Foi neste século em que as filosofias ateísticas e niilistas de fins de século XIX buscaram a sua realização histórica. Pensemos em autores como Darwin, Feuerbach, Karl Marx, Freud e Nietzsche, as suas teorias influenciaram as mentes e a opinião pública do mundo ocidental.
Fátima é, de alguma maneira, a resposta de Deus, para a humanidade do século XX. Um Deus que, afinal, não está morto, como essas filosofias previam, nem perdido nem petrificado na mente dos homens primitivos. Pelo contrário, nestes tempos pós-modernos, como sempre, está bem vivo, tornando a Sua presença através da sua Palavra de Vida que é eterna, portanto, válida em todos os tempos e em todos lugares.
Na escolha do lugar e do tempo da revelação divina, surge sem dúvida a pergunta porquê 1917, porquê Portugal? Porquê Fátima? Porquê aquelas crianças em particular e porquê a Cova da Iria? Não há casualidade nos planos de Deus, nem penso, como dizia Einstein, que Deus jogue aos dados. Deus escolhe sempre criteriosamente o tempo, o lugar e os mensageiros ou catalisadores da sua mensagem, como escolheu a Terra e o povo de Israel para encarnar na história da humanidade.
Porquê Portugal?
Terra de Santa Maria – Foi o nome dado no século IX, por Afonso III rei de Leão, às terras que ficam entre o rio Douro e o Vouga. O castelo de Santa Maria da Feira era provavelmente a fortaleza militar e centro administrativo destas terras. O culto à Virgem Maria nestas terras é anterior à nossa nacionalidade; sob a invocação de Imaculada Conceição remonta a Afonso Henriques o primeiro rei de Portugal a quando da conquista de Lisboa em 1147. Portugal é, portanto, conhecido como terra de Santa Maria. Faz, portanto, todo o sentido que Maria visite aquela que sempre foi considerada como a sua terra.
A Imaculada Conceição é rainha de Portugal - A partir de 1640 os reis portugueses deixam de usar a coroa na cabeça. Como tal a dita cerimónia de coroação foi substituída por uma outra e passou a ser chamada de aclamação, na qual o rei recebe a coroa que coloca ao seu lado, não na cabeça. Isto desde que o rei Dom João IV pediu a intervenção de Maria, numa das batalhas da restauração da independência; ao ser bem sucedido o rei proclamou a Nossa Senhora da Conceição Rainha de Portugal.
Muito antes, portanto, de ser declarado dogma pelo Papa Pio IX, em sua bula Ineffabilis Deus em 8 de dezembro de 1854. Já em Portugal Maria era venerada no seu título de Imaculada Conceição. Maria, portanto, visitou os seus domínios.
Porquê Fátima?
Mas tu, Belém a mais pequena entre as cidades de Judá, é de ti que há-de sair aquele que governará em Israel. Miqueias 5,2
O paradigma bíblico de escolher o último, o desconhecido, o que não é importante, não foi aqui roto. Fátima, que contava com pouco mais de dois mil, era uma freguesia agreste, situada num planalto irregular da serra de Aire, com um clima húmido e ventoso, solo pobre e pedregoso seco e sem cursos de água. O povo desta região, inculto e agreste como o próprio terreno, vivia da prática de uma economia agro-pastoril de subsistência.
Não obstante as obstinadas campanhas anticlericais e secularistas e liberais dos finais do século XIX e princípios do século XX, a grande maioria das pessoas permanecia fiel à religião católica, com práticas diárias de oração, tais como: a reza do terço nos serões em família, a frequência regular dos sacramentos da Penitência e da Eucaristia. O povo era humilde e pautava a sua vida pelo calendário litúrgico, vivendo intensamente os tempos litúrgicos Advento, Natal, Quaresma, Páscoa, Ascensão Pentecostes, Corpo de Deus… bem como as romarias dos santos populares de veneração local.
O cónego Manuel Formigão refere, nos seus escritos, que a reza do terço era uma devoção muito querida no lugar de Aljustrel freguesia de Fátima. Aliás, a devoção do rosário era, "de há séculos, a mais geral e a mais querida manifestação do amor de toda a diocese de Leiria, não só de Fátima, à Santíssima Virgem". Todas as famílias o rezavam depois de cear, os pastorinhos tinham por hábito reza-lo também quase como passatempo enquanto guardavam o rebanho.
Visitar Fátima e apresentar-se como a Senhora do Rosário é como chover sobre o molhado. Fátima era terreno preparada para a visita da senhora, que ia precisamente pedir às crianças que rezassem todos os dias o terço. Não lhes estava a pedir nada de desconhecido, mas algo para o qual as crianças já tinham sido iniciadas e era costume fazerem.
Porquê aquelas crianças?
Deus escolhe os humildes para confundir os sábios - Fátima segue os paradigmas do evangelho à letra. Como é possível que uma mensagem tão relevante, tanto para Portugal, como para o mundo inteiro, tenha sido confiada a três crianças rudes, simples e analfabetas?
À primeira vista Lúcia de 10 anos, e os seus primos Francisco de 9 e a sua irmã Jacinta de 7, eram crianças perfeitamente normais; iguais a tantas outras naquelas serranias, tanto pelos seus defeitos como pelas suas virtudes. Porém tinham certos dotes, aspetos da sua personalidade que Deus ia certamente usar para fazer passar a sua mensagem.
Lúcia - não atraía pela sua beleza física, mas era extrovertida, guardava, ensinava e entretinha as outras crianças; sabia contar histórias, sobretudo as histórias da bíblia que ela contava admiravelmente, emocionando os pequenos corações como o da Jacinta; era criativa e vivaz, uma líder natural. Estava, portanto, naturalmente qualificada para a ser a interlocutora de Maria, a mensageira e a depositária da mensagem por longos anos ate ao fim da sua vida em 2005.
Jacinta - ao contrário de Lúcia, era agraciada fisicamente, era franzina, bonita e bem constituída; porém psicologicamente era todo o oposto da sua prima, tímida, introvertida, muito sentimental e sensível. Estava qualificada para ser o coração da mensagem, para ser a sufragadora, para encarnar aquela parte da mensagem de Fátima que dá conta e sentido aos sofrimentos de cada dia e que tira proveito deles para um bem maior, “a conversão dos pobres pecadores”.
Francisco - nem era como a prima Lúcia, nem como a irmã Jacinta. Menos sentimental, mais visceral ou instintivo, abstraia-se de tudo e de todos, não se guiava pela cabeça, como a Lúcia, nem pelo sentimento como Jacinta, mas pelo instinto. Ele era o mais contemplativo dos três, desapegado da vida, de tudo e de todos, tinha a mente e os olhos no “Jesus escondido” no sacrário, como a s três crianças chamavam o Santíssimo Sacramento; passava longas horas em oração e contemplação. Ele encarnou, da mensagem de Fátima, o amor pela eucaristia. Ironicamente, por caturrice do pároco de Fátima, só comungou no leito da morte das mãos de um outro sacerdote por estar ausente o pároco.
Porquê a Cova da Iria?
Conta a lenda que, Iria ou Irene, era uma donzela nascida numa Vila romana nas margens do rio Nabão em Tomar; recebeu educação num mosteiro de monjas Beneditinas. Dotada de beleza e inteligência, a jovem Iria atraía as atenções, tanto do monge Remígio seu diretor espiritual, como do jovem fidalgo Britaldo. Movido de ciúmes, o primeiro deu-lhe uma poção que a fez parecer grávida; ao vê-la naquela condição o segundo deu-lhe a morte. Do Nabão para o Zêzere, do Zêzere para o Tejo, o corpo apareceu incorruptível na localidade, chamada com o seu nome Santa Irene, Santarém.
O local onde apareceu a Nossa Senhora era propriedade privada; pertencia à família de Lúcia, se assim não tivesse sido provavelmente as autoridades teriam encerrado o local e proibido as pessoas de lá irem.
A relevância de Fátima para Portugal
Vivo num conflito entre a necessidade emotiva da crença e a impossibilidade intelectual de crer. (…) O facto é que há em Portugal um lugar que pode concorrer, e vantajosamente, com Lourdes. Há curas maravilhosas, a preços mais em conta" Fernando Pessoa (1888-1935)
O mais internacionalmente conhecido poeta português, encarna muito bem o pensamento filosófico, político e social português do tempo das aparições. Pessoa faz coro com a maior parte dos pensadores portugueses, que imitando os seus congéneres europeus ironiza, satiriza a fé do povo simples, que considera ser ao mesmo tempo causa e consequência da ignorância e falta de cultura.
Insurgindo-se contra o nacionalismo Católico, que já tinha Fátima por epicentro, Pessoa já naquele tempo fazia parte de uma corrente, ainda hoje vigente, que visa que a europa negue as suas raízes cristãs e volte ao paganismo pré-cristão.
A incoerência é bem patente em Pessoa, como denota a frase acima citada; por exemplo, exalta os descobrimentos portugueses e esquece-se ou ignora que estes não seriam possíveis sem a fé que animava e motivava os descobridores. O próprio Camões, o que escreve a historia de Portugal dentro da narrativa da epopeia da descoberta do caminho marítimo para a India, reconhece que a razão dos descobrimentos foi “Dilatar a fé e o império”. A cruz que estava em todas as velas das naus portuguesas era a cruz dos templários; o grande inspirador e mentor dos descobrimentos, o Infante Dom Henrique, era um Templário.
Com a tomada do poder por Afonso Costa em 1910, o Estado viu na Igreja um inimigo a eliminar; tomou como ideologia o laicismo militante e em vez de dialogar com a Igreja, impôs-se à Igreja, começando por expulsar a sua força mais sábia e intelectual, os Jesuítas, os que mais lhe faziam sombra; proibiram as cerimónias religiosas fora das Igrejas, o toque dos sinos, legalizaram o do divórcio, extinguiram os feriados religiosos, reprimiram e limitaram o mais que ponderam a imprensa cristã, os sacerdotes e religiosos não podiam usar em público as suas vestes e hábitos. Para a primeira república, Fátima, era uma crendice obscurantista.
Pouco durou esta política laica pois, providencialmente, no mesmo anos das aparições, em 1917, o governo jacobino e antirreligioso de Afonso Costa sucumbiu. Subiu ao poder Sidónio Pais que instaurou o Estado Novo, acabou com as leis antirreligiosas, mas por outro lado fechou o parlamento. O regime endureceu ainda mais com a ascensão de Salazar em 1928, como ministro das finanças e mais tarde como primeiro ministro. Passamos de um regime liberal laico filo comunista para o fascismo do Estado Novo sem nenhuma guerra.
Em 1931 os bispos portugueses consagraram Portugal ao Imaculado Coração de Maria para ser poupado, como de facto foi, ao avanço do comunismo ateu que devastou o nosso país vizinho, a Espanha, numa guerra Civil fratricida entre 1936 - 1939. Ao contrário de Portugal, a transição para o fascismo de Franco fez-se por intermédio de uma sangrenta guerra civil, com uma perseguição à igreja onde pereceram centenas de padres, Bispos, religiosos e religiosas.
Salazar não era clerical, mas em vez de atacar a Igreja serviu-se habilmente dela e mais concretamente de Fátima, para satanizar e atacar o comunismo, e impedir qualquer tipo de reformas políticas e sociais. Fátima foi nacionalmente e internacionalmente utilizada como arma contra o avanço do comunismo, no entanto a verdadeira mensagem de Fátima nunca se refere ao comunismo, enquanto sistema politico social, mas sim exclusivamente ao ateísmo militante.
“Em Portugal se conservará sempre o dogma da Fé”
(…) quando o Filho do Homem voltar, encontrará a fé sobre a terra? Lucas 18, 8
Esta triste e enigmática, deixada no ar por Jesus, parece sugerir que a fé que vai passando de geração em geração, de uma forma cada vez mais fraca é suscetível de se perder no tempo, muito antes de Cristo vir pela segunda vez para julgar os vivos e os mortos.
Nós portugueses, habitantes da Terra de Santa Maria, temos a promessa que a Senhora de Fátima fez aos pastorinhos, no dia 13 de julho e que ficou incluída na 2ª parte do segredo, de que nestas terras a fé vai permanecer até Cristo vir ao nosso encontro… Vem Senhor Jesus!
Pe. Jorge Amaro, IMC