componentes da CNV a partir de nós próprios, ou seja, do que observamos, sentimos e necessitamos, e do que desejamos solicitar dos outros para enriquecer as nossas vidas. Agora trata-se de aplicar esses mesmos quatro componentes aos outros, para ouvir as suas observações, sentimentos, necessidades e apelos ou pedidos; a isto se chama receber empaticamente.
Na comunicação não violenta metade do processo é aprender a expressar-se usando os quatro componentes; a outra metade do processo é como ouvir e responder aos outros no molde dos quatro componentes, de forma a estabelecer uma ligação com o que no outro está a acontecer neste preciso momento a nível de sentimentos e necessidades.
A ligação empática permite-nos ultrapassar as aparências para contemplarmos e nos ligarmos à beleza intrínseca do outro, à energia divina que nele opera, vida nele presente. O objetivo da ligação empática não é compreender intelectualmente a outra pessoa. Tal como para ver e analisar a floresta necessitamos de sair dela, de nos abstrair dela, compreender intelectualmente o outro é deixar de estar empaticamente com ele. Enquanto analisamos mentalmente o outro não estamos com ele.
Empatia é estar com sentir com ser com, é a compreensão respeitosa do que os outros estão a experienciar no momento presente. É neste sentido que funciona a psicoterapia não diretiva de Carl Rogers, professor de Rosenberg. A presença silenciosamente ativa e o escutar empaticamente compassivo do psicoterapeuta, ante o desabafo do cliente, consola (do latim cum solis – estar com) e conforta (do latim cum fortis – fazer forte), fortifica e energiza o cliente, de forma a que ele mesmo encontre a solução para os seus problemas.
Frequentemente, em vez de empatia, de nos colocarmos ao lado do outro, assumimos uma posição de autoridade, como se fossemos o seu pai ou professor e damos conselhos ou manifestamos o que pensamos ou sentimos. A crença de que temos que consertar ou resolver os problemas dos outros, ou de fazê-los sentir melhor, impede-nos de estar com eles. Com o sentido de humor e ironia que lhe era característico, Rosenberg dizia que, quando se tratar de dar conselhos, nunca devemos fazê-lo, a menos que quem os requer nos faça chegar uma petição por escrito assinada por um advogado. Vejamos no seguinte exemplo o que a empatia é e não é:
- Sou mais feia que um burro - diz a filha em frente do espelho.
- Não, tu és a criatura mais bonita que Deus alguma vez criou – responde o pai com a solução rápida.
- Sentes-te desiludida com o teu aspeto hoje? – seria a resposta ou reação empática.
Normas da psicoterapia não diretiva
As normas da psicoterapia não diretiva aplicam-se perfeitamente:
Sentar-se à frente do cliente sem mesa entre os dois; manter uma postura aberta que implica não cruzar as pernas; relaxada, mas não muito, pois poderia transmitir ao cliente desinteresse; sentar-se nem muito longe nem muito perto do cliente, por virtude do instinto territorial; observar todos os movimentos corporais do cliente não só os seus olhos e dar-lhe feedback, perguntando, por exemplo, “vejo que tens o punho fechado, que significa para ti um punho fechado?”
Não deixar o cliente demasiado tempo no passado, trazê-lo de volta ao momento presente, perguntando: “como é que isso está a afetar-te agora, como te sentes agora?” Fazer perguntas abertas, explorativas, para as quais a resposta nunca possa ser um simples sim ou não; para uma maior compreensão do seu discurso, parafrasear o que o cliente diz: “tenho-te escutado dizer que…” - “dou-me conta que, de acordo contigo…” - “sentes-te irritado e desiludido porque…”. As perguntas são feitas de forma a que o cliente se esclareça a si mesmo e não para satisfazer a curiosidade do terapeuta.
Barreiras à empatia
Há afirmações impróprias que acabam por colocar uma barreira entre quem ouve e quem fala, dificultando a comunicação. Este tipo de reações ou afirmações da nossa parte demonstram frequentemente desrespeito pelos pensamentos e sentimentos da outra pessoa. Para melhorar a capacidade de nos relacionarmos bem é importante reconhecer estas barreiras, de modo a que seja mais fácil evitá-las.
- Aconselhar ou ensinar – “Acho que devias…” “Porque é que não fizeste…” Não façamos diagnósticos nem passemos receitas; simplesmente ajudemos a que o outro chegue às suas conclusões, ensinamentos, a tirar do processo as possíveis soluções.
- Expressar intolerância e desaprovação – O outro vai sentir-se rejeitado.
- Moralismos – Afirmações que julgam os atos do outro como bons ou maus, ou o que ele diz como adequado ou inadequado.
- Descontar e rejeitar os sentimentos dos outros – “Isso não é nada, eu já passei por pior…” “Não devias sentir-te assim…” O outro pode até sentir-se aliviado por um momento, mas o sentimento volta.
- Educar – “Olha isto até se poderia transformar numa experiência muito positiva se tu…”
- Pseudo consolo - “Não foi culpa tua, tu fizeste o melhor que podias…”
- Contar histórias – “Isto faz-me lembrar do tempo em que eu…”
- Negação – “Alegra-te, não te sintas triste…”
- Fazer demasiadas perguntas que satisfazem a nossa curiosidade – “Quando é que isto te aconteceu?”
- Corrigir – “Não foi assim que aconteceu…”
- Para quê falar se tu nunca escutas? - Quando o outro pede uma opinião.
- Sentes-te infeliz comigo? – Denota um sentimento de culpa.
- Sentes-te infeliz porque achas que eu não te compreendo? – O foco é no que ele pensa e não no que ele necessita, além do sentimento de culpa em “não te compreendo”.
- Sentes-te infeliz porque precisas ser ouvido? – Correta do ponto de vista da CNV pois o foco é na sua necessidade e não em mim, na possibilidade de eu ter feito algo errado.
Todas estas reações não empáticas têm uma coisa em comum: retiram a atenção do outro para a centrar sobre nós mesmos, na melhor das hipóteses distraem o outro do seu problema ou anestesiam a sua dor, mas não o ajudam a resolver nada, muito pelo contrário.
Em CNV, não nos deve preocupar o que as pessoas dizem, nem a forma como o dizem, pois sabemos de antemão que tudo o que digam pode ser traduzido em observações, sentimentos, necessidades e apelos. Nos seus workshops, Rosenberg não se cansava de repetir que ao longo de milhares de anos de história, desde que o ser humano aprendeu a falar, tudo o que disse e continua ainda hoje a dizer resume-se a duas palavras:
“Por favor…” ao expressar observações, sentimentos e necessidades que acabam num pedido, e, portanto, numa oportunidade ou meio para enriquecer a vida, fazê-la mais maravilhosa…
“Obrigado” ao reconhecer com gratidão, e ao mesmo tempo celebrando a vida, porque as suas necessidades foram satisfeitas.
A empatia de Jesus
A empatia de Jesus e a sua capacidade para escutar ativamente, revê-se em muitos passos da Sagrada Escritura. Aqui apresentamos alguns:
Jesus não julgou Zaqueu (Lucas 19, 1-10) pelo contrário teve para com ele um olhar positivo e acolhedor, não o julgou e deixou que fosse ele mesmo a acusar-se e a encontrar a solução para o seu problema. - Também não julgou a mulher apanhada em flagrante adultério (João 8, 1-11): quando uma pessoa está magoada a última coisa que quer é ser julgada! Jesus foi compassivo, defendeu-a e desceu para ela subir. Jesus chorou lágrimas de compaixão pelo seu amigo Lázaro, mostrando empatia para com o sofrimento das irmãs dele.
O encontro de Jesus com a mulher samaritana no poço destaca-se como um relato detalhado de ação interpessoal. No relato é revelado o suficiente sobre os pensamentos e sentimentos dos dois participantes para reconstruir o encontro como um estudo de caso em psicoterapia. Do superficial e trivial ao mais profundo, este encontro revela as habilidades de Jesus como psicoterapeuta.
Jesus levou a mulher através de uma série de passos em direção à integridade psicológica e espiritual.
Primeiro, Jesus aceitou a mulher como pessoa. Além de violar todos os tabus que se interpunham entre ele e a mulher, Jesus respeitou a sua individualidade, não se deixou intimidar, nem reagiu ao velado sarcasmo dela. Jesus deixou a mulher estabelecer o nível inicial em que a conversa decorre; desta forma, dá-lhe a entender que a aceita como uma pessoa única e com o potencial de crescer como pessoa.
Em segundo lugar, Jesus deixa - a confessar (esclarece) a sua necessidade pessoal. Uma condenação logo de início, através de um olhar ou palavra, teria sido a resposta esperada de um Rabino, por uma mulher de “brandos costumes” como parece que ela era.
De facto, a primeira pergunta da mulher a Jesus deu a entender que ela duvidou do seu real motivo para pedir uma bebida. Jesus, no entanto, deixa-a escolher o seu próprio tempo para revelar a profundidade da sua necessidade. Quando eventualmente a mulher o fez, ela abriu-se por completo dando a conhecer que queria mudar de vida.
Em terceiro lugar, Jesus forneceu dicas sobre a vida íntima da mulher ao sondar o seu passado sórdido. Se ela não estivesse preparada para enfrentar a verdade, a pergunta de Jesus teria sido prematura e até prejudicial. Mas não foi assim, Jesus usou o trauma de expor a sua vida íntima, a fim de quebrar o ciclo vicioso casamento – divórcio – casamento, expondo o seu sentimento de culpa. Em quarto lugar, Jesus libertou a mulher do sentimento de culpa, coisa que já lhe tinha prometido antes: satisfazer a sua sede compulsiva de amor.
Uso de empatia para neutralizar o perigo
Rosenberg conta de como uma rapariga conseguiu neutralizar o seu potencial violador usando a CNV:
Agressor – Despe-te!
Rapariga – (Notando que o rapaz tremia) Parece-me que estás nervoso…
Agressor – Estás surda? Volto a repetir, despe-te!
Rapariga – Sinto que estás verdadeiramente irritado e queres que eu faça o que me mandas.
Agressor – Acertaste e vais-te magoar se não fazes o que te digo.
Rapariga – Gostaria que me dissesses se haverá uma forma de satisfazer as tuas necessidades sem eu ficar magoada.
Agressor – Já te disse que te despisses.
Rapariga – Entendo o que tu necessitas, mas quero que saibas o quão apavorada e horrorizada estou perante esta situação e como ficaria agradecida se te fosses embora sem me magoar.
Agressor – Passa para cá a tua carteira.
A rapariga deu-lhe a carteira aliviada por o agressor não a ter violado. Posteriormente, a rapariga reconheceu que quanto mais estabelecia empatia com o seu agressor, a intenção de a violar ia perdendo terreno. Esta é uma dessas situações na qual é muito difícil sentir empatia pelo outro. Mas é um facto que quando conseguimos descobrir e sentir empatia pelos sentimentos e necessidades do outro, já não vemos nele o monstro, mas a pessoa.
Pe. Jorge Amaro, IMC
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