(…) E, caindo em si, disse: “Quantos jornaleiros de meu pai têm pão em abundância, e eu aqui a morrer de fome! Levantar-me-ei, irei ter com meu pai.” Lucas 15, 17-18
No momento em que o filho pródigo pediu ao pai a sua parte da herança, ele estava deslumbrado pela perspetiva dos prazeres que o aguardavam e, enquanto esses prazeres duraram, ele esteve fora de si. Frequentemente, o prazer torna as pessoas irrealistas e inconscientes, enquanto a dor tem o poder de trazê-las de volta à realidade, como ocorreu com esse jovem.
Da inconsciência à consciência
Antes do "Big Bang", há 15 mil milhões de anos, toda a matéria do cosmos existia sob a forma invisível de uma partícula subatómica extremamente densa e quente, que eventualmente explodiu, dando origem ao Universo em expansão. À medida que as temperaturas se suavizaram, os átomos, que compõem a matéria, começaram a se agrupar em moléculas cada vez mais complexas, as quais se uniram formando membranas que deram origem às células primitivas.
Todas as formas de vida na Terra – vírus, micróbios, bactérias, plantas, animais, e humanos – compartilham elementos comuns, pois procedem de um tronco comum. A célula é a forma mais simples de vida; os primeiros organismos formados na Terra foram unicelulares, como a ameba, que ainda hoje sobrevive nas águas contaminadas da África. A transição de organismos unicelulares para formas de vida mais complexas, compostas por múltiplas células, levou cerca de 3 bilhões de anos.
Como a vida procede de um tronco comum, podemos concluir que a ontogénese recapitula a filogénese, ou seja, o processo de desenvolvimento de um indivíduo da espécie humana, desde a sua conceção até à idade adulta, recapitula ou sintetiza a história da vida neste planeta. O nosso organismo em estado adulto é composto por uns 300 triliões de células; mas, no momento da nossa conceção, quando meia célula do nosso pai se une a meia célula da nossa mãe, somos uma única célula.
O que acontece a nível de um só indivíduo reproduz o que acontece a nível global; a vida que começou com uma única célula, ao longo de milhares de milhões de anos de evolução, diversificou-se em muitas espécies de seres vivos. Assim, desde o momento da nossa conceção até ao nosso nascimento, recapitula-se a evolução das espécies até chegar ao ser humano.
Desde o nascimento de um bebê até a idade adulta, revivemos a evolução humana que, há cinco milhões de anos, começou a se desviar dos primatas, seus ancestrais mais próximos. Assim como um bebê aprende primeiro a andar e depois a falar, a humanidade também evoluiu até alcançar a autoconsciência. No contexto da evolução, para Karl Marx, o Homem é o momento em que a Natureza ganha consciência de si mesma.
A autoconsciência é a capacidade para a introspeção, é debruçar-se sobre si próprio, reconhecendo-se como um indivíduo diferente e separado do meio ambiente e dos outros indivíduos. A autoconsciência é a subdivisão ou duplicação do indivíduo que se torna, ao mesmo tempo, sujeito e objeto dos próprios pensamentos.
Cogito ergo sum dizia Descartes, mas também se pode dizer senso ergo sum: sinto alegria ou tristeza, prazer ou dor, logo existo. A autoconsciência é o significado que atribuo às minhas vivências do dia-a-dia, no contexto geral do que é a minha vida para mim.
Alguém dizia que estamos acordados quando dormimos e dormimos quando estamos acordados. Temos consciência do que verdadeiramente somos durante o sono, nos sonhos. Os sonhos revelam a nossa verdadeira identidade, pois por muitas personagens que apareçam neles, estas não são mais que partes de nós mesmos.
Freud e toda a psicologia depois dele deram muita importância aos sonhos, pois neles está uma das chaves para a nossa verdadeira identidade. Quando estamos acordados usamos máscaras que não só velam a nossa identidade aos outros mas também a nós mesmos. Aliás, a palavra pessoa significa isso mesmo, máscara, personagens que representamos durante o dia.
Estar vivo não é igual a viver
Uma vida que não seja auto-reflexiva, não merece a pena ser vivida, Sócrates (469 AC)
No mesmo momento em que a criança, por volta dos 7 anos de idade, toma consciência de si mesma, de que existe, de que está viva, nesse mesmo momento se dá conta da sua finitude, de que não existirá sempre e de que um dia vai deixar de existir como existe agora. É a morte que dá sentido à vida; ou melhor dizendo, é a existência da morte que nos faz buscar um sentido para a vida.
Neste sentido não é o mesmo estar vivo e viver. Os animais estão vivos mas, como não sabem que um dia deixarão de existir, acabam por não saber também que existem, que estão vivos; como não sabem que estão vivos, não vivem. Não vivem porque não têm muito poder e controlo sobre a própria vida; obedecem cegamente ao seu instinto, pelo que são autómatos.
Somente os seres humanos realmente vivem, porque compreendem que, entre o presente de suas vidas e a morte certa, possuem tempo e energia para moldar o que desejam da sua existência.
Ser consciente é desligar o piloto automático
Com frequência, tranco o carro com o comando e depois de me afastar um pouco pergunto-me se verdadeiramente o fechei; na dúvida, volto ao carro e verifico que sim que o tinha fechado. Como este, todos temos automatismos, coisas que fazemos por rotina e das quais não temos consciência no momento em que as fazemos.
Mais vezes do que gostaríamos de admitir, temos o piloto automático ligado: o nosso comportamento é reativo, muito parecido com o dos animais; a um dado estímulo segue-se uma dada resposta, prevista e previsível. Quando nos comportamos como se estivéssemos em piloto automático, não temos consciência, não estamos em nós mas fora de nós.
O que dizemos ou fazemos não é fruto de uma decisão proativa depois de avaliar a realidade ou situação, mas de uma reação mais ou menos instintiva, pré-determinada, repetitiva e rotineira. Algo parecido com um reflexo, como quando involuntariamente retiro a mão de uma superfície quente para evitar queimá-la.
Ter consciência significa dar-se conta de tudo o que se passa dentro e fora de si.
Ter consciência significa estar instalado no presente, no aqui e agora.
Ter consciência significa ter a alma onde se tem o corpo.
Ter consciência significa auto observar-se.
Ter consciência é estar totalmente presente em cada um dos seus pensamentos, sensações, emoções e ações.
A oração é um exercício de autoconsciência
Quando o filho pródigo voltou a si, voltou ao Pai; enquanto esteve longe do Pai, também esteve longe de si mesmo; enquanto esteve fora da casa paterna, também esteve fora de si mesmo; enquanto esteve dissociado, divorciado, de costas para Deus, também esteve dissociado, divorciado e de costas para si mesmo.
Deus intimior intimo meo dizia Sto. Agostinho, Deus está mais além do meu íntimo, pelo que a oração não é só o encontro com Deus é também um encontro comigo mesmo; não é só um dialogar com Deus mas um dialogar comigo mesmo. A oração é, antes de tudo, um exercício de autoconsciência.
Os que rezam conhecem-se melhor do que aqueles que não rezam. Se Deus, como diz Santo Agostinho, está além de nosso íntimo, além de nós mesmos, não podemos chegar a Deus sem primeiro passar por nós; não podemos conhecer a Deus sem antes conhecer melhor a nós mesmos.
Conclusão
No passar de uma existência inconsciente para a profunda autoconsciência, percebemos que viver não é apenas existir; é moldar o nosso destino, tornando-nos o autor consciente da nossa própria história.
Pe. Jorge Amaro, IMC
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