15 de junho de 2018

CNV - Pedir sem exigir

«Pedi, e ser-vos-á dado; procurai, e encontrareis; batei, e hão-de abrir-vos. Pois, quem pede, recebe; e quem procura, encontra; e ao que bate, hão-de abrir. Mateus 7, 7-8

Dai e ser-vos-á dado: uma boa medida, cheia, recalcada, transbordante será lançada no vosso regaço. A medida que usardes com os outros será usada convosco.» Lucas 6, 38

Depois de aprender a fazer observações, expressar sentimentos, e reconhecer necessidades sem analisar, julgar, criticar ou acusar aqueles com os quais nos relacionamos, estamos preparados para fazer pedidos pois criámos a situação ideal para que esses pedidos sejam atendidos. Quando somos autênticos, nos abrimos e partilhamos com total honestidade o que observamos, sentimos e temos necessidade, provocamos compaixão e empatia nos outros, aumentando assim a probabilidade de que as necessidades de todos sejam satisfeitas e a vida de todos seja mais aprazível.

A fim de satisfazer as nossas necessidades, fazemos pedidos para avaliar qual a probabilidade de obter cooperação para estratégias específicas que temos em mente para atender às nossas necessidades. O nosso objetivo é identificar e expressar uma ação específica que acreditamos que irá servir este propósito e depois verificar com outros envolvidos sobre a sua disponibilidade para participar na satisfação das nossas necessidades desta forma.

A CNV faz recomendações sobre como isso pode ser feito, para maximizar a conexão no relacionamento, de forma a aumentar as probabilidades de que as necessidades de todos os envolvidos na interação sejam satisfeitas.

O que é um pedido em CNV?
Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanece em mim e Eu nele, esse dá muito fruto, pois, sem mim, nada podeis fazer. João 15, 5

O texto de S. João sugere, ao mesmo tempo, que somos indigentes e parte de uma comunidade. Como seres sociais que somos, a nossa felicidade, o nosso bem-estar envolve os outros. De facto, parte integrante e importante das nossas relações com os outros são os pedidos que implícita ou explicitamente lhes fazemos. Rosenberg defende que 80% da nossa comunicação contém pedidos, seja de empatia ou de ação.

No contexto da comunicação não violenta, um pedido é uma oportunidade de contribuir para o nosso bem-estar e/ou o dos outros; consta da solicitação de uma ação específica que tem como objetivo satisfazer uma necessidade concreta nossa ou dos outros. Para isto é preciso estar consciente das nossas necessidades e saber formulá-las.

Quando fazemos pedidos estamos preparados para ouvir “Não”. Como o objetivo final da comunicação não violenta é que todos ganhem, o “Não” tem o valor de Sim. Sabemos que um sim forçado ao nosso pedido seria um presente envenenado que redundaria em perda para ambos os interlocutores. Curiosamente na língua nacional da Etiópia, o amárico, há duas palavras para dizer sim, “Au” ou “Eshi”, e nenhuma para dizer não. Dizer não é pouco cortês.

Pretender que o outro contribua para a satisfação das nossas necessidades sem ter em conta as suas, negando as suas ou mesmo sacrificando-as, é fazer dele um escravo subserviente da nossa vontade; isto não é bom para ele e não pode ser bom para nós. Por outro lado, tal pedido já nem seria um pedido, mas sim uma ordem, uma exigência.

Um “Não” pode ser a resposta a um nosso pedido, mas o que ouvimos é que as necessidades do nosso interlocutor estão, de momento, em conflito com as nossas, o que é compreensível e facilmente aceitável pois em CNV, as necessidades dos outros são tão importantes quanto as nossas. Portanto, se estamos em sintonia com a filosofia da CNV, nunca ouvimos um “Não”; o que ouvimos são os sentimentos e necessidades que, de momento, impedem a outra pessoa de dizer "Sim".

O espírito dos pedidos depende de nossa capacidade para ouvir e encaixar um "não" e continuar a trabalhar connosco mesmos ou com os outros, de modo a encontrar formas de satisfazer as necessidades de todos. Para sabermos se estamos a fazer um pedido ou uma exigência é suficiente ouvir se a resposta ao nosso pedido foi um não.

As ordens forçam o outro a uma obediência cega e o incumprimento levará a consequências punitivas; pelo contrário, os pedidos dão à outra pessoa liberdade de escolha, mesmo que a resposta seja um "Não", já que significa um "Sim" às necessidades da outra pessoa que a impediram de dizer “Sim”. Então, um pedido negado, na maioria das vezes, levará simplesmente a mais diálogo.

Se confiarmos que através do diálogo podemos encontrar estratégias para satisfazer as necessidades de ambos, um “Não" é simplesmente a informação para nos alertar que dizer "Sim" ao nosso pedido podia sair-nos muito caro em termos de necessidades da outra pessoa.

Uma ordem negada pode ter consequências punitivas; um pedido negado mais frequentemente levará a mais diálogo. Reconhecemos que "Não" é uma expressão de uma necessidade que está a impedir que a outra pessoa diga "Sim". "

Se aceitamos em boa fé o “Não” do outro, podemos continuar a procurar a ligação e o entendimento para permitir o surgimento de estratégias adicionais no sentido de satisfazer as necessidades de ambos. “Não queiras do teu amigo mais do que ele quer contigo”, já dizia o meu pai.

Portanto, em CNV, o que aparentemente parece um “Não” absoluto à satisfação das minhas necessidades, na realidade é um “Sim” do outro às suas próprias necessidades; como amo o outro como a mim mesmo, as necessidades dele são tão minhas quanto as minhas pelo que, do ponto de vista da CNV, o que eu ouço é fundamentalmente um “Sim”.

E as minhas necessidades, aquelas que motivaram o meu pedido, como lidamos – eu e ele - com elas? Ele, na resposta em que refere a razão pela qual não pode satisfazer as nossas necessidades, porque as suas o impedem, pergunta-nos se concordamos em adiar as nossas para um tempo próximo e concreto.

Se formos psicologicamente maduros e amarmos o outro como a nós mesmos, aceitamos de boa vontade, esse adiamento; se não o formos, rebelamo-nos como uma criança que exige a satisfação imediata das suas necessidades. A capacidade psíquica para adiar a gratificação ou prazer que se sente pela satisfação das nossas necessidades é uma prova de maturidade psicológica, como prova o bem conhecido “Teste da Guloseima”.

A várias crianças entre os 4 e os 5 anos foi dada individualmente a possibilidade de comerem uma guloseima no momento ou duas se aguardassem 15 minutos pela segunda sem comer a primeira. Com o decorrer dos anos, seguido o percurso destas crianças, ficou provado que aquelas que conseguiram adiar a gratificação não comendo a guloseima durante os 15 minutos estabelecidos, foram mais bem-sucedidas que aquelas que não conseguiram adiar a gratificação.

Apesar de na interpretação violenta do cristianismo se ter martelado constantemente na ideia de que o outro vem primeiro que eu, de que as necessidades do outro são mais importantes que as minhas, de que devo colocar-me ao serviço do outro, esquecendo-me de mim mesmo, a CNV sugere o contrário, que as minhas necessidades devem ser satisfeitas em primeiro lugar. É precisamente isto que sugere o amor ao próximo como a ti mesmo. Se o “violento altruísmo cristão” é a verdade, então o mandamento deveria ser formulado ao contrário:

Agora entendo algo que me fazia confusão sempre que viajava de avião e me era dito que, no caso de repentinamente haver uma queda da pressão da cabine, devia colocar primeiro a minha máscara de oxigénio e só depois ajudar as crianças ou qualquer outra pessoa a colocar a sua. A julgar pelo “violento altruísmo” de matriz cristã, eu deveria primeiro ajudar os outros a colocarem as suas máscaras e só depois colocar a minha.

Se assim fizesse, porém, podia acontecer que enquanto tentava colocar a máscara nos outros eu mesmo perdesse a consciência; o resultado seria catastrófico pois pereceria eu por não ter colocado a minha máscara primeiro e pereceriam os outros porque não tinha conseguido ajudá-los.

A caridade começa em casa. Como o exemplo anterior, podemos referir muitos outros: na cultura etíope, os que são o sustento e ganha-pão da família comem antes das crianças. Isto pode parecer estranho na nossa cultura ocidental, mas o facto é que se uma mãe a amamentar um bebé, não se alimentar primeiro, o bebé não será nutrido. Em CNV, se um perde todos perdem, se um ganha todos ganham. Ou ganham todos ou não ganha ninguém

Se alguém acede ao nosso pedido por medo, culpa, vergonha, obrigação ou desejo de recompensa, compromete a qualidade da ligação e confiança entre nós. Os nossos pedidos devem ser expressados de forma a deixar a pessoa livre e com capacidade de escolha; desta forma, podemos não conseguir aprovação imediata para os nossos desejos, mas aumentamos a probabilidade de as nossas necessidades serem atendidas a longo prazo, pois estamos a passar a mensagem de que não só as nossas necessidades contam, mas as dos outros também contam.

Existem, portanto, dois tipos de pedidos: pedidos de ligação e pedidos de ação. Os pedidos de ligação devem preceder os de ação, uma vez que só depois de ser estabelecida a ligação entre as pessoas, ou seja, o entendimento mútuo dos sentimentos e necessidades de cada um, é que devem ser procuradas soluções ou vias para a satisfação das necessidades de ambos.

Partir para a solução de problemas sem nos certificarmos de que ambos os interlocutores estão sintonizados no mesmo comprimento de onda é uma receita para o fracasso. A palavra de ordem é então ligação primeiro, soluções depois.

Pedidos para uma maior ligação, empatia e mútuo entendimento
É o grau de ligação que temos com determinada pessoa que vai determinar a qualidade da sua resposta ao nosso pedido. Por isso, os nossos pedidos devem ser primeiro de ligação, com vista a uma compreensão e entendimento mútuos que determinarão se a ligação que existe entre nós é suficiente para avançar para um pedido de ação. São vários os pedidos que promovem um maior entendimento entre as partes:

Pedidos de entendimento – Para nos certificarmos de que o que expressámos foi entendido pelo outro: “Podes repetir o que me ouviste dizer?”, ou seja, foi a minha mensagem recebida e entendida tal como eu a enviei? Não devemos nunca dar por garantido que fomos capazes de expressar o que verdadeiramente queríamos e que o outro interpretou as nossas palavras exatamente como nós as interpretamos.

Para termos a certeza de que estamos em sintonia, perguntamos ao outro, “Podes, por favor repetir o que me ouviste dizer?” Caso a pessoa não tenha entendido o que dissemos, concluímos, "Fico-te agradecido por me teres dito o que ouviste, chego à conclusão de que não me expressei tão claramente como queria; vou tentar de novo”.

Pedidos de empatia - “Como te sentes acerca do que te disse?” Podemos entender-nos a nível de pensamentos, mas não a nível de sentimentos. Os sentimentos dizem mais de uma pessoa que os pensamentos, por isso, a ligação a nível de sentimentos é extremamente importante para depois podermos formular um pedido de ação.

Pedido de pausa- Estou confuso, gostaria de ter algum tempo para pensar, para evitar dizer mais do que o que deveria. A CNV não é tão automática como a comunicação violenta; reagir e comunicar a partir do nosso cérebro reptílico, é fácil e rápido; ligarmo-nos ao neocórtex é mais difícil e requer mais tempo.

Pedidos de ação, solução ou estratégias para satisfazer necessidades
Os pedidos de ação devem ser feitos no presente e para o presente e não para o futuro, devem ser concretos e específicos e não vagos ou genéricos, devem usar palavras e verbos de ação tom positivo e não usar linguagem negativa; devem ser viáveis e realistas e não abstratos.

Presente versus futuro – Um pedido não deve ser feito para ser cumprido vagamente no futuro, como por exemplo “Podias lavar o carro amanhã?” “Prometes-me agora que amanhã de tarde lavas o carro?” O carro é para ser lavado amanhã de tarde, mas estou a conseguir hoje um compromisso de que assim será feito. Vale mais um pássaro na mão que cem a voar.

Concreto versus vago e genérico – “Gostaria que respeitasses a minha privacidade” é um pedido genérico pois pode referir-se a muitas coisas - não é realista nem viável. Em vez disso, podemos pedir “Gostaria que batesses à porta antes de entrar no meu escritório” - este é um pedido de uma ação concreta que pode ser realizada e que contribui para respeitar a privacidade ou tem esse como objetivo final.

Positivo versus negativo – Pedir o que queres e não o que não queres. Pelo receio de pedir diretamente o que desejamos, formulamos o nosso pedido em linguagem negativa, ou seja, dizemos o que não queremos que o outro faça na esperança de que leia nas entrelinhas e adivinhe o que queremos que ele faça.

Usar esta estratégia pode fazer com que o tiro nos saia pela culatra, como acontece no exemplo que Rosenberg cita no seu livro: desejando que passasse mais tempo comigo em casa, pedi ao meu marido que não passasse tanto tempo no trabalho; algum tempo depois, ele disse-me que tinha decidido praticar golfe. Devemos, portanto, pedir o que queremos e não o que não queremos.

Viável e realista versus abstrato – Além de genéricos, muitos dos nossos pedidos são abstratos pois não se referem a algo concreto que pode ser feito imediatamente, mas a algo que tem mais a ver com atitudes do que com atos. Por exemplo, “Gostaria que me aceitasses como sou” refere-se a uma atitude e não a um ato concreto. Pode ser substituído por “Podes dar-me um exemplo de algo que eu tenha feito e que tu gostaste?”

Formular pedidos não dar ordens
O objetivo da CNV é criar uma qualidade de empatia e mútuo entendimento tal que nos permita dar um ao outro, com compaixão e gratuidade. Quem pensar que o objetivo é mudar o comportamento do outro, ou que as coisas se façam como nós queremos, está fora do espírito e da filosofia da CNV.

De facto, desde o momento em que o outro se apercebe da nossa determinação e obstinação em obter o que queremos, vai entender o nosso pedido não como solicitação, mas como uma ordem mais ou menos camuflada.

Quando o requerente não faz acompanhar o seu pedido pela expressão dos seus sentimentos e necessidades, mais facilmente este é recebido como ordem e não como solicitação. As ordens incluem ameaças de castigos ou promessas de prémios, e usam o medo, a culpa, a vergonha e a manipulação para obter submissão ou conformidade.

As solicitações são recebidas como ordens quando os que as ouvem creem que serão chamados a contas ou punidos se não cumprirem. Os pedidos levam à cooperação, as ordens, provocam resistência. Ante uma ordem só há duas opções, submissão ou rebelião; ambas têm preços muito altos e causam estragos nas relações interpessoais.

A perceção de um pedido como coercivo diminui de imediato a possibilidade de uma resposta compassiva; quanto mais as pessoas ouvem ordens, menos gostam de se relacionar connosco.

Às vezes, não é fácil diferenciar um pedido de uma ordem; um bom teste para saber se a solicitação foi feita como ordem ou como pedido é a reação da outra pessoa ante um “não”. Se a resposta a um não é um argumento, um dever ou uma crítica, então foi emitida uma ordem e não um pedido. Observemos a resposta a um não no seguinte diálogo:

- “Sinto-me só, queres passar a noite comigo?”
- “Hoje não, estou muito cansado.”
- “Se me amasses realmente e sabendo que me sinto só, passavas a noite comigo.”

O bom uso do quarto elemento da CNV é a prova de que assimilámos os anteriores e estamos capacitados para contribuir para o nosso bem-estar e para o bem-estar dos outros, enriquecendo a vida em geral. Deixar de emitir ordens para fazer pedidos significa que estamos mais focados na qualidade da ligação que queremos construir com os outros do que na satisfação das nossas necessidades.

CNV em ação
Observação – Disseste que só tens o relatório pronto na próxima semana.
Sentimento – Sinto-me frustrado e preocupado.
Necessidade/Valor – Para mim, é importante cumprir prazos para melhorar a eficiência da empresa.
Pedido – Poderias dizer-me qual é o problema, e o que pode ser feito para estar resolvido amanhã às 16h00?

Observação – Quando me devolveste o carro, o depósito de combustível estava vazio.
Sentimento – Senti-me irritado.
Necessidade/Valor – Necessito do carro para chegar ao emprego amanhã.
Pedido – Podias meter combustível esta noite?

Observação – Disseste que gostarias de ir à discoteca hoje.
Sentimento – Mas eu sinto-me cansado e stressado.
Necessidade/Valor – Preciso de descansar e relaxar.
Pedido de conexão– Como te sentes ante o que acabo de te dizer?

Para além de construir uma maior empatia e entendimento entre todos, ironicamente, a CNV é também o único caminho pelo qual as necessidades de todos são satisfeitas voluntária, compassiva e gratuitamente, sem custos acrescidos para ninguém.
Pe. Jorge Amaro, IMC

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