Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, por não crer no Filho Unigénito de Deus. E a condenação está nisto: a Luz veio ao mundo, e os homens preferiram as trevas à Luz, porque as suas obras eram más. João 3, 17-19
Dom versus opção
Há dois anos em Loriga, depois da romaria ao cemitério no dia 1 de Novembro e ainda no cemitério, estive à conversa com um conterrâneo que dizia: “…vocês os que acreditam sentem-se consolados pela fé, nós os não crentes não temos esse consolo…”. Mais tarde outra pessoa amiga também me dizia: “…que queres que te faça não consigo acreditar…”.
É frequente referirmo-nos à fé como um dom de Deus. São Paulo diz, é o Espirito que dentro de nós clama Abbá, ó Pai (Rom. 8,15). Jesus diz que foi Ele que nos escolheu e não nós a Ele (João 15, 16). Se a fé é um dom de Deus porque é que uns a têm e outros não? É acaso Deus injusto, que a uns dá a fé e a outros não? Então é a fé um dom ou uma opção, ou é as duas coisas?
Tudo parte de Deus, a iniciativa é dele por isso a fé é dom; mas o dom não tem efeito sem a nossa resposta sem o nosso assentimento, por isso a fé também é opção. Somos salvos gratuitamente pela graça de Deus, por intermédio da fé. A fé é a nossa resposta à graça salvífica de Deus.
Neste sentido a fé é um bilhete de ida e volta; é como uma carta, que Deus nos envia, registada e com aviso de recepção, o qual requer que eu aceite a carta e assine o documento que a acompanha. A fé é como um cheque em branco que Deus assina e me envia; para que este cheque tenha valor, ou me sirva de algo, eu tenho que escrever nele uma quantia de dinheiro.
A salvação é um dom gratuito de Deus, a fé nessa salvação é uma escolha livre do homem. Alguém disse que Deus alimenta as aves do céu, mas não lhes vai colocar a comida no ninho, elas têm de sair para a ir buscar.
Na manhã do Domingo os dois viram o sepulcro vazio, Maria Madalena e o apóstolo João; a primeira viu e pensou que tinham roubado o corpo do Senhor, o segundo viu e acreditou que Jesus tinha ressuscitado dos mortos.
Jesus censura e acusa a falta de fé das pessoas da sua geração (Mateus 17,17, Marcos 6,6, Lucas 24,25) assim como a dos seus discípulos (Marcos 16, 14). Se a fé não fosse uma opção, e fosse só um dom de Deus, não haveria razão para tal censura.
Jesus, amargurado porque os fariseus não quiseram acreditar, nem em João Baptista, nem nele próprio, chora sobre Jerusalém e condena as cidades, onde mais milagres foram feitos e nem assim acreditaram; por fim louva os pequenos e os humildes, porque ao contraio dos sábios, acreditaram e aceitaram a sua mensagem. Mateus 11, 16, 27.
A fé é um Obséquio razoável
Razoável não racional. Se Deus existe é o Criador de tudo e de todos; como criaturas que somos não é lógico que a nossa mente possa abarcar a mente de Deus; que a parte possa compreender o todo. Deus não pode ser nunca objecto da ciência aliás nem o Homem o é. Por outro lado o mistério não envolve só Deus e o Homem é comum a todas as áreas do saber. Nenhuma ciência ou área do saber, pode vangloriar-se de já ter descoberto tudo o que há para conhecer no seu campo; quanto mais se sabe mais se pode saber; por isso o verdadeiro sábio se considera ignorante; Nicolau de Cusa chamava-lhe a douta ignorância: de frente à imensidade do que há para ser conhecido, só sei que nada sei.
Como a define o concílio Vaticano I, a fé é um obséquio razoável; razoável porque, enquanto a vida dos outros seres vivos que connosco habitam este planeta é regulada pelo instinto, nós, descendentes do Homo Sapiens regulamos a nossa pela razão; hoje apesar, ou precisamente por causa, dos avanços da ciência é mais lógico, mais plausível, mais humanamente credível a existência de Deus que a sua não existência.
Para além de ser razoável a fé é também um obséquio porque nunca poderá ser provada, nunca será uma conclusão científica, será sempre um passo no escuro e no vazio, uma decisão. Depois de minimamente satisfeitas as exigências da razão, a fé é uma opção; uns dão o passo para além do que pode ser conhecido; outros não arriscam, excessivamente cautos, esperam que a razão lhes encha as medidas e responda a todas as suas questões o que nunca acontece nem vai acontecer.
(…) O rico insistiu: 'Peço-te, pai Abraão, que envies Lázaro à casa do meu pai, pois tenho cinco irmãos; que os previna, a fim de que não venham também para este lugar de tormento.' Disse-lhe Abraão: 'Têm Moisés e os Profetas; que os oiçam!' Replicou-lhe ele: 'Não, pai Abraão; se algum dos mortos for ter com eles, hão-de arrepender-se.' Abraão respondeu-lhe: 'Se não dão ouvidos a Moisés e aos Profetas, tão-pouco se deixarão convencer, se alguém ressuscitar dentre os mortos.'» Lucas 16, 27-31
Ninguém pode culpar a Deus por não lhe ter dado o dom da fé. Só não acredita quem é orgulhoso e idolatriza a razão; só não acredita quem não quer dar o passo no desconhecido para além da razão; só não petisca quem não arrisca; só não acredita quem não quer.
Pe. Jorge Amaro, IMC
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