Fátima - a mais política de todas as aparições marianas. Clodovis Boff – Teólogo, filósofo e professor
A pintura e a escultura, ao longo dos tempos, têm-nos habituado a uma imagem estereotipada de Maria como “humilde serva de Sião”, passiva, de rosto sereno e calmo, que, em vez de falar abertamente e expressar os seus pensamentos e sentimentos, guarda as coisas no seu coração (Lucas 2, 19). Não negamos que tudo isto seja verdade, mas é só uma faceta da sua personalidade.
Não sei por que razão, ao largo dos séculos, a outra cara de Maria nunca foi pintada nem esculpida; a mulher do Magnificat que, a plenos pulmões, cheia de energia, quase contradizendo o paradigma antes descrito, proclama: “manifestou o poder do seu braço e dispersou os soberbos. Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes. Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias.” Lucas 1. 51-53
Maria pro ativa – Quando recito estes versos, a imagem que me surge na mente tem mais parecido com a Padeira de Aljubarrota ou com a mulher de peito nu, empunhando a bandeira diante das tropas da tomada da Bastilha, que aquela a que a Igreja nos tem habituado. Admito a exageração, sobretudo por causa do elemento violento implícito nas duas imagens da minha fantasia; mas também há exagero na figura estereotipada, pelo que a verdade seja um misto das duas figuras. Uma Maria, obviamente não agressiva, mas mais proativa que passiva.
Sendo a aparição de Nossa Senhora em Fátima, a mais política de todas as aparições, como diz Boff, até para verificar a autenticidade das aparições de Fátima, era mister encontrar alguma manifestação política na figura bíblica de Maria. Pelo Magnificat podemos concluir que Fátima não foi a primeira vez que Maria “se meteu na política”. Assim sendo, a mensagem de Fátima é verdadeiramente revolucionária ao estilo do Magnificat, e revela-nos a outra cara de Maria, a da intervenção sociopolítica, como pré-anúncio do Reino de Deus que o Seu filho veio trazer ao mundo.
Em Fátima, Maria, mãe da Igreja, mãe da vida, visita os seus filhos com uma mensagem de vida e de paz, para um mundo imerso na guerra, na morte genocida e ideológica; vem anunciar que Deus continua vivo e bem vivo, a todos aqueles que o proclamaram morto, como o filósofo Nietzsche no materialismo ideológico e histórico, assim como no ateísmo militante que, partindo da Rússia, se alastrou pelo mundo inteiro.
Em Fátima, Maria visita o seu povo como outrora visitou a sua prima Isabel; pede aos pastorinhos que se ofereçam e participem com Deus no projeto de salvação do mundo, vítima de si mesmo, do seu racionalismo e niilismo cruel e sem coração, que causou os horrores da guerra e a crueldade da tortura e o irracionalismo das perseguições e genocídios étnicos e religiosos do século XX. E, a título de esperança, para consolar os seus filhos nas horas amargas, deu-lhes a certeza de que, no fim, o seu coração imaculado triunfaria.
(…) coloco hoje diante de ti a vida e o bem, a morte e o mal. Deuteronómio 30, 15. Tal como Moisés, Maria, em Fátima, coloca lado a lado a esperança e a ameaça, a salvação e a ruina, a promessa e o aviso, a graça e o juízo e, ainda tal como Moisés, insta-nos a optar pelo bem e pelo caminho do Evangelho para sair dos horrores nos quais o mundo se tinha metido.
O contexto histórico e social das aparições
As duas guerras mundiais – Na primeira guerra mundial morreram cerca de 12 milhões de pessoas, na segunda 60 milhões. Nunca nenhuma guerra anterior tinha dizimado tantas vidas, se pensamos também no número de feridos, que duplica estes números e dos quais muitos ficaram deficientes o resto da vida.
Os totalitarismos, Nazista, Fascista e Comunista, com os seus genocídios, limpezas ideológicas étnicas e religiosas – Aos mortos na guerra, somamos os milhões de vítimas dos regimes totalitaristas que, a escala nunca antes vista, praticaram limpezas étnicas, como o extermínio dos Judeus nos campos de concentração nazis, as limpezas ideológicas comunistas praticadas nos Gulags siberianos e os torturados e desaparecidos dos fascismos europeus e latino-americanos.
O ateísmo militante comunista e a perseguição religiosa – na antiga União Soviética e países satélites pertencentes ao Pacto de Varsóvia; China, Cuba, onde ainda não existe liberdade religiosa, e os vários países africanos comunistas de orientação chinesa ou soviética, durante décadas, o ateísmo militante impôs-se, perseguindo os que se manifestavam religiosos. Segundo Eloy Bueno, no seu livro a Mensagem de Fátima, o número de mártires do século XX acende a 26.685.000
O armamento nuclear e a guerra fria – Com a bomba atómica que os Estados Unidos lançaram sobre as cidades de Hiroxima e Nagasaki, seguiu-se uma escalada de armamento nuclear que fazia uma ameaça constante para a Paz mundial. Ao fim da guerra fria, havia armas nucleares capazes de destruir o mundo, não uma, mas dez vezes.
Neste contexto lúgubre e tenebroso, antes de acabar a primeira guerra mundial, anunciando a segunda como pior que a primeira, deixando antever a possibilidade de uma terceira no segredo, surge Fátima como luz da paz que é possível; como um chamamento à conversão da Rússia, de uma forma especial, por ser responsável do ateísmo ideológico e militante mas, de uma forma geral, de todos os pecadores para os tirar do inferno, não tanto daquele inferno que os pastorinhos viram em visão, mas no inferno em que a vida dos homens se tinha tornado.
"Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo; fazei penitência e crede no Evangelho." Marcos 1, 15
“Para grandes males, grandes remédios” - Com a mesma urgência de Jesus no inico da sua pregação, por Maria em Fátima no ano de 1917, Deus intervém, direta e visivelmente, na história humana para reorientá-la para Cristo seu filho. Ajuda e protege os agentes do Evangelho da paz e do bem e pede a três crianças que se ofereçam pela conversão dos pecadores, da Rússia e pela paz no mundo.
A tríade de conversão, penitência e oração é ao mesmo tempo o centro do Evangelho e o núcleo da mensagem de Fátima. Assim sendo, podemos dizer que Fátima ecoa no dramático e negro século XX a mensagem do Evangelho de há dois mil anos.
“O meu Coração Imaculado triunfará”
Fátima em 1917 pode ser vista como o prolongamento de Lourdes em 1958, quando a Nossa Senhora se apresentou a Santa Bernardete como sendo a Imaculada Conceição, dogma que Pio XI proclamara anos antes e que Bernardete desconhecia o significado.
O ser humano é mente e coração, os racionalismos exagerados do seculo XX levaram aos horrores das guerras e genocídios que foram perpetrados por gente sem coração. Deus é Pai e é Mãe, é homem e mulher. Se Jesus representa a Deus como Pai e homem, pois como Ele disse a Filipe, quem me vê a mim vê o Pai, Maria, a mãe de Jesus, representa a Deus como mulher e mãe.
Por isso, a um mundo de excessivo machismo e racionalismo frio e cruel, tinha Deus que enviar uma mulher, Maria, para que as mulheres deixassem de permanecer em casa com a perna quebrada como mães e domésticas e se juntassem aos homens no comando dos destinos políticos do mundo.
Para que trouxessem à politica e à vida social o seu coração sensível e feminino. Pois o coração, como diz Pascal, tem razões que a razão desconhece. E é precisamente a isto que temos vindo a assistir no mundo ocidental e um pouco no resto do mundo, depois da segunda metade do século XX.
O feminino e o masculino são como as duas ases de um pássaro; um pássaro a voar com uma só asa voaria em círculos, e em círculos viciosos de facto tem a humanidade voado até aqui, repetindo os mesmos erros uma e outra vez, de geração em geração. A nossa esperança é que com a mulher ao lado do homem dando o seu contributo em todas as células da atividade humana, o mundo se torne mais humano. O século XX foi um século de demasiado cérebro e demasiado pouco coração. Um mundo mais inclusivo, não só das mulheres, mas também dos homossexuais e outros de certo será um mundo melhor.
O Imaculado Coração de Maria triunfará - Um coração imaculado sempre triunfa; quando a política é feita com coração - com generosidade, compaixão misericórdia, com amor - e não só com a razão. Quando este coração é puro e imaculado, sem a podridão da corrupção, da malícia e do interesse mesquinho e egoísta, então haverá igualdade e paz no mundo quando triunfe o coração sobre a razão e a pureza sobre a corrupção.
Pe. Jorge Amaro, IMC
Maravilhoso Jorge com um final sublime que nos faz certamente reflectir neste mundo corrompido e com tanta falta de valores ,um abraço
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